Os últimos tempos de vida do Papa João Paulo II (264º papa, a contar com S. Pedro) foram como que uma lamparina bruxuleante. Às 21:37 locais de ontem (20:37 em Lisboa), essa luz tremeluzente extinguiu-se. Apagou-se, serenamente.
O Papa João Paulo II – que o século conheceu como Karol Jòzef Wojtyla – conquanto que um papa polémico, foi um homem ouvido e respeitado.
Em matéria de doutrina e de moral, João Paulo II foi por muitos considerado um conservador. Para alguns terá sido mesmo retrógrado - recordem-se, por exemplo, as suas posições anacrónicas (ele que numa das suas primeiras declarações como papa prometera ser um homem deste tempo) relativamente ao uso do preservativo, e não obstante o drama grave e mundial que é a sida (para ele a sexualidade correctamente entendida também compreendia a castidade) e a polémica em que, a propósito, se envolveu com os bispos espanhóis. Como a posição que agressivamente tomou relativamente ao aborto – cuja defesa comparou a decisões nazis.
Escandaloso foi, também, o apoio que velada ou expressamente deu ao ditador chileno, general Pinochet.
Foi, contudo, um viajante incansável, um mensageiro do Evangelho que levou a todos os cantos do mundo nas suas visitas a mais de 130 países. Acção cujos frutos parecem ser confirmados pela “Der Spiegel” que calcula que o número de católicos, no mundo, durante o seu pontificado, tenha passado de 750 milhões para mil milhões.
Teve uma multifacetada experiência de vida, tendo vivido, nomeadamente, a guerra e tendo sido operário.
E antes de se fazer padre – o que só aconteceu depois de ter feito o liceu – foi, designadamente, desportista (de várias disciplinas), actor de teatro e dramaturgo.
Aliás, a sua actividade de dramaturgo prolongou-se até aos seus 40 anos: escreveu peças de teatro em 1939, 1940, 1950 e 1960.
Também em 1939 escreve um livro de poesia, “Salmos renascentistas”, que não publica.
Mas a sua actividade intelectual versaria, também, uma extensa obra de erudição, produzindo obras de índole filosófica e teológica, trabalhos de análise e reflexão e ensaios.
O seu último livro de memórias, “Memória e Identidade”, dado à estampa em 23 de Fevereiro último, tem sido objecto de forte polémica.
Uma das suas maiores e mais importantes prioridades foi o diálogo ecuménico, que promoveu durante o seu longo pontificado (o 3º mais longo da história da Igreja, depois do de S. Pedro e do de Pio IX), até que a imparável doença de Parkinson quase o imobilizou.
Consciente da História da Igreja, como da História da Humanidade, reconheceu os “erros do passado”, pedindo perdão por todas as perseguições e injustiças praticadas ao longo dos séculos por quantos tinham obrigação de servir a Igreja.
Já um seu antecessor, o generoso e corajoso papa Pio VII (251º) – que dobrou o séc XVIII para o XIX - se mostrara desfavorável ao rigor das penas aplicadas pela Inquisição, atribuindo-se-lhe, a propósito, as seguintes palavras: "A lei de Deus não é como a lei dos homens; traz consigo suavidade e persuasão. A perseguição, o desterro, os cárceres são os meios de que se valem os falsos profetas e os falsos doutores".
Matéria em que claramente se demarcaram do seu não muito longínquo predecessor (de um) e sucessor (do outro), Pio IX (255º) - cujo polémico e difícil pontificado perdurou por longos quase 32 anos - que negava a liberdade de fé, de consciência e de culto aos outros credos e eliminava toda a ideia de tolerância, sustentando, ainda, que o pontífice não podia nem devia reconciliar-se com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna, ideias cujo pico é atingido, em Dezembro de 1864, na Encíclica “Quanta Cura” e no tristemente célebre índex que se designava simplesmente por “Syllabus” (ou mais exactamente: “Syllabus completens praecipuos nostrae aetatis errores”).
Dado que todos os media não param de dar informação acerca da vida do romano pontífice que acaba de partir, vou registar, apenas, alguns dados curiosos:
Datas, de entre as mais destacáveis:
- 18.05.1920: nasce
- 04.05.1939: conclui o liceu (aos 18 anos), com as seguintes classificações: Muito Bom: comportamento, religião, polaco, alemão, latim, grego e desporto; Bom: história e físico-química.
- 1942: faz-se seminarista clandestino e estuda, secretamente, filosofia e teologia.
- 01.11.1946: ordenado padre (26 anos)
- 1948: doutoramento em teologia com a mais alta distinção e com louvor.
- 28.09.1958, com 38 anos: consagrado bispo pelo papa Pio XII.
- 13.01.1964, com 43 anos: nomeado, por Pio XII, arcebispo de Cracóvia.
- 26.06.1967, com 47 anos, é sagrado cardeal pelo papa Paulo VI
- 16.10.1978, aos 58 anos, é eleito papa.
Línguas que dominava: além do polaco, latim, grego, hebraico, russo, francês, inglês, alemão, espanhol, holandês e, já depois de ser papa, o italiano.
Frases e atitudes: “Pensamento e profundidade nunca exigem muitas palavras. Quanto mais profundo é o pensamento, tanto menos precisa de palavras” – quando estudante em Roma, em 1946.
“Deus pode penetrar nas mentes dos homens mesmo nas situações mais adversas e apesar dos sistemas e regimes que recusam a sua existência” – sobre os regimes comunistas, nos anos 70.
“Não tenham medo. Abram as vossas portas a Cristo” – sua primeira declaração ao subir ao trono de Pedro. E várias vezes repetida.
Em 79, às autoridades comunistas da Polónia: “não se pode excluir Cristo da história”.
“Ninguém deve pretender que as mudanças na Europa de Leste se deviam fazer segundo o modelo ocidental. Isso é contrário às minhas convicções mais profundas” – a Gorbachev, em 1989.
“Depois da derrocada histórica do comunismo, não hesitaria em formular sérias dúvidas sobre a validade do capitalismo” – na primeira visita à Rússia, em 1993.
“Os defensores do capitalismo têm tendência para fechar os olhos, a todo o custo, às boas coisas realizadas pelo comunismo” – na mesma visita à Rússia.
Na ONU, em 1995: “A fé em Cristo não nos impele para a intolerância. Pelo contrário, obriga-nos a cativar o próximo através de um diálogo respeitoso.”
“Que Cuba se abra ao mundo e que o mundo se abra a Cuba” – aquando da sua visita a Cuba, em 1998.
Em 1999, exorta o regime de Fidel de Castro a respeitar a liberdade religiosa e os direitos humanos.
Lutou contra os excessos do capitalismo e da sociedade de consumo, a opressão e o ateísmo de Estado.
Dentro de três semanas são 121 os cardeais eleitores que vão estar reunidos em conclave, na Capela Sistina, para elegerem o 265º papa, o sucessor de João Paulo II (dos quais eleitores os maiores grupos são os italianos – 20 – e os norte-americanos – 11).
O mais novo deles é o cardeal Peter Erdo, de 52 anos, húngaro, nascido em 25.06.1952.
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