terça-feira, maio 31, 2005

“SÍTIO” DO SIM, DO NÃO E DO TALVEZ


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De inegável interesse – e oportunidade – é a abordagem do Prof Vital Moreira, no PÚBLICO desta data.

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Sem rumo na tempestade

Vital Moreira

Não sei se na noite de domingo houve alguma troca de felicitações recíprocas entre os líderes da frente do "não" - Le Pen, De Villiers, Fabius, Arlette Laguilier e Marie-George Buffet - para celebrarem a sua rotunda vitória no referendo do tratado constitucional da União Europeia em França. Se o pudor político prevaleceu, nem por isso deixam de se poder felicitar pelo sucesso comum.
Cumplicidades assumidas ou não entre os rejeicionistas, torna-se evidente que a Constituição europeia foi vítima de uma heteróclita coligação negativa, onde se misturaram, sem tom nem som, os mais viscerais inimigos da integração europeia desde o início, alguns dos que sempre com ela estiveram e lhe deram os sucessivos impulsos para a frente e os que alegadamente a rejeitaram em nome de uma outra constituição "mais federal" ou "mais europeia". O facto de os segundos e terceiros terem ajudado os primeiros a acertar um profundo golpe na própria UE - cujas consequências ainda resta apurar, mas cuja gravidade não pode ser contestada -, diz bem dos equívocos com que se jogou este referendo. A dimensão de populismo e de demagogia que sempre acompanha os exercícios referendários, sobretudo os que têm uma amplitude "holística" como este, permitindo aos eleitores responder às perguntas que eles próprios quiserem (mesmo que não tenham nada a ver com o objecto do referendo), ajuda a explicar estas alianças politicamente "contranatura".
Tudo e o seu contrário pôde ser invocado contra o texto constitucional: nacionalistas e soberanistas contra um suposto super-Estado europeu escondido por detrás da Constituição, e federalistas radicais, insatisfeitos pela sua timidez no sentido integracionista; ultraliberais, por ela não dar suficiente lugar ao mercado, e partidários do modelo social francês, denunciando a deriva neoliberal e "anglo-saxónica" da UE; católicos fundamentalistas, pela falta de referência à herança cristã da Europa, e laicistas radicais, pela referência expressa às religiões. Contra a Constituição foram invocados os argumentos mais reaccionários, como a xenofobia mais rasteira e o nacionalismo mais pedestre, e os mais despropositados, como a ideia de que ela "constitucionalizaria" o modelo de economia de mercado, quando este está "constitucionalizado" desde 1957 no Tratado de Roma que instituiu a Comunidade Económica Europeia. Não faltou quem assacasse à Constituição o ela deixar margem para restaurar a pena de morte, para proibir o aborto ou para pôr em causa o laicismo francês! Houve quem o dissesse convictamente e houve ainda mais quem o acreditasse.
Parece evidente que o tratado constitucional foi sobretudo o bode expiatório dos males da França e das dificuldades que defrontam a UE. Para além do descrédito do Governo de direita em França, o que contou foi o desemprego, o débil crescimento económico, as deslocalizações de empresas, o alargamento da UE a leste, a globalização, a insegurança quanto ao futuro do modelo social francês, em particular, e europeu em geral. A infeliz e inoportuna coincidência da polémica sobre a adesão da Turquia ou sobre a directiva Bolkestein (criação do mercado interno dos serviços), bem como a entrada em vigor da liberalização das trocas comerciais com a China, tudo isso contou para o pretexto global de que foi vítima a Constituição. O protesto contra o que está (e Bruxelas tem as costas largas) e o medo do desconhecido explicam o rotundo desaire sofrido pela UE em França.
O facto de a Constituição não ter a ver com nada disso - e poder ser pelo contrário um antídoto contra alguns dos males e impasses em causa - não contou nada. Na verdade, não se tratou de rejeitá-la pelo que ela é em si mesma, mas sim como expressão do descontentamento e da insegurança dos franceses perante a crise do actual modelo económico e social. A circunstância de o provável afastamento da Constituição não afastar o desemprego, nem as deslocalizações de empresas, nem a invasão dos canalizadores polacos, nem a inundação dos têxteis chineses, nem o dumping fiscal dos países do Leste e o dumping social da Índia e da China, nem a liberalização dos serviços públicos, nem a necessidade de reforma do modelo social francês -, nada disso conseguiu parar a deriva rejeicionista. Tampouco serviu o simples pensamento de que só a Constituição, para além de menos liberal e mais social do que os actuais tratados, poderia conferir às instituições da UE o élan necessário para enfrentar a crise e relançar o projecto europeu.
Há evidentemente muitos argumentos politicamente coerentes para rejeitar a Constituição europeia. Ninguém se surpreende com a posição dos nacionalistas de direita ou de esquerda, ou dos comunistas e outras forças políticas contrárias à economia de mercado, com ou sem modelo social europeu. Sempre estiveram e hão-de estar contra a UE e contra o avanço da integração europeia. Votam contra a Constituição agora como teriam votado contra o Tratado de Maastricht ou contra o Tratado de Roma. Louve-se-lhes a coerência. Mas existe também um argumento cínico contra a Constituição europeia, que é o dos que a rejeitam pretensamente "em nome da Europa" e de em nome de uma "outra Constituição". No seu argumentário, entre nós representado pelo Bloco de Esquerda, o tratado constitucional deve ser rejeitado não por ser uma constituição mas sim por não ser uma genuína constituição aprovada em assembleia constituinte; não por trazer Europa a mais, mas sim por trazer a menos; não por ser um avanço constitucional, mas sim por ser pouco mais do que a constitucionalização do que está, incluindo o modelo económico neoliberal; não por não ser melhor do que o que está, mas sim por ser muito recuada quando comparada com o que deveria ser.
Mesmo que a Constituição correspondesse a essa caricatura (e não corresponde!), não existe maneira mais simples, nem mais cínica, de rejeitar qualquer avanço do que em nome de um maximalismo consabidamente utópico, ou pura e simplesmente indefensável. Assim se justifica rejeitar a alternativa que realmente existe em nome de algo que não existe nem pode existir, para assim justificar a manutenção do que está. A verdade é que nenhum dos anteriores tratados instituidores da UE foi tão democraticamente participado na sua elaboração como este, numa "convenção" onde participaram representantes das instituições europeias e nacionais, nomeadamente do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais, tendo sido expressamente aprovado pelo primeiro, para além de o dever ser pelos segundos; nenhum tratado anterior foi submetido a tão amplo escrutínio e a tão prolongada discussão pública; nenhum avança tão decididamente na democratização das instituições e na transparência da governação europeia (mais poderes para o Parlamento Europeu e para os parlamentos nacionais, iniciativa legislativa popular, reuniões públicas do Conselho de Ministros quando no exercício de poderes legislativos); nenhum foi tão longe na protecção dos direitos dos cidadãos europeus face às instituições europeias (constitucionalização da Carta de Direitos Fundamentais); nenhum assumiu tão decididamente a UE como entidade política autónoma na cena internacional (política externa e política de defesa comum). É tudo isso que se perde sem o tratado constitucional.
A rejeição da Constituição europeia não significará somente prescindir de uma UE mais forte, mais democrática, mais transparente, com instituições mais eficientes e, mesmo, mais social. Implica a abertura de uma crise de confiança e de desorientação que só pode traduzir-se numa paralisia mais ou menos demorada, quando a globalização, a ofensiva de hegemonia mundial dos Estados Unidos e a emergência de novos poderes de vocação mundial, como a China, mais precisam do protagonismo da Europa. Em vez de avançar com rumo, a Europa fica à deriva sem leme no meio da tempestade.
Professor universitário

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Outras reacções, mais:

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«Diz-se [PÚBLICO, TR 31 MAI 05]

"A França matou o sonho europeu ou, pelo menos, adiou-o por largos anos."

LUÍS OSÓRIO

A CAPITAL, 30.05.05

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"A vitória do 'não' em França coloca em causa o futuro da UE. Más não é o fim do sonho europeu."

FILIPE RODRIGUES DA SILVA

DIÁRIO DIGITAL, 30.05.05

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"A vitória do'não'em França mostra o défice democrático na elaboração da constituição europeia."

J. BACELAR GOUVEIA

DIÁRIO DE NOTÍClAS, 30.05.05

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"[O 'não' da França ao Tratado Constitucional] vai ter consequências graves em relação ao futuro da UE."

MÁRIO SOARES

TSF, 30.05.05

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"O falhanço francês é também o falhanço da UE."

VITAL MOREIRA

WWW.CAUSA-NOSSA.BLOGSPOT.COM

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"'Esta Europa' já não é a 'Europa francesa'."

JOÃO MARQUES DE ALMEIDA

DIÁRIO ECONÓMICO, 30.05.05

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"Cada vez mais, na velha Europa, seja o que for que esteja em votação (...), o cidadão médio usa o seu voto como arma de contra o Executivo em funções."

OCTÁVIO RIBEIRO

CORBEIO DA MANHÃ, 30.05.05

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"Os referendos, é sabido, levam quase sempre as pessoas a não responder à pergunta posta. Os franceses com o 'não' disseram 'sim' queremos perceber bem no que estamos metidos."

FEBREIRA FERNANDES

IDEM

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" O resultado do referendo em França coloca um ponto final na construção da UE à revelia dos cidadãos."

RUI COSTA PINTO

VISÃO ON-LINE, 30.05.05

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"A estrondosa vitoriado 'não' é um sério aviso aos líderes políticos que julgam ser possível construir a casa europeia à custa do desemprego e da ditadura dos grandes interesses

económicos."

IDEM, IBIDEM

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"Alguém pensa que sem a França, a Holanda e o Reino Unido, pelo menos, é possível haver uma UE assente nesta Constituição?"

PACHECO PEREIRA

WWW.ABRUFTO.BLOCSPOT.COM

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"O verdadeiro problema é que a malaise francesa dá sinais de alastrar. Pode até acontecer que já não haja tratado para referendar quando chegar a vez dos britânicos. E até dos portugueses."

LUÍSA BESSA

JORNAL DE NEGÓCIOS, 30.05.05»

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E outras reacções, ainda, na imprensa de hoje:

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Os bárbaros e a Europa

LUÍS OSÓRIO

A utopia do sonho europeu preconizava que, num dia não muito distante, a maioria dos países afastaria as suas diferenças e chegaria a um compromisso colectivo. Nessa soma de diferenças estaria a força futura de uma Europa enfraquecida, decadente e totalmente incapaz de fazer face à feroz concorrência dos novos tigres asiáticos, das novas ambições imperiais dos Estados Unidos e das novas ameaças surgidas após a queda dos muros.
Essa revolução improvável, ao contrário da maioria das revoluções da história humana, não era obra de agitadores insurrectos e rebeldes, mas do próprio sistema de que é feito o mundo reformista e globalizado. Era obra e graça de um conjunto de homens formados e deformados pela chamada realpolitik, de um conjunto de homens que se dividem entre os puros defensores do mercado livre e os social-democratas. É do compromisso entre essas duas famílias políticas, pais da globalização e da construção europeia, que nasce uma das maiores utopias de que há memória nos tempos. A possibilidade das pessoas poderem esconder a matéria medíocre de que são feitas por dentro, poderem atenuar o seu medo do outro e do exterior, de poderem esconder o seu terrível egoísmo, de poderem esconder tudo isso em nome de um ideal colectivo que as tornaria mais fortes, eficazes, competitivas, mas, também, menos temerosas do outro e do exterior, menos egoístas e mais solidárias. É por isso que o sonho europeu era também uma verdadeira revolução interior, um tumulto que traria às próximas gerações a responsabilidade de poder ver nascer no seu seio um verdadeiro "Homem Novo", não a pervertida criatura que emergiria da revolução leninista, mas uma efectiva mudança gerada pelas necessidades específicas do nosso tempo.
Na primeira fila dos que rejeitaram em França o tratado constitucional, e se preparam para fazer o mesmo na Holanda, estão os que se revêem em posições anti-sistémicas. Os revolucionários, marxistas ou de inspiração fascista, cavalgam o descontentamento popular em relação aos políticos locais e aos burocratas de Bruxelas, fazem-no aliás tendo a noção de que a rejeição do grande, utópico e revolucionário sonho reformista para a Europa, lhes poderá garantir um novo fôlego para o seu futuro político.
A larga maioria dos que rejeitaram a Constituição que, no essencial, é menos liberal do que o tratado de Nice (o que está em vigor) fizeram-no estimulados pelo medo que foi, como sabemos, o detonador de todas as perfídias e ignomínias que o século XX conheceu.
O medo é o aliado mais poderoso dos que querem derrubar o que existe em nome de projectos lunáticos, racistas ou contrários à lógica humana. Um medo que levou ao nascimento, por exemplo, do III Reich. Um medo que ontem vimos ser festejado nas ruas da grande Paris e que amanhã estará também à vista de todos na cosmopolita Amesterdão. Ler O Declínio e Queda do Império Romano, de Gibbons, que nos mostra toda a evolução de Roma, do apogeu imperial até à sua conquista pelos bárbaros, é uma tarefa dolorosa e com um prenúncio de morte. Os bárbaros estão dentro de nós e nem sequer demos por isso.

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Ainda também n’ A CAPITAL, mas desta vez outro colunista:

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Passo atrás

Jacinto Lucas Pires

Os franceses disseram claramente «não» à Constituição Europeia e nestes dias as ondas de choque espalham-se pelo (cada vez mais) Velho Continente. Apesar das declarações de serenidade de Juncker e Barroso, tentando desdramatizar, é óbvio que a situação é muito grave e difícil de resolver. Os processos de ratificação prosseguem e depois... logo se vê – por enquanto, parece ser essa a mensagem. Mas é claro que não se pode virar a cara ou assobiar para o ar.
O «não» francês deve ser dissecado até às últimas razões. Desde logo, porque tem de fazer repensar e mudar muita coisa no modo como a União (não) se dá a conhecer aos cidadãos.
A difícil situação económica, «cartões vermelhos» a Chirac, confusão sobre um suposto carácter «direitista» do texto constitucional (!?), pulsão reprimida por uma qualquer «ruptura radical» (Pascal Perrineau), a «pequenez» dos principais actores políticos, medos vários (nomeadamente a sensação de vazio do «lugar francês» no novo planeta globalizado) – várias razões extra-Europa terão concorrido para este «não». Mas, como alguns notam, isso só se dá porque a ideia-sim da Europa política e desta Constituição não conseguiu valer por si. (Por outro lado, o «não» é apenas isso; não avança com alternativas e é percorrido por discursos contraditórios.)
Essa ideia-sim – a ambição de uma Europa que não é só «espaço» mas verdadeira «casa» e «farol» no mundo – tem de ser comunicada de novas formas, livre de joguinhos políticos e atravessada de uma outra esperança. Ou corre-se o sério risco de um monumental passo atrás.

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Vejam-se, também, estas opiniões “soltas”:

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«A diferença que começa a antever-se, vinte e quatro horas depois do referendo francês, é que a Europa passou a ser também a sua própria plateia. Num continente que sempre cresceu por ter quem o seguisse, o amasse, o odiasse, isto pode ser destrutivo. Sendo palco e plateia em simultâneo, é por isso tão duro receber uma recusa. Um não, imprevisto pela encenação, pode inverter todo o sentido da peça.»
Miguel Romão (A Capital, TR 31 MAI 05)

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«Há um «sonho americano» e houve um «sonho europeu». Um é de Peter Pan. O outro é de um velho rezingão. Os dois viviam num paraíso: havia uma «economia moral», em que quem trabalhasse e não tivesse comportamentos anti-sociais poderia aspirar à segurança no emprego e a um futuro melhor para os seus filhos.»
Fernando Sobral (Jornal de Negócios on line, id)

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«Esse sonho foi dinamitado sem dó nem piedade.»
Id (id, id)

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O «não» francês mostra uma coisa: a Europa que queria modelar o mundo quer, agora, proteger-se dele. Como a América. E é isso que está a levar ao choque frontal entre os que vivem no mundo das oportunidades e os que se sentem cada vez mais afastados delas. O «não» francês é o sinal da busca de velhos valores seguros que foram sendo alterados ao longo de todo o século XX.
Id (id, id)

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E leia-se, ainda, o artigo que António Perez Metelo escreveu, hoje, no Diário de Notícias, onde nos dá conta do debate de ontem à noite no canal francês TV5, logo após o conhecimento da vitória do “não”.
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Intitula-se o artigo: A 'velha Europa' contra-ataca.

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Outro, ainda, é o contributo do colunista do Diário Económico, João Paulo Guerra, no seu artigo de hoje, Non.

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Igualmente na blogolândia há matéria de reflexão sobre este assunto. Assim:

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Europa a menos: o remédio é mais Europa

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NOTAS A DESENVOLVER PARA UM ARGUMENTÁRIO DO “NÃO”

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Tempos difíceis

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Uma opinião

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SOLTAS


«O mundo é reformado todos os dias pela acção avassaladora do capitalismo e não das velhas categorias ideológicas, mas o Estado português permanece imutável na sua caminhada: cresce, duplica-se, complexifica-se.»
Eduardo Dâmaso (Público, TR 31 MAI 05)

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«A questão está no emagrecimento da função pública, mas não só aí. Uma reforma que suba os padrões de eficácia e racionalidade de gastos, é essencial para que o Estado possa ser reabilitado em sectores decisivos da organização social, política e económica.»
Id (id, id)

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«O Estado foi transformado numa espécie de corpo especial para a arrumação da rapaziada dos partidos de poder. O crescimento da função pública nos últimos anos tem muito mais a ver com essa partidarização do que com as necessidades reais do país.»
Id (id, id)

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«A situação chegou a tal ponto que levanta um enorme problema para a esquerda, que está no poder e na oposição.»
Id (id, id)

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«No poder está, digamos assim, uma "esquerda de adaptação", tributária do possibilismo reformista de Blair que tenta introduzir factores de correcção a um sistema que aceita.»
Id (id, id)

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«Na rua estará uma "esquerda de resistência" que recusa radicalmente o liberalismo económico, mais estruturada no combate da recusa do que em projectos alternativos.»
Id (id, id)

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«Ambas têm um grande problema: a que está no poder não pode falhar nas reformas de fundo que retirem o país da vertigem cíclica do défice. Se falhar agora, será afastada do poder por muitos anos. A esquerda da rua como poderá fazer uma defesa genérica do Estado que existe, baseada em convicções ideológicas e abstraindo-se da realidade (…)?»
Id (id, id)

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«[O ódio profundo que o PCP tem pelo Bloco de Esquerda é] em si mesmo inexplicável em termos doutrinários, mas compreensível pelo facto de disputarem espaços eleitorais tangenciais. Em política, por motivos de concorrência, o que se aproxima detesta-se.»
Eduardo Prado Coelho (id, id)

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«Quanto às socialistas: que ideias defendem? Qual a luta que fazem pelas questões da igualdade? Como se movem num partido de tradição misógina? Como reflectem sobre o papel da mulher na sociedade? Tudo questões a que deveriam dar urgente resposta, para justificar uma disputa eleitoral [no próximo fim-de-semana], por mais discreta que surja aos olhos da opinião pública.»
Daniel Sampaio (A Capital, id)

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«Infelizmente, as «mulheres socialistas» têm aparecido de outra forma: ou reclamam quotas em diversos contextos, ou criticam os dirigentes por não lhes darem relevo.»
Id (id, id)

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«A eleição de uma presidente [do Departamento Nacional das Mulheres Socialistas] deverá ser o início de uma nova participação das «mulheres socialistas», numa permanente discussão sobre os problemas das mulheres, não só no PS, mas também em toda a sociedade portuguesa: a verdade é que o combate pela igualdade está entre os mais importantes da sociedade actual.»
Id (id, id)

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«Só a redução da despesa do Estado garantirá que, daqui a anos, não se revelem de novo inúteis os sacrifícios entretanto feitos para controlar o défice.»
Francisco Sarsfield Cabral (Diário de Notícias, id)

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MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA



2005/2015 - Década das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável.
2005 - Ano Internacional do Microcrédito. Ano Internacional da Física (aprovado pela UNESCO)
Dia Mundial do Não-Fumador (Organização Mundial de Saúde)
Dia Nacional da Namíbia.
Dia Nacional da África do Sul.

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Faz hoje 773 anos (1232), que caiu numa SG : é desta data e do papa Gregório IX (178º) a bula de canonização de Santo António (aliás, Fernando de Bulhões), menos de um ano depois de o mesmo ter morrido, em Pádua (13JUN1231), com 36 anos de idade. Reinava em Portugal D. Sancho II (4º).

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Completam-se hoje 536 anos (1469), foi numa QA: D. Manuel I (14º) nasceu em Alcochete. Reinava seu tio D. Afonso V (12º), irmão de seu pai. No Vaticano pontificava Paulo II (211º).

D. Manuel era filho do infante D. Fernando (duque de Viseu, filho do rei D. Duarte e irmão de D. Afonso V) e da infanta D. Beatriz, filha do infante D. João e neta de D. João I. Casou três vezes. A primeira, com D. Isabel de Castela, filha dos reis católicos, viúva do infante D. Afonso, filho do nosso D. João II. D. Isabel morreu de parto, deixando um filho, D. Miguel da Paz, que morreria ainda bebé. Casou em segundas núpcias com uma cunhada, a infanta D. Maria de Castela, irmã da sua primeira mulher, e deste casamento teve 9 filhos: D. João, que lhe sucederia no trono (D. João III); D. Isabel, que viria a ser imperatriz da Alemanha, ao casar com o imperador Carlos V (foram os pais de Filipe II de Espanha); D. Beatriz, que casou com o duque de Sabóia, Carlos III (foram os pais de D. Manuel Felisberto, duque de Sabóia); D. Luís, (n. 1506; m. 1555) cultor das ciências e das Letras, discípulo de Pedro Nunes (D. Luís foi o pai natural de D. António, Prior do Crato); D. Fernando, (nascido em 1507) duque da Guarda, conde de Marialva e de Loulé (e de Trancoso?) morreu em 1534. "Foi tão detestado quanto seu irmão D. Luís foi admirado" (cfr Ditos portugueses... Autor desconhecido; anotado e comentado por José Hermano Saraiva, 57); D. Afonso, (nasceu em 1509) que foi bispo de Évora, Guarda e Viseu, arcebispo de Lisboa e cardeal (esta dignidade conferida por Leão X, em 1513, quando o infante tinha 4 anos (!), mas sob a condição de não poder ser tratado como tal antes de chegar aos 14 anos. Mas recebeu o barrete cardinalício aos 9 anos) (cfr tb, Ditos..., J H Saraiva, 56); D. Henrique, (nasceu 31.01.1512 e morreu a 31.01.1580) que veio a ser rei de 1578 a 1580, e que antes fora arcebispo de Braga, de Évora e de Lisboa; D. Maria, que morreria ainda bebé; D. Duarte, homem erudito, educado por André de Resende, que casou com D. Isabel, filha de D. Jaime, 4º duque de Bragança (D. Duarte foi o pai de D. Catarina, duquesa de Bragança).

O terceiro casamento de D. Manuel foi com a infanta de Espanha, D. Leonor, filha de Filipe I e irmã de Carlos V (que chegara a ser pensada para sua nora, já que primeiro se pretendeu que casasse com o seu filho - futuro D. João III). E deste casamento teve dois filhos: D. Carlos, que viveu apenas um ano, e D. Maria, pessoa de grande cultura. D. Leonor nasceu a 15NOV1498.

De notar que o infante D. Luís nasceu em 1506 e morreu em 1555. Este segundo filho varão de D. Manuel "teve excepcional prestígio, maior que qualquer dos seus irmãos, e D. João III [que só por ter nascido antes - 4 anos - que o irmão, foi rei) procurou sempre mantê-lo na sombra. Vários escritores, entre eles Gil Vicente, D. João de Castro e Pedro Nunes, lhe dedicaram obras" (Ditos... J H Saraiva, 54)

D. João II e D. Manuel eram primos e cunhados: primos, porque ambos netos de D. Duarte (D. Duarte foi o pai de D. Afonso V e de D. Fernando, duque de Viseu - respectivamente pais de D. João II e de D. Manuel); cunhados, porque D. João II casou com D. Leonor, irmã de D. Manuel (portanto, também ela filha do duque de Viseu D. Fernando).

Portanto, D. Manuel era neto de D. Duarte e sobrinho de D. Afonso V. Por outro lado, foi pai de, entre vários outros filhos [de três casamentos], D. João III e D. Henrique (ambos reis).

D. Manuel foi aclamado rei em 27.10.1495 e morreu a 12.12.1521, em Lisboa, sucedendo-lhe seu filho D. João III (15º).

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Completam-se hoje 196 anos (1809), era uma QA: morreu Joseph Haydn, compositor austríaco. Em Portugal decorria a regência de D. João (VI). Pontificava Pio VII (251º).

Não se sabe ao certo se Haydn nasceu a 31.03 se a 01.04 de 1732.

Em 1758 entra ao serviço do conde de Morzin, no seu castelo situado próximo de Pilsen, na Boémia. Ser músico de corte era, nesse tempo, a única saída digna para um músico, sobretudo para um compositor.

Em 1761 é admitido ao serviço do príncipe Esterházy, um dos aristocratas mais ricos da Hungria (cuja família contará com os serviços de Schubert, durante algum tempo).

A partir daí, Haydn foi elevado ao cargo de mestre de capela, o qual conservou até ao fim dos seus dias, ainda que nos últimos cinco anos vivesse em Viena e não estivesse em condições de escrever nem de interpretar música.

Quando morreu, em 1809, era considerado - o que, na realidade, já acontecia desde que começou a exercer o seu cargo de Kappelmeister dos Esterházy - o mais importante compositor da sua época. Uma das primeiras obras que sabemos ter escrito, embora se tenha perdido, é uma obra para teatro com o título Der krummel Teufel (O diabo coxo), escrita entre 1751 e 1753, e o Quarteto n.° l de 1757, assim como as suas duas primeira sinfonias, que datam sensivelmente dessa época. Mas tendo em conta a perfeição técnica que alcança em todas estas obras, não temos dúvidas de que terá escrito outras antes. Por volta de 1760 começa a escrever sinfonias em quatro andamentos - já o fizera antes, mas muito raramente -, nas quais predomina a introdução lenta, como uma espécie de apresentação do andamento rápido; um segundo andamento lento, um terceiro dançante (normalmente um minuete) e, para concluir a obra, outro andamento rápido. Com este tipo de sinfonias tem início a passagem do Barroco ao Clássico. É uma espécie de síntese que apenas o seu génio podia realizar; e, para consegui-lo, é necessário ter a sua capacidade inventiva melódica, o seu sólido conhecimento dos ritmos populares, com que conviveu desde a infância, os corais, a harmonia cada vez mais ousada e o avanço na utilização do contraponto.

Algumas das suas obras são, por exemplo, Sinfonia 102; Sinfonia 104 “Londres”; Quarteto de Cordas “Imperador”; Quarteto de Cordas “A Cotovia” e Quarteto de Cordas “A Caça”.

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Foi há 182 anos (1823), era um SB: revoga-se a Constituição de 1822. Reinava D. João VI (27º). Pontificava Pio VII (26º).

Abolida a Constituição, dá-se a emigração em massa de muitos liberais: Garrett, Silva Carvalho, Ferreira Borges, Luz Soriano e muitos mais.

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Foi à 44 anos (1961), era uma QA: independência da África do Sul fora da Commonwealth, com C. R. Swart como presidente. Em Portugal era PR o Almirante Américo Tomás. Pontificava João XXIII (261º).

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Faz hoje 29 anos (1976), era uma SG: a Indonésia invade e ocupa Timor-Leste. Em Portugal o PR era o general Costa Gomes. Pontificava Paulo VI (262º).

Alguns acontecimentos marcantes na história recente de Timor Lorosae:

16FEV1983: a ONU aprova a resolução que reafirma o direito de autodeterminação e independência de Timor Leste.

12NOV1991: tropas indonésias massacram civis em Timor-Leste, e as imagens filmadas correm mundo.

20NOV1992: o líder da resistência timorense, Xanana Gusmão, é preso em Dili pela polícia de Jacarta (Indonésia).

06.05.1994 em Genebra, Durão Barroso e Ali Alatas (respectivamente por parte de Portugal e da Indonésia) iniciam uma nova ronda de negociações sobre Timor Leste.

13.03.1999 Ana Gomes (primeira Embaixadora portuguesa), então no posto de Jacarta (Indonésia), chega a Dili, sendo a primeira representante do Governo português a visitar Timor Leste (Timor Lorosae) desde 1975.

Afastado Suharto do poder, “o novo presidente da Indonésia, Habibie, inicia uma política de reformas, cedendo mediante a pressão internacional, aceitando acordar com Portugal e com as Nações Unidas a realização de um referendo no território sob a égide desta última organização (acordo de 5 de Maio de 1999).

“O referendo teve lugar a 30 de Agosto desse mesmo ano sob a responsabilidade da UNAMET (United Nations Mission in East Timor). O resultado do referendo (78,5% dos votos foram a favor da independência) desencadeou uma onda de violência sem precedentes por parte das milícias integracionistas, ainda hoje visível; grande parte dos edifícios públicos e das habitações foi destruída. Com o caos instalado, as Nações Unidas decidem constituir uma força internacional para repor a lei e ordem, forçando a paz. A INTERFET (International Force in East Timor) sob comando australiano e com o acordo de Habibie, entra a 20 de Setembro de 1999 em Dili.

A Indonésia revogou a anexação da 27ª Província, Timor Leste, a 19 de Outubro de 1999”.

Xanana Gusmão fora libertado em SET1999.

A independência de Timor aconteceu aos 20MAI2002. Xanana Gusmão é o seu primeiro presidente.

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Faz hoje 14 anos (1991), era uma SX: em Lisboa e após um ano de negociações directas sob mediação portuguesa, assinatura do acordo de paz pelos presidentes do MPLA e da UNITA, que pretende pôr fim a 16 anos de guerra civil. Terminava o 1º mandato presidencial de Mário Soares. Pontificava João Paulo II (264º).

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Foi há 10 anos (1995), era uma QA: Itamar Franco, ex-presidente do Brasil, chega a Lisboa a fim de ocupar o lugar de embaixador do seu país. Estava prestes a terminar o 2º mandato do Dr Mário Soares. Pontificava João Paulo II (264º).

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CONSTRUIR COM PILARES A MENOS?!


“A obra ainda vai acabar embargada”

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Bartoon de Luís Afonso, do Público de hoje: TR 31 MAI 2005

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NOTA:
Com a devida vénia (e autorização) remeto para o Público.
Mais um cartoon com o arguto barman saído da pena do acutilante Luís Afonso.
O BARTOON tem sempre o mesmo endereço informático, embora cada dia com um diferente conteúdo.
Assim, o cartoon só corresponde ao título que o antecede na data desse “post”.
Passado esse dia, tem que se procurar, no próprio BARTOON, a data a que um outro título e “post” respeitem, através da seta da esquerda, nele bem visível, ao lado do calendário.

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segunda-feira, maio 30, 2005

“SÍTIO” DO SIM, DO NÃO E DO TALVEZ / 1


Ontem, no PÚBLICO, podia ler-se:

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A débacle branca

Eduardo Lourenço

A França que certamente votará "não" na noite de 29 de Maio, não vota nada contra a Europa, mas contra si mesma, num "remake" suicidário que só tem paralelo simbólico na "débacle" de 1940.

(…) Esse espúrio gesto revolucionário (…) será apenas uma grave e dramática paralisia do sonho europeu para quem o tem mal sonhado durante os últimos cinquenta anos. Será, sobretudo, uma vitória à Pirro para a mesma França que imagina que o seu "épico" sobressalto lhe poupará a crise de identidade clamorosa e inédita que está vivendo há muito.

OS PRINCIPAIS PONTOS DO TRATADO

O novo tratado constitucional foi adoptado em Junho de 2004 pelos líderes europeus:
- É um tratado constitucional único que substitui todos os anteriores tratados europeus.
- A UE passa a ter personalidade jurídica e a poder subscrever tratados internacionais
- Delimitação de competências entre a UE e os Estados-membros
- Carta de Direitos Fundamentais integrada no novo tratado
- Presidente do Conselho Europeu substituiu as presidências rotativas semestrais com um mandato de dois anos e meio renováveis.
- Ministro Europeu dos Negócios Estrangeiros em substituição do actual Alto representante, preside ao Conselho das Relações Externas em acumulação com as funções de vice-presidente da Comissão
- Nova "cooperação estruturada" no domínio da defesa e criação da Agência Europeia do Armamento, Investigação e Capacidades Militares, sob a autoridade do Conselho.
(PÚBLICO)

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As cinco questões que dominam o voto

Ana Navarro Pedro, Paris / PÚBLICO

Numa campanha apaixonante, os franceses deram pela primeira vez uma dimensão verdadeiramente política à Europa, debruçando-se sobre inúmeros pontos dos 448 artigos do tratado de Constituição. E usando, dentro de cada campo, argumentos diametralmente opostos: o "não" de esquerda nada tem a ver com o "não" da extrema-direita, tal como o "sim" socialista se apoia em leituras diferentes do "sim" da direita. Cinco pontos acabaram por dominar todo o debate - os que hoje determinam o voto.

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A PERGUNTA 1: O tratado constitucional impõe uma política económica liberal ou dá maiores garantias à aplicação de uma política social?

PARA O "SIM"

O texto actual nada acrescenta de liberal aos textos precedentes. Em contrapartida, o tratado constitucional evoca uma "economia social de mercado" que consagra a entrada do projecto social na construção europeia e dá assim um passo decisivo para a Europa social. O avanço no plano social está inscrito na Carta dos Direitos Fundamentais, num compromisso entre as ideias dos liberais e as dos sociais-democratas. O reconhecimento dos direitos sociais engloba objectivos de justiça e de progresso, de pleno emprego, de luta contra as exclusões e a discriminação, a igualdade entre homens e mulheres, a coesão social e territorial, a solidariedade entre gerações e a protecção social. A regra da unanimidade em matéria de política social é uma garantia, porque impede o alinhamento com os países que defendem uma protecção social pela rama.

PARA O "NÃO"


O tratado constitucional aferrolha a Europa na ideologia do liberalismo económico, impedindo um programa político alternativo nos países membros. A expressão "economia social de mercado" é um subterfúgio: a definição de uma "economia altamente competitiva" é completada pela cláusula de uma "concorrência sem entraves" que diminui a capacidade de intervenção social dos poderes públicos nacionais. As referências sociais feitas no tratado não são reforçadas por obrigações jurídicas nesta matéria, privando-as assim de qualquer valor.

OBSERVAÇÃO DOS CONSTITUCIONALISTAS

Há duas leituras possíveis do texto, que de facto consagra a argumentação liberal que inspirou os precedentes tratados da construção europeia, desde 1957. Mas a expressão mais controversa sobre a "economia social de mercado altamente competitiva", não foi nunca citada por inteiro: "...que tende ao pleno emprego e ao progresso social", o que reforça a sua ambição social.

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A PERGUNTA 2: A perenidade dos serviços públicos, uma especificidade da sociedade francesa, está garantida ou ameaçada pelo tratado?

PARA O "SIM"


Pela primeira vez um texto europeu reconhece de forma tão clara a utilidade dos serviços públicos, chamados "serviços de interesse económico geral", para garantirem a coesão social e territorial. Se o tratado especifica que os serviços do sector concorrencial (como os transportes e a energia) devem ser submetidos à concorrência, em contrapartida dá uma base jurídica a uma futura directiva para um estatuto europeu dos serviços públicos - ou de interesse geral. A UE aprova o financiamento destes serviços, mesmo em caso de défice. O tratado recorda que os Estados têm competência para fornecer, executar e financiar os serviços de interesse geral e conservam um direito de veto para as negociações comerciais no que toca aos serviços sociais, a educação, a saúde, a cultura e o audiovisual.


PARA O "NÃO"


A expressão "serviços de interesse económico geral" data do tratado de Amesterdão de 1997, onde eram considerados como um valor, quando no tratado constitucional os serviços públicos são vistos como uma anomalia que deve ser estritamente enquadrada. Para mais, os "serviços de interesse económico geral" devem ser submetidos à livre concorrência. Portanto, não podem receber subsídios que deformem a concorrência. Os Estados estão assim restringidos no seu raio de acção, sob pena de encorajarem um abuso de situação dominante, punível no Tribunal de Justiça Europeu. O tratado impede também a criação de serviços públicos à escala europeia.


OBSERVAÇÃO DOS CONSTITUCIONALISTAS


Os serviços de interesse económico geral, reconhecidos pelo tratado de Amsterdão, estão submetidos à concorrência. Mas a Constituição declara que "não presume do regime de propriedade nos Estados" membros, e que a submissão à concorrência pode ser parada, se esta impede o cumprimento da missão que tenha sido atribuída aos serviços de interesse económico geral.

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A PERGUNTA 3: Há um risco de dumping social e fiscal, nomeadamente para se evitarem as deslocalizações?


PARA O "SIM"



As deslocalizações são um fenómeno mundial, que o tratado não pode impedir. Em 1986, a adesão de Portugal e da Espanha criava receios de deslocalizações de empresas, por causa dos seus fracos custos de produção (salários e impostos mais baixos). Ora foram estes países que se içaram ao nível do resto da Europa, e não o contrário. A UE abstém-se de qualquer interferência na determinação dos salários, dos serviços sociais e do nível de impostos nos Estados membros. A França pode assim manter o seu modelo de Estado-providência.

PARA O "NÃO"


O texto evoca apenas um nível de protecção social "adequado" para cada Estado. Nada impede os Estados de se lançarem numa corrida à descida de impostos para atraírem investimentos e empresas, em detrimento dos outros membros da UE (na Estónia, as empresas beneficiam de zero por cento de imposto). Por quanto tempo poderão estes resistir antes de seguirem a mesma via? O tratado vai obrigar os países com um modelo social mais desenvolvido a porem em causa o seu equilíbrio económico e social.


OBSERVAÇÃO DOS CONSTITUCIONALISTAS

O tratado não impede nem favorece as deslocalizações. A concorrência fiscal é favorecida pelo texto, mas não foi encontrado um nível de harmonização fiscal desejável: demasiado elevado, prejudica as empresas dos países de Leste, mas num ponto médio para os 25, baixa os subsídios e as pensões de reforma pagos em França. Paris e Berlim denunciam o dumping social na Europa, mas os países escandinavos não dizem nada e mantêm uma fiscalidade pesada para financiarem os seus Estados-providência muito generosos.

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A PERGUNTA 4: Uma revisão do tratado de Constituição é impossível, congelando assim a Europa num modelo sem esperanças de evolução?

PARA O "SIM"


Uma revisão do tratado exige a regra da unanimidade, como todos os tratados internacionais; e, como os precedentes tratados europeus, será modificado e melhorado. O texto é flexível e pragmático, vocacionado para evoluir segundo o grau de maturidade da Europa. Se ele é mais favorável ao liberalismo, traduzindo assim as relações de força actuais na UE, contém no entanto referências sociais suficientes para fazer evoluir o texto caso essa relação de força mude. O Parlamento tem assim a iniciativa de apresentar emendas eventuais, a serem examinadas pela Comissão e pelo Conselho. Uma petição com um milhão de assinaturas de cidadãos europeus pode pedir a adopção de novas leis europeias que o Conselho e a Comissão dificilmente poderão ignorar.

PARA O "NÃO"


A revisão constitucional é quase impossível porque o processo adoptado é anormalmente complexo e pesado. A cada etapa corresponde uma possibilidade de bloqueio, agravada pela lógica de confronto entre poderes (Parlamento, Comissão, Conselho, Convenção e Estados), que provoca o imobilismo. A regra da unanimidade a 25 torna impossível qualquer avanço, porque é ilusório pensar que não haverá um estado para bloquear uma revisão. O tratado ficará assim gravado na rocha como irreversível. Os processos de emendas e de petição são falsas esperança, porque não são vinculativos. A consequência será uma grave crise da Europa.


OBSERVAÇÃO DOS CONSTITUCIONALISTAS


O processo de revisão previsto é muito pesado, com a convocação de uma Convenção (idêntica à que se reuniu para preparar o tratado de Constituição) se o Parlamento europeu, a Comissão ou o governo de um Estado membro tomar essa iniciativa. A proposta será examinada pelo Conselho europeu segundo a regra da maioria simples. Numa segunda fase, a recomendação da Convenção (decidida por consenso) seria submetida à decisão unânime de uma Conferência Intergovernamental e por fim dos Estados membros. Num processo simplificado, o Conselho poderia dispensar a etapa da Convenção.

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A PERGUNTA 5: A rejeição do tratado Constitucional provocaria uma crise na Europa, ou há um plano B?

PARA O "SIM"


Se o tratado não for ratificado, a dinâmica europeia fica quebrada e o país que disser "não" fica isolado e enfraquecido na UE. Não há nenhum plano B, ou seja, nenhuma alternativa, porque o tratado resulta do compromisso possível entre 25 Estados e de duas sensibilidades políticas dentro de cada Estado. A Europa conhecerá uma grave crise económica.


PARA O "NÃO"


O próprio tratado prevê um procedimento em caso de rejeição do texto por um certo número de países. Não há crise porque o tratado de Nice fica em vigor. O tratado constitucional não está à altura do que deve ser a ambição a Europa, por isso deve ser rejeitado para ser substituído por um texto melhor (a extrema-direita, por seu lado, quer a saída da França da UE e do euro).

OBSERVAÇÃO DOS CONSTITUCIONALISTAS


Juridicamente, o tratado fica condenado se um só país rejeitar a Constituição. O tratado de Nice continua em vigor. Politicamente, o precedente do tratado de Maastricht na Dinamarca convida a uma maior prudência. Os dinamarqueses rejeitaram o tratado, os outros países prosseguiram o processo de ratificação e, no fim, a Dinamarca voltou a votar, depois de pequenas modificações, e aprovou o texto.

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“SÍTIO” DO SIM, DO NÃO E DO TALVEZ / 2


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Folheando a imprensa de hoje…

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UE recusa abandonar ou renegociar Constituição

Os argumentos dos opositores franceses são de tal forma contraditórios entre os que defendem mais Europa e os que consideram que a integração europeia já foi longe demais que "é impossível renegociar o Tratado nestas condições", declarou ontem
a presidência da União Europeia. E garantiu que o "Tratado não está morto".
Por Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas (PÚBLICO)

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"Não" provoca tempestade política em França

Mais de 55 por cento dos franceses disseram "não" ao tratado constitucional europeu. A situação económica e social motivou 62 por cento deste voto, o texto da Constituição 40 por cento, e a contestação ao governo francês apenas 24 por cento. Chirac diz que vai ser mais difícil defender os interesses da França na Europa. Ana Navarro Pedro, Paris (PÚBLICO)

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"Parar tudo" é "precipitado", diz Freitas

O "não" francês "é um problema sério, que obriga a reflexão", mas não pode paralisar os outros Estados da União Europeia, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas do Amaral, ontem à noite.
E.L./M.J.O. (PÚBLICO)

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Na Holanda debate-se tudo menos o Tratado

Maria João Guimarães/ (PÚBLICO)

A subida dos preços, a imigração, o descontentamento com
o Governo, tudo são razões para que o "não" continue à frente nas sondagens

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REACÇÕES

"Estamos desiludidos, mas o processo de ratificação continua e este resultado em França dá mais uma razão aos holandeses para votarem "sim". Os holandeses não devem receber lições dos franceses, devem sim fazer a sua prórpia escolha."
Jan Peter Balkenende
primeiro-ministro holandês

"Este resultado levanta questões profundas para todos nós sobre a direcção futura da Europa. Aquilo que nós queremos agora é um período de reflexão. (...) A decisão sobre o futuro da constituição deve ser a do Conselho europeu, dos 25 Estados membros, e não de um único Estado membro."
Jack Straw
Ministro britânico dos Negócios Estrangeiros

"O resultado do referendo é um golpe para o processo constitucional mas não representa o seu fim. Também não representa o fim da parceria franco-alemã na Europa e para a Europa."
Gerhard Schroeder
chanceler alemão

"O não francês é lamentável e e coloca a Europa perante grandes desafios"
Joschka Fischer
ministro alemão dos Negócios Estrangeiros

"Este resultado não é uma boa notícia mas não é uma catástrofe. O processo [de ratificações] deve continuar. O tratado já foi aprovado por nove países, incluindo Alemanha, Espanha e Itália e deve por isso ser submetido ao voto dos outros países da União."
Rodriguez Zapatero
primeiro-ministro espanhol

"[O resultado do referendo francês] não tem nada que ver com a Turquia. O início das negociações não será afectado"
Abdullah Gul
ministro turco dos negócios estrangeiros

"Não devemos ler o "não" francês como um "não" à Europa. Não é a ultima palavra sobre a Constituição europeia"
Poul Nyrup Rasmussen
Presidente do Partido Socialista europeu


(PÚBLICO)

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Depois do terramoto anunciado

José Manuel Fernandes / PÚBLICO

Impõe-se parar para pensar e ter a coragem de encontrar um caminho explicando-o aos eleitorados.

(…) o que se passou em França mostra que existe um divórcio entre as elites e os eleitorados que, se não for tida em conta, pode conduzir a Europa como um todo à implosão. (…)

Neste momento de iniludível crise a Europa terá de continuar a trabalhar com base no medíocre Tratado de Nice e esperar que os seus líderes não só encontrem um novo consenso como, sobretudo, tenham a coragem de enfrentar as opiniões públicas e de lhes explicar as escolhas difíceis.

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Os novos pobres

Luís Salgado Matos / PÚBLICO

(…) A França está partida entre uma elite que quer o aprofundamento da União Europeia e uma massa que o recusa. Para a elite, uma Europa mais unida vencerá a globalização. Para a massa, a Europa ameaça-lhe o emprego e o Estado-nação garante-lho. (…)

A elite tem agora que consultar a massa - que hoje segue os seus dirigentes menos do que ontem porque vê o célebre Modelo Social Europeu a desfazer-se sob as marteladas globalizadoras.
É a globalização que acentua aquela cisão entre a elite e a massa. A globalização é o aumento do comércio livre. É um novo passo na infindável revolução burguesa.
Se gera novos ricos, faz nascer novos pobres. É a eles que por certo se refere D. José Policarpo quando no sermão do Corpo de Deus salientou as "condições sociais aviltantes e a pobreza envergonhada" existentes em Lisboa. E na Europa, acrescentemos.
Esta miséria material é envolta numa miséria moral bem mais terrível. A Europa tem medo. Medo dos imigrantes, do desemprego, do crime, do vizinho, do futuro.

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FRANCESES MATAM O SONHO EUROPEU

MAGALHÃES AFONSO / A CAPITAL


A maioria dos franceses, com uma taxa de abstenção muito reduzida, escolheu rejeitar a Constituição europeia, e, desse modo, lançou uma enorme indefinição sobre o futuro comum do Velho Continente. A França, abalada por um enorme descontentamento social, mostrou ter medo dos estrangeiros, do mercado, da América, dos burocratas de Bruxelas e da perda de soberania. Nos corredores do poder de toda a Europa discute-se o que fazer a seguir.

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ORGULHOSAMENTE SÓS E PATÉTICOS

EDITORIAL n. a. / A CAPITAL

A maioria dos franceses, com uma taxa de abstenção muito reduzida, escolheu rejeitar a Constituição europeia e, desse modo, lançou uma enorme indefinição sobre o futuro comum do velho continente.
O forte descontentamento social, a desconfiança em relação aos políticos, uma detestável e crescente xenofobia, a arrogância nacionalista dos sectores mais extremistas do quadro partidário (à direita e à esquerda), a pouca vontade de pagar as contas dos novos países aderentes e o medo da perda de soberania, o medo da perda de regalias dos corporativos sectores agrícolas e industriais, o medo do liberalismo, o medo da América e do seu aliado Durão Barroso, o medo das deslocalizações e o medo da própria sombra, foram alguns dos motivos que levaram a maioria dos franceses a escolher dizer «não».
A França matou o sonho europeu ou, pelo menos, adiou--o por largos anos.

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Uma pausa na Europa?

Miguel Romão / A CAPITAL

Pegar na História com as mãos e tentar moldá-la exactamente ao gosto de uma época pode ser mais difícil do que poderia parecer à primeira vista.

(…) a construção de um novo espaço político, que recria conceitos velhos de séculos e inventa emoções solidárias entre velhos desconhecidos e velhos inimigos, continua a ser uma exigência séria, do mesmo modo que o foi no final dos anos 40. Sem ódios internos para remir, mas com o imperativo agora de acompanhar o aumento significativo de escala do próprio Mundo, em que as nações europeias, solitárias, sem impérios coloniais e sem exércitos, nada seriam.

Ironicamente, as tentativas da União para acelerar artificialmente a História fazem-se precisamente para proteger essa mesma História. Alongando-se excessivamente a pausa, perder-se-á vontade.

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Os franceses têm razão

João Morgado Fernandes / Diário de Notícias

O "não" francês resulta de uma amálgama de posições, que percorrem todo o leque partidário e em que as motivações internas se sobreporão às razões europeias.

O "não" terá sido um protesto pela incapacidade dos políticos franceses face aos enormes problemas - e até a uma certa decadência, é verdade - que assolam a França. Mas será meter a cabeça na areia ignorar que também está em causa a falta de elã e de respostas do "projecto europeu".

Para sair desta terrível crise, Bruxelas vai ter de fazer muito mais que reafirmar a sua fé no "projecto europeu" plasmado numa Constituição que ontem ficou moribunda.

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Irredutíveis gauleses

Luísa Bessa / Jornal de Negócios on line

A crescente adesão dos franceses à rejeição do tratado, contra a corrente dos grandes partidos de poder, já foi multiplamente glosada. Voto de contestação ao governo, ao mau estado da economia e ao crescimento do desemprego. Voto de protesto contra o «ultra-liberalismo» que em sua opinião sopra de Bruxelas (e para o qual nosso compatriota Barroso também contribuiu) e à globalização que põem em questão os «direitos adquiridos» do Estado social. Uma espécie de cartão amarelo à Europa pela sua incapacidade em proteger os seus.

A União Europeia não acaba com o fim do Tratado, por muito que isso custe a quem defende as suas vantagens. Mas abre caminho a tempos necessariamente difíceis e nos quais nada pode ser dado como garantido. Tentando ser optimista pode ser o tempo para reinventar a Europa. Qualquer que ela seja.

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