terça-feira, abril 12, 2005

NINO VIEIRA OU O OUSADO FORAGIDO À JUSTIÇA


É de facto muito grave o que acaba de se passar na Guiné-Bissau.

Nino Vieira, qual Bocassa dos tempos que correm, “foragido à justiça do seu próprio país, meteu-se há dias numa aeronave militar, rodeado de tropas estrangeiras, não pediu licença para sobrevoar o espaço aéreo guineense e aterrou onde quis”, no seu pátrio território.

Kumba Ialá, que tivera a ousadia de - antes do levantamento militar que, em 1998, levou Nino Vieira a abandonar o seu país, protegido por tropas portuguesas - o denunciar de corrupto e assassino – “quando isso era praticamente impossível na Guiné sem pagar um preço elevadíssimo – recebe-o agora de braços abertos, numa confraternização degradante e chocante.

Como foi possível que Portugal conferisse o estatuto de exilado político a um tão execrável indivíduo e político?

Como é possível manter esse estatuto a tão hedionda criatura?

Que lobby poderoso, que convergência de forças e interesses tornam possível que Portugal e a comunidade internacional acolham e protejam um déspota deste jaez?

Como pode o governo português – se é conhecedor da ocorrência, como se presume que seja – silenciar este acontecimento?

Acerca do assunto, veja, antes de mais, o editorial do subdirector do Público, Eduardo Dâmaso – um jornalista sereno mas contundente – na edição de hoje que, por não estar acessível electronicamente, se transcreve na íntegra. Depois

Uma nota sobre uma declaração do primeiro-ministro da Guiné-Bissau e líder do PAIGC, Carlos Gomes Júnior.

Veja-se, pois, primeiro o editorial:

« A nova tragédia guineense

O Governo legítimo da Guiné-Bissau não foi tido nem achado neste regresso meteórico de Nino Vieira

O ex-Presidente da Guiné-Bissau Nino Vieira, que abandonou o território guineense em 1998, protegido por tropas portuguesas, na sequência de um levantamento militar contra si, conseguiu um feito notável para um foragido à justiça do seu próprio país: meteu-se há dias numa aeronave militar, rodeado de tropas estrangeiras, não pediu licença para sobrevoar o espaço aéreo guineense e aterrou onde quis. Foi fotografado em amena cavaqueira com Kumba Ialá, o homem que teve a ousadia de lhe chamar assassino e corrupto muito antes de 1998, quando isso era praticamente impossível na Guiné sem pagar um preço elevadíssimo. Nino Vieira conseguiu fazer tudo isto sem ser preso ou sequer incomodado por algum episódio mais desagradável.
A indecorosa festa que Kumba e Nino fizeram um ao outro não podia ser mais representativa da nova tragédia que se avizinha para a Guiné-Bissau, traduzida na aparente reconciliação de dois déspotas que parecem ter acordado entre si a divisão do país em zonas de influência para cada um, numa altura em que têm inimigos comuns. Só esse combate lhes interessa, porque o país e o povo há muito deixaram de ser prioridades para estes dois.
O Governo legítimo da Guiné-Bissau não foi tido nem achado neste regresso meteórico de Nino Vieira, mas suspeita-se que tal só terá sido possível com a conivência das mesmas estruturas militares que o desalojaram à força do poder. Mais: tal viagem só terá sido possível com o conhecimento do Governo português, responsável pela concessão do estatuto de exilado político que Nino Vieira tem em Portugal. A confirmar-se que o Governo de José Sócrates teve conhecimento desta viagem desestabilizadora do processo democrático da Guiné-Bissau, que sentido faz manter o estatuto de exilado político a este senhor? Este será daqueles silêncios que vão queimar no futuro próximo, caso o Governo socialista não produza esclarecimentos sobre o episódio.
Nino Vieira não só tem de responder na justiça do seu país num processo por suspeitas de tráfico de armas, que esteve na origem do levantamento militar de 7 de Junho de 1998 e que conduziu à sua deposição, como certamente terá de esclarecer como é que permitiu a entrada de militares estrangeiros no país, pelas mortes de pessoas nesse conflito, e pela perda de bens de muitos guineenses. Isto para não recuar muito no tempo, porque se fossem abertas as feridas do passado, sobretudo as dos anos de repressão da segunda metade da década de 80, marcados por mortes bárbaras, entre as quais as de Paulo Correia e Viriato Pã, respectivamente, primeiro-ministro e procurador-geral da República, então Nino Vieira teria muito para contar. Quem se deve lembrar bem destes tempos é Mário Soares, Presidente da República à época dos factos, que se envolveu numa campanha internacional por um gesto de clemência em relação àqueles dois prisioneiros políticos mas não foi escutado. Ninguém era escutado em Bissau nesses tempos de barbárie em que o poder era a mais implacável e mortal das armas ao serviço de Nino Vieira. E é também com isso que o Estado português está a ser cúmplice. Eduardo Dâmaso»

De seguida a referida nota sobre a declaração de Carlos Gomes Júnior:

"Alertámos Portugal" para o "foco de instabilidade"

Depois de uma passagem por Dacar, no Senegal, o secretário de Estado português dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, João Gomes Cravinho, é hoje esperado em Bissau para contactos políticos. Carlos Gomes Júnior escusa-se a dizer o que espera do Governo de Lisboa, deixando entender que os pedidos feitos até aqui não foram atendidos, como o de tentar desincentivar o ex-Presidente a regressar à Guiné: "Agora veremos o desenrolar dos acontecimentos." Questionado sobre se Portugal devia ou podia ter evitado o regresso de Nino Vieira, o primeiro-ministro guineense diz: "Nós sempre alertámos que ele era um foco de instabilidade e nunca um promotor da paz. Alertámos Portugal e toda a comunidade internacional. Ninguém levou em conta a nossa chamada de atenção."

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