sábado, maio 21, 2005

DE NOVO O TRATADO DA CONSTITUIÇÃO EUROPEIA


Finalmente, alguém se explica (pode já ter acontecido antes, sem que eu me tenha dado conta).

Ainda, desta vez, pelo NÃO.

É um artigo do Prof Paulo Pita e Cunha, no Público de hoje. Artigo para o qual já não é possível remeter, no novo processo implementado por este diário.

Mas de que respigarei alguns passos mais importantes (penso que objectivamente e não apenas no meu critério pessoal).

Frontalmente o autor diz: «Discordamos da proposta Constituição europeia por três ordens de razões.»

E explana-as de seguida:

«Em primeiro lugar, uma Constituição é, em rigor, a lei fundamental de um Estado. Ora, a União Europeia não é um Estado. É uma associação de Estados com características especiais, em que se combinam, em doses variadas, poderes transferidos para órgãos centrais (supranacionalidade) e poderes correspondentes à autonomia soberana dos Estados.
Não se justifica, assim, a forma de Constituição, devendo a União continuar a ser regulada por um ou mais tratados internacionais celebrados entre Estados soberanos, e não por uma pseudoconstituição, não dimanada de um poder constituinte - poder que teria de ser radicado num (inexistente) povo europeu.
»

E mais abaixo explica melhor este primeiro ponto:

«Estes elementos [“a introdução de figuras e dispositivos decalcados do sistema e da orgânica do Estado”] traduzem o deslizar para a fórmula do Superestado (a federação europeia), que, no limite, levaria ao abafamento dos Estados e à apropriação da subjectividade externa pelos órgãos centrais de uma federação, sendo os actuais membros rebaixados à categoria de entes provinciais no contexto de uma estrutura federal.»

E o esclarecimento continua:

«Em segundo lugar, sendo certo que com os elementos federais se combinam, na Constituição europeia, elementos intergovernamentais, a verdade é que os últimos traduzem a crescente supremacia dos grandes Estados da União. É o caso do sistema de votação no Conselho, onde a maioria qualificada passa a formar-se com base no puro factor populacional. Ora, deveriam manter-se ponderações para os diferentes Estados-membros, numa linha em que a influência dos Estados pequenos e médios tendesse a aproximar-se da dos grandes. Estes já têm, no Parlamento Europeu, sede própria para a afirmação da sua superioridade demográfica.»

Por fim:

«Em terceiro lugar, a proposta Constituição em nada contribui para corrigir as insuficiências do presente regime da união económica e monetária. Faltam por completo ingredientes de solidariedade financeira entre os membros da União; nem sequer se sugere a revisão das regras, absurdamente rígidas, do Pacto de Estabilidade e Crescimento.»

Perante tudo isto conclui:

«Bem vistas as coisas, a Constituição não faz falta. Estando em causa fundamentalmente ajustar o funcionamento das instituições da União à Europa de 25 países, e adicionalmente tornar mais transparentes e legíveis os diplomas de base, não seria preciso, para tal, aprovar uma "Constituição". Bastaria ajustar os tratados existentes (e, quando muito, unificar num único diploma matérias actualmente dispersas). Ora, o Tratado de Nice, em vigor desde 2003, foi celebrado precisamente para realizar a adaptação institucional à nova realidade dos 25 Estados-membros.
Os elementos positivos da proposta Constituição estão longe de bastar para compensar as suas gritantes desvantagens e, de qualquer modo, podem sempre ser integrados num texto alternativo
»

E o próprio autor sintetisa o seu texto:

«É pelo triplo imperativo da conservação de identidade dos Estados-nações no contexto da integração europeia, da prossecução da igualdade fundamental dos Estados-membros e da afirmação da solidariedade financeira na construção europeia que concluímos que a proposta "Constituição" europeia não serve ao país.»

E aduz, então, o fundamento para o referendo:

«Em face desta uniformidade das posições das maiores forças políticas [os dois principais partidos portugueses convergem nas posições "europeístas" que se arrogam], importa proporcionar aos eleitores, em consulta referendária, o ensejo de exprimirem livremente a sua preferência.»

Mas, porque há europeítas e eurocépticos, convirá esclarecer melhor. A posição tomada não é anti-europeísta. Como não pode ser considerada eurocéptica.

Vejamos, pois, como conclui o Prof Pita e Cunha a sua tese, atento esse dilema:

«A nossa posição no sentido da não aprovação do tratado constitucional de modo algum significa que estejamos a rejeitar a Europa, como o farão os saudosistas da plena soberania dos Estados e os enfáticos defensores do nacionalismo. Ao invés dos eurocépticos, não estamos a repudiar a União Europeia e as suas actuais realizações, em larga medida de sinal claramente positivo. Estamos somente a rejeitar uma específica forma de remodelar o sistema e o funcionamento da União, a qual nos parece inadequada por traduzir um excesso de integração artificialmente insuflado e também por diminuir a posição de Portugal no conjunto europeu.
Este afastamento em relação à fórmula agora preconizada, que obteve a assinatura dos Governos, não nos torna menos europeístas. Aquilo a que nos opomos é à visão federal da Europa, que relega os países portadores de uma história multissecular à condição de unidades provinciais dentro de uma federação - federação que, para mais, não encontra hoje ambiente para ser instituída e para funcionar, e a cuja actual concepção faltam, aliás, os indispensáveis dispositivos de solidariedade. Também nos opomos à acentuação das clivagens entre os grandes e os pequenos países da União, em detrimento da influência dos últimos.
A construção da Europa não está acabada, mas impõe soluções mais moderadas, mais realistas, mais respeitadoras da diversidade e da igualdade entre os Estados.»

Regista-se, pois, um contributo.

Mas ainda, e sempre, pelo NÃO!

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Creio haver quem defenda o sim. Mas porque lhes faltará motivação para se exporem e explicarem o que pensam e porque o pensam?

Estarão assim tão convencidos da vitória da sua posição?

Eu não tenho essa certeza. Julgo que ninguém, de senso, a terá, por ora.

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NOTA:

Na coluna “Sobe e desce” – onde o jornalista do Público Nuno Sá Lourenço faz uma avalição de personalidades públicas e de atitudes das mesmas, lê-se, no “desce” (avaliação negativa) o seguinte:

«Jorge Sampaio reconheceu como legado de Mário Soares o compromisso de ser "Presidente de todos os portugueses". A ideia com que se fica deste slogan é que o Presidente quer tratar, defender ou servir da mesma forma tanto os que votaram nele como os que não votaram. O que levanta a seguinta dúvida: se Sampaio defende o "sim" ao tratado constitucional, não está a colocar-se ao lado dos portugueses que são a favor do "sim", contra os que são a favor do "não"?»

Não concordo com o mote. E creio que se deve fazer justiça à isenção do Presidente Sampaio, como à postura correcta do cidadão Sampaio.

Numa visita a uma escola, já há muito transmitida pela tv, uma criança perguntou ao Dr Jorge Sampaio qual a sua posição acerca do aborto. (Das duas uma: ou a criança é super atenta, para a sua idade; ou tinha o discurso bem encomendado).

O Dr Jorge Sampaio não escondeu a surpresa. E respondeu – bem, quanto a mim – que compreendia muito bem o sofrimento de tantas mulheres que se debatem com tal problema… Em suma, foi isto. Ou seja, deixou entender, para quem quis perceber, que como Presidente tinha de manter distância, relativamente ao assunto. Mas que, como cidadão, compreendia o problema e a sua dimensão.

Mas o cidadão Sampaio deixou de poder opinar desde que foi eleito Presidente?

Acho que deve, como pode – como as circunstâncias permitem – dar a sua opinião sobre as magnas questões que a todos nos preocupam.

Mas que como Presidente deve saber manter a postura de Estado que dele (Presidente) se deve esperar.

O mesmo se diga relativamente à problemática do tratado constitucional europeu.

Porque não há-de conhecer-se a sua posição pessoal, como cidadão interessado nos problemas do seu país?

Onde está a contradição?

Onde o erro?

Onde o motivo de censura?

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