quarta-feira, maio 25, 2005

“SÍTIO” DO SIM, DO NÃO E DO TALVEZ


No seu editorial de hoje, no Público, José Manuel Fernandes não debate, apenas, o nosso gravoso défice. Não. Relaciona-o, antes com um outro mal europeu que cada vez mais se manifesta. Ou então, que cada vez mais se evidencia.

Ora, porque o dito editorial se prende, também, com a matéria relativa ao Tratado da Constituição Europeia, por isso o trago para este “sítio”.

E tenho de o transcrever, dado que, de acordo com a sua mais recente política, o conteúdo dos artigos daquele jornal só estão disponíveis para assinantes.

Veja-se, pois, o EDITORIAL

«SALVAR O FUTURO

Do nosso défice ao "não" no referendo francês, é o mesmo mal europeu que se manifesta: medo do futuro

Há um ano, em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença, Ernâni Lopes defendia que "o modelo social europeu ou muda, ou desaparece". Mais que qualquer atitude suicidária do tipo "eu não quero que mude, portanto não muda porque eu não gosto", verdadeiro "limite do conservadorismo", para "preservar tudo o que for possível do modelo social europeu, então temos de o adaptar".
Vale a pena recordar estas palavras na semana em que Portugal se debate com a perspectiva de um défice recorde, que a França e a Holanda se preparam para rejeitar o tratado constitucional europeu e o discurso do SPD alemão adopta uma deriva anticapitalista, no quadro de mais uma derrota numa importante eleição regional.
Há toda uma nebulosa de argumentos que estão a ser utilizados nas campanhas eleitorais francesa e holandesa para rejeitar a Constituição europeia, que, mesmo contraditória em muitos dos seus pressupostos, tem uma base comum: o medo. Medo de um mundo e de uma Europa diferentes daqueles que conhecemos, e construímos, e que serão menos confortáveis, menos seguros, menos previsíveis, mas que mesmo assim serão, a uma escala global, melhores.
Os ataques ao Tratado Constitucional não têm que ver com a sua substância, mas com a percepção de que teremos de abdicar de alguns dos adquiridos da sociedade bem-estar. Nada de substancialmente grave, se recordarmos como vivíamos há apenas dez ou quinze anos, aqui ou em Paris ou Amesterdão, mas mesmo assim algo de perturbante. Teremos empregos menos seguros; mais horas de trabalho; mais imigrantes nem sempre fáceis de integrar; reformas mais baixas. E percebemos que amanhã não iremos eternamente poder consumir mais do que hoje.
Não podemos viver sem estas mudanças. Não podemos viver com tanta gente a depender do Estado em Portugal e a ser tão bem paga por trabalhar na função pública. Não podemos abdicar dos imigrantes, se mantivermos taxas de natalidade que nem asseguram a manutenção da população. Não podemos querer trabalhar cada vez menos anos, quando vivemos cada vez até mais tarde. Não podemos exigir que subsidiem a nossa agricultura ou protejam as nossas indústrias, quando fazê-lo impede que outros, muito mais pobres do que nós, escapem à miséria.
Mas podemos adaptar os sistemas de protecção social, podemos aumentar os níveis de exigência no trabalho e em todos os aspectos da vida, podemos aceitar sistemas que nos corresponsabilizem nas despesas com a saúde ou a educação, podemos adoptar normas mais liberais - logo mais competitivas - no funcionamento da economia, e podemos fazer tudo isso sem perdermos o essencial.
Para o fazermos, é indispensável coragem política e falar verdade aos cidadãos. Foi isso que não fizeram os políticos franceses mais responsáveis, deixando campo aberto aos extremistas. É o contrário disso que estão a fazer os sociais-democratas alemães, imaginando que uma retórica anticapitalista os salva da incapacidade de reformarem a economia de forma a torná-la mais competitiva. E é na tentação de seguirem pelo caminho mais fácil de atirarem com as culpas para cima dos adversários políticos que os partidos portugueses estão a cair.
Salvar a Europa como a conhecemos exige reformas, como dizia Ernâni Lopes. Estas são duras, mas, se não as realizarmos, enterrando a cabeça na areia, estaremos condenados a um futuro pior, para onde nos arrastará a decadência económica e a perda de influência no concerto das nações. Os políticos europeus não podem esperar milagres: têm de operá-los começando por realizar a correcta pedagogia.
Para já parece estar a vencer a demagogia - ou a omissão cobarde e paralisante.»

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