quinta-feira, novembro 29, 2007

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA

O ano 2007 [MMVII] do calendário gregoriano corresponde ao:
. ano 1428/1429 dH do calendário islâmico (Hégira)
. ano 2760 Ab urbe condita (da fundação de Roma)
. ano 4703/4704 do calendário chinês
. ano 5767/5768 do calendário hebraico



DE ACORDO COM A TRADIÇÃO, COM O CALENDÁRIO DA ONU OU COM A AGENDA DA UNESCO:
2001/2010 - Década para Redução Gradual da Malária nos Países em Desenvolvimento, especialmente na África.
2001/2010 - Segunda Década Internacional para a Erradicação do Colonialismo.
2001/2010 - Década Internacional para a Cultura da Paz e não Violência para com as Crianças do Mundo.
2003/2012 - Década da Alfabetização: Educação para Todos.
2005/2014 - Década das Nações Unidas para a Educação do Desenvolvimento Sustentável.
2005/2015 - Década Internacional "Água para a Vida".
2007 Ano Internacional da Heliofísica



D. João (VI)

Foi há 200 anos, no Domingo 29NOV1807: fuga da família real para o Brasil: a esquadra levantou ferro, mas ficou pairando frente à barra até às 7 h do dia seguinte, que foi quando Junot entrou em Lisboa (30NOV1807) - era a 1ª invasão francesa (pela linha do Zêzere até Lisboa).

As invasões francesas vêm na sequência do Tratado de Fontainebleau, firmado em 27OUT1807, por Manuel de Godoy e Napoleão.
Em Portugal a regência do reino estava entregue a D. João VI, que a exercia em nome de sua mãe, D. Maria I (26º), incapacitada por demência.
Em Espanha reinava Fernando VII, da Casa de Bourbon. Frederico Guilherme III era o rei da Prússia. Nos EU decorria o mandato do seu 3º presidente, Thomas Jefferson. Jorge IV era o monarca reinante no Reino Unido. No Vaticano pontificava Pio VII (251º).


«Chovia muito. As ruas começavam a transformar-se num lamaçal. Havia gente desorientada por todo o lado, e um movimento inusitado em direcção a Belém. Há tempo que corriam por Lisboa rumores de que a família real estaria a preparar a partida para o Brasil, mas no dia 26 de Novembro de 1807 já não restavam dúvidas a ninguém - a decisão fora, finalmente, tomada no dia anterior numa reunião do Conselho de Estado. Com as primeiras tropas francesas já em Portugal, a família real e grande parte da nobreza corria a Belém e preparava-se para deixar o país» – Alexandra Prado Coelho, Público, 18NOV207.
«No dia seguinte [SX 27], entre as onze e o meio-dia (Pedreira e Dores Costa seguem a versão de Acúrcio das Neves, que consideram a mais plausível), o príncipe regente é o primeiro membro da família real a chegar ao cais - "não havendo ninguém à sua espera, tal a dificuldade de circulação na cidade, e a deficiência na organização do embarque"» - idem, idem.

As condições de tempo, chuva e vento, não abrandavam, impedindo a partida da frota durante dois dias.


UM PAÍS EM GRAVE CRISE.

UM ZOOM DO DESENLACE BURLESCO


As invasões francesas não foram, apenas, o resultado da sede do despotismo napoleónico e das suas ambições imperialistas. Foram, igualmente, a consequência de pactos internacionais que visavam a partilha e o completo domínio deste pequeno País arruinado e destroçado, governado por inábeis, incompetentes, corruptos, ambiciosos e parasitas. (Imagine-se um bando de abutres à disputa de uma carcaça de animal apodrecido!).
Portugal, durante grande parte dos anos de 1700 e as primeiras décadas do séc XIX era essa carcaça de animal sucumbido pelas suas próprias chagas.
Quando em 1807 Napoleão ordena a ocupação militar de Portugal, a família real, Corte, Clero e altos funcionários... não esqueceram o seu patriotismo... Qual quê? Não: tomaram, antes, uma atitude altamente patriótica: puseram-se a salvo, embarcando em vários navios, no Tejo, rumo ao Brasil com os seus e com o seu.
Levaram tudo o que puderam, que não apenas as suas riquezas, comodidades e luxos. Deram eles mesmos início ao grande saque do espólio nacional, que se seguiria nos próximos anos. Arte, livros (bibliotecas inteiras) e outros tesouros mudaram de ares, foram transportados para o Brasil!

«Não eram, a acreditar na descrição feita por Raul Brandão em El-Rei Junot, cenas dignificantes. "Na véspera do embarque [que aconteceu a 27, sendo depois a partida a 29] remexe-se tudo: as roupas, as jóias, as inutilidades. Na casa de este, de aquelle, do Lavradio, do Angeja, do Cadaval, do Alegrete, há gritos, cólicas, desmaios, uma mixórdia de saque e de grotesco - arcas arrombadas, farrapos, lágrimas, desespero. Aferrolha-se e clama-se: - depressa! Depressa!... - Foge tudo, foge toda a gente de representação e de vergonha: fidalgos, ricos, pregadores, poetas obscenos, a côrte, as damas frágeis e inúteis, as figurinhas d"encanto, e as creadas, as pretas, os anões. O drama é idêntico em todas as casas soberbas: enfardela-se, enfardelam-se de mistura objectos indispensáveis, seringas de clisteres, jóias, quadros, inutilidades, vergonhas e riquezas. Depressa! Depressa!"».
imagem do Publicopormenor do embarque para o Brasil
de Nicolas Louis Albert Delerive
MNC
Aliás, não resisto a trazer para aqui mais um relato da tragicomédia que foi esse embarque de suas majestades e de suas reverências, de tantas "irmandades" e de montes de excelências - todos gente prendada, tudo quanto era pestilência -, relato magistralmente feito por Oliveira Martins, (esse "desenlace burlesco" - como ele próprio escreveu) na sua História de Portugal:

"Três séculos antes, Portugal embarcara, cheio de esperanças e cobiça, para a Índia; em 1807 (Novembro, 29[DM]) embarcava um préstito fúnebre para o Brasil. A onda da invasão varria diante de si o enxame dos parasitas imundos, desembargadores e repentistas, peraltas e sécias, frades e freiras, monsenhores e castrados. Tudo isso a monte, embarcava, ao romper do dia, no cais de Belém. Parecia o levantar de uma feira, e a mobília de uma barraca suja de saltimbancos falidos: porque o príncipe-regente para abarrotar o bolso, com louras peças de ouro, seu enlevo, ficara a dever a todos os credores, deixando a tropa, os empregos, os criados, por pagar.
Desabava tudo a pedaços; e só agora, finalmente, o terramoto começado pela natureza, continuado pelo marquês de Pombal, se tornava um facto consumado. Os cortesãos corriam pela meia-noite as ruas, ofegantes, batendo às lojas, para comprarem o necessário; as mulheres entrouxavam a roupa e os pós, as banhas, o gesso com que caiavam a cara, o carmim com que pintavam os beiços, as perucas e rabichos, os sapatos e fivelas, toda a frandulagem do vestuário. Era um afã, como quando há fogo; e não havia choro nem imprecações: havia apenas uma desordem surda. Embarcavam promiscuamente, no cais, os criados e os monsenhores, as freiras e os desembargadores, alfaias preciosas e móveis toscos sem valor, nem utilidade. Era escuro, nada se via, ninguém se conhecia. Os botes formigavam sobre a onda sombria, carregando, levando, vazando bocados da nação despedaçada, farrapos, estilhas, aparas, que o vento seco do fim dispersara nessa noite calada e negra.
Muita gente, por indolência, recusava ir; outros preferiam o invasor ao Bragança, que fugia miserável e cobardemente: ao herdeiro de reis, que jamais tinham sabido morrer, nem viver. Mais de um regimento desobedeceu aos chefes que o mandavam embarcar; e muitos, vendo a debandada, se dissolveram, deixando as armas, dispersando. Outros embarcavam: chegavam ao portaló dos navios já repletos e voltavam para terra, aborrecidos e enjoados de tanta desordem, de tão grande vergonha.
O príncipe-regente e o infante de Espanha chegaram ao cais na carruagem, sós: ninguém dava por eles; cada qual cuidava de si, e tratava de escapar. Dois soldados da polícia levaram-nos ao colo para o escaler. Depois veio noutro coche a princesa Carlota Joaquina com os filhos. E por fim a rainha, de Queluz, a galope. Parecia que o juízo lhe voltava com a crise. "Mais devagar! gritava ao cocheiro; diria que fugimos!" A sua loucura proferia com juízo brados de desespero, altos gritos de raiva, estorcendo-se, debatendo-se às punhadas, com os olhos vermelhos de sangue, a boca cheia de espuma. O protesto da louca era o único vislumbre de vida. O brio, a força, a dignidade portuguesa acabavam assim nos lábios de uma rainha doida!
Tudo o mais era vergonha calada, passiva inépcia, confessada fraqueza. O príncipe decidira que o embarque se fizesse de noite, por ter a consciência da vergonha da sua fuga; mas a notícia transpirou, e o cais de Belém encheu-se de povo, que apupava os ministros, os desembargadores, toda essa ralé de ineptos figurões de lodo. E - tanto podem as ideias! - chorava ainda pelo príncipe, que nada lho merecia. D. João também soluçava, e tremiam-lhe muito as pernas que o povo de rastos abraçava.
A esquadra recebera 15 000 pessoas, e valores consideráveis, em dinheiro e alfaias. Levantou ferro na manhã de 29 [um Domingo], pairando em frente da barra até o dia seguinte, às 7 horas, que foi quando Junot entrou em Lisboa. Os navios largaram o pano, na volta do mar, e fizeram proa a sudoeste, a caminho do Brasil. Enquanto a esquadra esteve à vista, pairando, os altos da cidade, donde se descobre o mar, apareciam coroados de povo mudo e aflito. As salvas dos navios ingleses que bloqueavam o Tejo troavam lugubremente ao longe. O sol baixava, a esquadra perdia-se no mar, ia-se toda a esperança, ficava um desespero, uma solidão... Soltou-se logo a anarquia da miséria, e na véspera da chegada do Anti-Cristo, Lisboa correu risco de um saque.
Napoleão estava burlado. O príncipe D. João, a bordo com as mãos nos bolsos, sentia-se bem remexendo as peças de ouro: ia contente com a sua esperteza saloia, única espécie de sabedoria aninhada no seu gordo cérebro. Bocejava ainda: mas porque o enjoo começava com os balanços do mar. É o que sucede à história, com os miseráveis balanços do tempo: vem o enjoo incómodo e a necessidade absoluta de vomitar.
(Edição da Guimarães, de Lisboa; 16ª edição, de 1972; pp 516 a 518)

Patético!

E quando se toma consciência disto, uma pessoa até se encolhe de vergonha e cora de raiva!
Mas era assim, tal e qual, essa gente! Eram deste jaez os militantes do Portugal absolutista, intolerante e freirático (ou apostólico).
E já agora (porque vem mesmo a propósito): os governantes desses tempos, eram assim caracterizados, de forma sintética, por esse sociólogo e grande historiador da Idade-Média portuguesa que foi Alexandre Herculano:

"São financeiros e barões, viscondes, condes, marqueses, de fresca e mesmo velha data, comendadores, gran-cruzes, conselheiros: uma turba que grunhe, burburinha, fura, atropelando-se e acotovelando-se na obra de roer um magro osso chamado orçamento e que grita Aqui-del-rei!, quando não pode tomar parte no rega-bofe". (Apud Flausino Torres, "Portugal - uma perspectiva da sua História", edição da Afrontamento, Porto, 1973; p 301)

Mas, mesmo após as invasões, a Corte optou, uma vez mais, "pelo superior interesse nacional" (!?): continuar no Brasil - onde a vida era bem mais agradável.
Mais: em 1815, o Brasil foi declarado reino, não colónia. O Rio era agora a verdadeira capital portuguesa e Portugal um território secundário, governado por um regente. Regência inteiramente rendida ao jugo inglês que, a pretexto de garantir segurança (?), comandando o exército, controlava toda a máquina do Estado.
E enquanto as classes dirigentes do velho Portugal absolutista e freirático (ou, na expressão de Oliveira Martins: o velho Portugal Apostólico), gozavam e esbanjavam à tripa forra, lá longe, em terras de Sta Cruz, aqui sofriam-se vexames de franceses, ingleses e espanhóis... Cá, passavam-se enormes dificuldades...

Ah! Mas enquanto tudo isto acontecia... O vírus da liberdade e da democracia germinava. (Não esqueçamos que a Revolução Francesa acontecera 20, 30 anos antes...).

Foi um século (mais de metade dele) de tremendas lutas políticas e sociais, de confronto permanente dos adeptos dum sistema liberal e dos defensores duma aristocracia musculada, do despotismo iluminado, do absolutismo agonizante.

sexta-feira, novembro 09, 2007

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA


O ano 2007 [MMVII] do calendário gregoriano corresponde ao:
. ano 1428/1429 dH do calendário islâmico (Hégira)
. ano 2760 Ab urbe condita (da fundação de Roma)
. ano 4703/4704 do calendário chinês
. ano 5767/5768 do calendário hebraico




DE ACORDO COM A TRADIÇÃO, COM O CALENDÁRIO DA ONU OU COM A AGENDA DA UNESCO:

2001/2010 - Década para Redução Gradual da Malária nos Países em Desenvolvimento, especialmente na África.
2001/2010 - Segunda Década Internacional para a Erradicação do Colonialismo.
2001/2010 - Década Internacional para a Cultura da Paz e não Violência para com as Crianças do Mundo.
2003/2012 - Década da Alfabetização: Educação para Todos.
2005/2014 - Década das Nações Unidas para a Educação do Desenvolvimento Sustentável.
2005/2015 - Década Internacional "Água para a Vida".
2007 Ano Internacional da Heliofísica

Dia Nacional do Camboja.



imagem Wikipédia
Eugène Delacroix - La liberté guidant le peuple (28JUL1830)







Foi há 208 anos, no SB 09.11.1799: Napoleão Bonaparte conquista o poder, em França, através de um golpe de Estado que ficou conhecido pelo Golpe 18 Brumário (de acordo com o calendário revolucionário, entretanto, adoptado).

O último rei de França, Luís XVI de Bourbon, já havia sido guilhotinado e Maria Antonieta executada. Estava instalada a República. Reinava no Reino Unido Jorge III, avô da rainha Vitória e pentavô de Isabel II. Frederico Guilherme III era o rei da Prússia. Enquanto Francisco II era o imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Em Espanha ocupava o trono Carlos IV, pentavô de Juan Carlos de Bourbon. Em Portugal, ainda era viva D. Maria I (26º), sendo deposta nesse ano, por insanidade mental, e a regência estava entregue a seu filho D. João – futuro D. João VI (27º); e o chefe do governo ("Secretário de Estado") era o Visconde de Balsemão, Luís Pinto de Sousa Coutinho. A Cadeira de Pedro, em Roma, estava vaga: em Agosto desse ano morreu Pio VI (250º), precisamente prisioneiro em França , sendo que só no ano seguinte lhe sucederia Pio VII.

Em bom rigor, a Revolução de 1789 começou dois anos antes.
Em 1787 Luís XVI convocou a Assembleia dos Notáveis (nobreza e clero), pedindo-lhes que resolvessem a crise financeira e pagassem impostos.
“Intolerável ousadia” que lhe sairia bem cara. Perante a recusa dos “notáveis” de qualquer reforma que diminuísse os seus privilégios, o rei ficou impossibilitado de promover as reformas tributárias que urgia levar a cabo. Os notáveis (notáveis, talvez não tanto pela inteligência), indignados com o rei, mas esquecendo que deviam os seus privilégios ao statu quo, pediram colaboração à burguesia para lutar contra o absolutismo do poder real, reclamando, conjuntamente a convocação dos Estados Gerais para deliberar em matéria de reformas.


imagem Wikipédia
Abertura dos Estados Gerais de 1789, em Versalhes,
que não reunia desde 1614!


O rei, envolvido em contradições insanáveis, perdeu o controlo da situação.
Instalara-se o caos económico. O descontentamento generalizou-se e foi-se radicalizando mais e mais.
.

Sem qualquer intuito sexista, e sem pretender atiçar (ou alimentar)
as chamas entre machistas e feministas,
a verdade é que há uma (creio que) secular sentença que diz,
acerca de grandes factos ou acontecimentos ou decisões desajustadas, infelizes e de piores consequências de notáveis figuras públicas:
“cherchez la femme...”
Talvez aqui tivesse cabimento o conselho:
consideram alguns historiadores que muito terá contribuído
(para além de outros e mais pesados factores, como adiante se verá)
para o “terramoto” social que foi a Revolução Francesa,
a perniciosa e insinuante actuação da mulher de Luís XVI de Bourbon,
a rainha Maria Antonieta: frívola como era,
“o rei, imprudentemente, dava-lhe ouvidos sobre assuntos políticos”,
além de a nobreza e o clero lhe devotarem um ódio ostensivo,
até por ela ser da linhagem dos poderosos e invejados Habsburgos (ou Áustrias),
eternos rivais dos Bourbons.

A Assembleia dos Estados Gerais era uma instituição medieval (equivalente às Cortes Gerais) que congregava “as três ordens [antigas] da sociedade: o nobre que luta, o clero que reza e o camponês que trabalha. Afinal, e em síntese “os factos que marcaram o início da Revolução”.
A Assembleia de 1789 com uma nova ordem a constituí-la: a burguesia.

O rei, confrontado com graves dificuldades financeiras, enfrenta a oposição do Parlamento. Remodela o governo. Promete reformas. O Parlamento volta a opor-se-lhe. Substitui ministros.
E o caos crescia cada vez mais.
Por fim, por sugestão de Jacques Necker, que era seu ministro pela segunda vez, convocou a Assembleia dos Estados Gerais, para Maio desse ano de 1789, no Palácio de Versalhes. «Com o objectivo, não declarado, de que “o terceiro estado”» – então, já integrando a burguesia – «pagasse os impostos que a nobreza e o clero se recusavam a pagar».

«Carta de Convocação dos Estados Gerais (1789)

Por ordem do Rei.
Nosso amado e fiel. Temos necessidade do concurso de nossos fiéis súbditos para
nos ajudarem a superar todas as dificuldades em que nos achamos, com relação ao estado de nossas finanças e para estabelecer, segundo os nossos desejos, uma ordem constante e invariável em todas as partes do governo que interessam à felicidade dos nossos súbditos e à prosperidade de nosso reino. Esses grandes motivos Nos determinaram a convocar a assembleia dos Estados de todas as províncias sob nossa obediência, tanto para Nos aconselharem e Nos assistirem em todas as coisas que serão colocadas sob as suas vistas, quanto para fazer-Nos conhecer os desejos e queixas de nossos povos, de maneira que, por mútua confiança e amor recíproco entre o Soberano e seus súbditos, seja achado, o mais rapidamente possível, um remédio eficaz para os males do Estado e que os abusos de toda espécie sejam reformados e prevenidos, através de bons e seguros meios que possam assegurar a felicidade pública e restituir a Nós, particularmente, a calma e a tranquilidade da qual estamos privados há tanto tempo.
Por esses motivos, Nós vos advertimos e notificamos que é de nossa vontade
começar a realização da reunião dos Estados livres e gerais de nosso reino, segunda-feira, 27 de Abril próximo, na nossa cidade de Versalhes, onde exigimos e desejamos que estejam presentes todos os notáveis de cada província, bailiado e senescalia. E por esse efeito, vos ordenamos e mui expressamente vos prescrevemos, que, ao recebimento da presente, passeis a eleger, escolher e nomear... todas as pessoas dignas desse grande testemunho de confiança. E serão os ditos deputados, munidos de instruções e poderes gerais e suficientes para propor, admoestar, avisar e consentir tudo aquilo que pode concernir às necessidades do Estado, à reforma dos abusos, ao estabelecimento de uma ordem fixa e durável em todas as partes da administração, para a prosperidade geral de nosso reino e o bem de todos e cada um dos nossos súbditos, assegurando-lhes que, de nossa parte, encontrarão toda a boa vontade e afeição para manter e fazer executar tudo aquilo que seja decidido entre Nós e os ditos Estados, seja em relação aos impostos que terão consentido, seja para o estabelecimento de uma regra constante em todas as partes da administração e da ordem públicas; prometendo-lhes pedir e ouvir favoravelmente suas opiniões sobre tudo aquilo que possa interessar o bem de nossos povos, e de prover de tal modo sobre as queixas e propostas que terão feito, que o nosso reino, e todo os nossos súbditos em particular, ressintam para sempre os efeitos salutares que eles devem esperar de tal e tão notável assembleia.

Dado em Versalhes, em 24 de Janeiro de 1789.
Assinado: Luís
Secretário: Laurent de Villedeuil»

(Fonte: MATTOSO, Kátia M. de Q. Textos e documentos para o estudo de História Contemporânea. São Paulo: Edusp, 1976, apud site da UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS)

.
.
Recordo que “Revolução Francesa” é o nome dado ao conjunto de acontecimentos que entre 5 de Maio de 1789 (instalação da Assembleia dos Estados Gerais, em Versalhes) e 9 de Novembro de 1799 (Golpe do 18 Brumário) alteraram o quadro político e social da França.

Para expor os seus anseios e as suas queixas, os eleitores de cada uma das três "ordens" redigiram seus "Cadernos de Reclamações" ("Cahiers de Doléances"), de cuja leitura se concluía que o clero, a nobreza e a burguesia reclamavam a liberdade individual e o direito à propriedade, bem como a elaboração de uma constituição que definisse claramente os direitos do rei e os da nação, limitando assim o poder real. Por outro lado, a nobreza e a burguesia queriam, ainda, a liberdade de imprensa. O povo exigia, igualmente, a abolição dos privilégios e dos direi tos feudais, contra os interesses do clero e da nobreza.

Assim:


«CADERNO DE RECLAMAÇÕES DO TERCEIRO ESTADO DA PARÓQUIA DE LONGEY- ELEIÇÃO DE CHATEAUDUN, GENERALIDADE DE ÓRLEANS, BAILIA DO DE BLOIS.
Nós, habitantes da paróquia de Longey abaixo-assinados, tendo nos reunido em virtude das ordens do Rei, na sexta-feira, dia 6 do presente mês de maio de 1789, resolvemos o que segue:
Pedimos que todos os privilégios sejam abolidos.- Declaramos que se alguém merece ter privilégios e gozar de isenções, são estes, sem contradição, os habitantes do campo, pois são os mais Úteis ao Estado, porque por seu trabalho o fazem viver. Que até hoje foram quase os únicos a pagar os exorbitantes impostos de que esta província está carregada; que os campos estão - arruinados e os cultivadores na impossibilidade de poder manter e criar sua família; que à maior parte falta o pão, visto os impostos que os sobrecarregam e as perdas que experimentam todos os anos, seja pela caça, seja por outros flagelos.
Pedimos também que as talhas com as quais a nossa paróquia esta sobrecarregada sejam abolidas; que este imposto que nos oprime, e que só é pago pelos infelizes, seja convertido num só e único imposto ao qual devem ser submetidos todos os eclesiásticos e nobres sem distinção, e que o produto deste imposto seja levado diretamente ao Tesouro. *Pedimos ainda que não haja mais gabela e que o sal se torne comerciável, o que seria um grande benefício para todo o povo e principalmente para nós, habitantes do campo, que pagamos esta mercadoria muito caro e que dela fazemos o maior consumo um imposto que nos e muito oneroso e prejudicial.
(Seguem-se 12 assinaturas.)»

(cit Mattoso, Kátia M. de Q., op. cit. p. 4/5.)

Para a Assembleia dos Estados gerais são eleitos 1171 deputados: 291 do clero, 270 da nobreza e 610 do Terceiro Estado



imagem Wikipédia
Juramento da Péla



Na sequência do Juramento da Péla – como costuma referir-se o juramento do Terceiro Estado na sala do jogo com aquele nome (antecessor do ténis) – em 9 de Julho de 1789, os Estados Gerais autoproclamaram-se Assembleia Nacional Constituinte.

O rei, que já antes a tentara dissolver, decidiu fechar a Assembleia, mas foi impedido do seu intento por uma sublevação na capital, que logo foi reproduzida em todo o país.

Em causa estavam o Antigo Regime (Ancien Régime) e a autoridade do clero e da nobreza.
“Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência Americana (1776). Com ela terminava o Antigo Regime e começava uma nova era: Idade Contemporânea.
Destacando-se no assédio de Toulon, em 1793, Napoleão Bonaparte tornou-se general. Em 1796, Bonaparte esmagou uma insurreição monárquica.”
.
Através da acção do exército, comandado por Napoleão, a burguesia procurou estabelecer no país um governo estável, forte, que eliminasse a possibilidade de participação política da plebe parisiense e de seus líderes "radicais", que representavam uma ameaça directa aos privilégios burgueses.
.
Daí que o famoso golpe tenha sido articulado por sectores da alta burguesia - os girondinos - junto do exército, para pôr fim à instabilidade política reinante no país. Desde 1794, após o derrube de Robespierre, a burguesia havia retomado o controle da revolução, no entanto o novo governo - o Directório - enfrentava sucessivas revoltas internas, organizadas por grupos populares de tendência jacobina, assim como a ameaça externa, sobretudo da Áustria que se esforçava por repor, em França, a velha ordem monárquica.
Essa situação não representava apenas uma ameaça ao poder da burguesia, mas principalmente às suas conquistas sociais e económicas. [Adaptado do site HistoriaNet]
.
Os girondinos eram um grupo político conservador,
chefiado por Jacques-Pierre Brissot (1754-1793) durante a Revolução Francesa.
Este grupo era constituído pela média burguesia
e fazia oposição aos jacobinos,
o grupo mais exaltado da Revolução - liderados por Robespierre.
Os girondinos sentavam-se à direita no recinto da Assembleia,
enquanto os jacobinos ocupavam a esquerda
– uma das razões que costuma invocar-se para explicar
a convencional identificação dos termos direita e esquerda.
[Idem]

(curiosamente, à massa dos politicamente indefinidos chamava-se O Pântano)

.
A Revolução “aboliu a servidão e os direitos feudais na França e proclamou os princípios universais de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" (Liberté, Egalité, Fraternité, palavra de ordem lançada por Jean Nicolas Pache”).

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO: 26/08/1789

ARTIGO 1.

Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais não podem ser fundamentadas senão sobre a utilidade comum.

ARTIGO 2.

A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são: a liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência à opressão.

ARTIGO 3.

O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação; nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.

(...)
ARTIGO 6.

A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou pelos seus representantes, na sua formação. Ela tem que ser a mesma para todos, quer seja protegendo, quer seja punindo. Todos os cidadãos, sendo iguais aos seus olhos, são igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a capacidade deles e sem outra distinção do que a de suas virtudes e talentos.

(...)
ARTIGO 11.

A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo pelo abuso dessa liberdade nos casos determinados pela lei.
.


Aliás, compreenda-se «o drama que afectou os aristocratas nos séculos XVIII e XIX, (...) que Hannah Arendt, recuperando algumas das conclusões de Tocqueville, descreve em As Origens do Totalitarismo: "Enquanto os nobres dispunham de vastos poderes, eram não apenas tolerados mas respeitados. Ao perderem os seus privilégios, e entre eles o privilégio de explorar e oprimir, o povo descobriu que eles eram parasitas sem qualquer função real na condução do país. Por outras palavras, nem a opressão nem a exploração em si constituem a causa principal do ressentimento; mas a riqueza sem função palpável é muito intolerável, porque ninguém pode compreender - e consequentemente aceitar - por que deverá ser tolerada."» [Apud Helena Matos, Público, SB 04.11.06]
.
Chega, então, o dia 9 de Novembro de 1799 (18 do mês Brumário no calendário revolucionário), e o corso Andreas Capellanus (Napoleão Bonaparte) derrubou o directório e, ao assumir o governo Francês, assumiu, igualmente, o comando da França revolucionária. Bonaparte, centralizando cada vez mais o poder, governou a França durante cerca de 15 anos.
.
Em conclusão: “O 18 Brumário foi o golpe que iniciou a ditadura napoleónica na França. Os admiradores de Napoleão criaram um jornal em Paris que divulgava a imagem de um general patriota, invencível e adorado por seus soldados. Nacionalismo, glórias militares, ideal de igualdade: essas ideias fascinavam os franceses. A burguesia e os políticos astutos do Directório perceberam que o general Bonaparte era o homem certo para consolidar o novo regime. Propuseram a ele que utilizasse a força do exército para assumir o governo. Assim foi feito. Numa acção eficaz, apesar de tumultuada, Napoleão fechou a Assembleia do Directório. Foi o golpe do 18 Brumário de 1799. Durante essa época, a burguesia consolidaria seu poder económico.”
[Wikipédia, a enciclopédia livre]
.
“Como se pode notar, o 18 de Brumário se resume em um golpe de Estado bonapartista, o qual significou o fim da Revolução Francesa e segundo Karl Marx, representou o início da fase de consolidação das conquistas burguesas” [Ana Kelly Souto, no site “Geocities”].

















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