segunda-feira, maio 30, 2005

“SÍTIO” DO SIM, DO NÃO E DO TALVEZ / 1


Ontem, no PÚBLICO, podia ler-se:

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A débacle branca

Eduardo Lourenço

A França que certamente votará "não" na noite de 29 de Maio, não vota nada contra a Europa, mas contra si mesma, num "remake" suicidário que só tem paralelo simbólico na "débacle" de 1940.

(…) Esse espúrio gesto revolucionário (…) será apenas uma grave e dramática paralisia do sonho europeu para quem o tem mal sonhado durante os últimos cinquenta anos. Será, sobretudo, uma vitória à Pirro para a mesma França que imagina que o seu "épico" sobressalto lhe poupará a crise de identidade clamorosa e inédita que está vivendo há muito.

OS PRINCIPAIS PONTOS DO TRATADO

O novo tratado constitucional foi adoptado em Junho de 2004 pelos líderes europeus:
- É um tratado constitucional único que substitui todos os anteriores tratados europeus.
- A UE passa a ter personalidade jurídica e a poder subscrever tratados internacionais
- Delimitação de competências entre a UE e os Estados-membros
- Carta de Direitos Fundamentais integrada no novo tratado
- Presidente do Conselho Europeu substituiu as presidências rotativas semestrais com um mandato de dois anos e meio renováveis.
- Ministro Europeu dos Negócios Estrangeiros em substituição do actual Alto representante, preside ao Conselho das Relações Externas em acumulação com as funções de vice-presidente da Comissão
- Nova "cooperação estruturada" no domínio da defesa e criação da Agência Europeia do Armamento, Investigação e Capacidades Militares, sob a autoridade do Conselho.
(PÚBLICO)

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As cinco questões que dominam o voto

Ana Navarro Pedro, Paris / PÚBLICO

Numa campanha apaixonante, os franceses deram pela primeira vez uma dimensão verdadeiramente política à Europa, debruçando-se sobre inúmeros pontos dos 448 artigos do tratado de Constituição. E usando, dentro de cada campo, argumentos diametralmente opostos: o "não" de esquerda nada tem a ver com o "não" da extrema-direita, tal como o "sim" socialista se apoia em leituras diferentes do "sim" da direita. Cinco pontos acabaram por dominar todo o debate - os que hoje determinam o voto.

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A PERGUNTA 1: O tratado constitucional impõe uma política económica liberal ou dá maiores garantias à aplicação de uma política social?

PARA O "SIM"

O texto actual nada acrescenta de liberal aos textos precedentes. Em contrapartida, o tratado constitucional evoca uma "economia social de mercado" que consagra a entrada do projecto social na construção europeia e dá assim um passo decisivo para a Europa social. O avanço no plano social está inscrito na Carta dos Direitos Fundamentais, num compromisso entre as ideias dos liberais e as dos sociais-democratas. O reconhecimento dos direitos sociais engloba objectivos de justiça e de progresso, de pleno emprego, de luta contra as exclusões e a discriminação, a igualdade entre homens e mulheres, a coesão social e territorial, a solidariedade entre gerações e a protecção social. A regra da unanimidade em matéria de política social é uma garantia, porque impede o alinhamento com os países que defendem uma protecção social pela rama.

PARA O "NÃO"


O tratado constitucional aferrolha a Europa na ideologia do liberalismo económico, impedindo um programa político alternativo nos países membros. A expressão "economia social de mercado" é um subterfúgio: a definição de uma "economia altamente competitiva" é completada pela cláusula de uma "concorrência sem entraves" que diminui a capacidade de intervenção social dos poderes públicos nacionais. As referências sociais feitas no tratado não são reforçadas por obrigações jurídicas nesta matéria, privando-as assim de qualquer valor.

OBSERVAÇÃO DOS CONSTITUCIONALISTAS

Há duas leituras possíveis do texto, que de facto consagra a argumentação liberal que inspirou os precedentes tratados da construção europeia, desde 1957. Mas a expressão mais controversa sobre a "economia social de mercado altamente competitiva", não foi nunca citada por inteiro: "...que tende ao pleno emprego e ao progresso social", o que reforça a sua ambição social.

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A PERGUNTA 2: A perenidade dos serviços públicos, uma especificidade da sociedade francesa, está garantida ou ameaçada pelo tratado?

PARA O "SIM"


Pela primeira vez um texto europeu reconhece de forma tão clara a utilidade dos serviços públicos, chamados "serviços de interesse económico geral", para garantirem a coesão social e territorial. Se o tratado especifica que os serviços do sector concorrencial (como os transportes e a energia) devem ser submetidos à concorrência, em contrapartida dá uma base jurídica a uma futura directiva para um estatuto europeu dos serviços públicos - ou de interesse geral. A UE aprova o financiamento destes serviços, mesmo em caso de défice. O tratado recorda que os Estados têm competência para fornecer, executar e financiar os serviços de interesse geral e conservam um direito de veto para as negociações comerciais no que toca aos serviços sociais, a educação, a saúde, a cultura e o audiovisual.


PARA O "NÃO"


A expressão "serviços de interesse económico geral" data do tratado de Amesterdão de 1997, onde eram considerados como um valor, quando no tratado constitucional os serviços públicos são vistos como uma anomalia que deve ser estritamente enquadrada. Para mais, os "serviços de interesse económico geral" devem ser submetidos à livre concorrência. Portanto, não podem receber subsídios que deformem a concorrência. Os Estados estão assim restringidos no seu raio de acção, sob pena de encorajarem um abuso de situação dominante, punível no Tribunal de Justiça Europeu. O tratado impede também a criação de serviços públicos à escala europeia.


OBSERVAÇÃO DOS CONSTITUCIONALISTAS


Os serviços de interesse económico geral, reconhecidos pelo tratado de Amsterdão, estão submetidos à concorrência. Mas a Constituição declara que "não presume do regime de propriedade nos Estados" membros, e que a submissão à concorrência pode ser parada, se esta impede o cumprimento da missão que tenha sido atribuída aos serviços de interesse económico geral.

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A PERGUNTA 3: Há um risco de dumping social e fiscal, nomeadamente para se evitarem as deslocalizações?


PARA O "SIM"



As deslocalizações são um fenómeno mundial, que o tratado não pode impedir. Em 1986, a adesão de Portugal e da Espanha criava receios de deslocalizações de empresas, por causa dos seus fracos custos de produção (salários e impostos mais baixos). Ora foram estes países que se içaram ao nível do resto da Europa, e não o contrário. A UE abstém-se de qualquer interferência na determinação dos salários, dos serviços sociais e do nível de impostos nos Estados membros. A França pode assim manter o seu modelo de Estado-providência.

PARA O "NÃO"


O texto evoca apenas um nível de protecção social "adequado" para cada Estado. Nada impede os Estados de se lançarem numa corrida à descida de impostos para atraírem investimentos e empresas, em detrimento dos outros membros da UE (na Estónia, as empresas beneficiam de zero por cento de imposto). Por quanto tempo poderão estes resistir antes de seguirem a mesma via? O tratado vai obrigar os países com um modelo social mais desenvolvido a porem em causa o seu equilíbrio económico e social.


OBSERVAÇÃO DOS CONSTITUCIONALISTAS

O tratado não impede nem favorece as deslocalizações. A concorrência fiscal é favorecida pelo texto, mas não foi encontrado um nível de harmonização fiscal desejável: demasiado elevado, prejudica as empresas dos países de Leste, mas num ponto médio para os 25, baixa os subsídios e as pensões de reforma pagos em França. Paris e Berlim denunciam o dumping social na Europa, mas os países escandinavos não dizem nada e mantêm uma fiscalidade pesada para financiarem os seus Estados-providência muito generosos.

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A PERGUNTA 4: Uma revisão do tratado de Constituição é impossível, congelando assim a Europa num modelo sem esperanças de evolução?

PARA O "SIM"


Uma revisão do tratado exige a regra da unanimidade, como todos os tratados internacionais; e, como os precedentes tratados europeus, será modificado e melhorado. O texto é flexível e pragmático, vocacionado para evoluir segundo o grau de maturidade da Europa. Se ele é mais favorável ao liberalismo, traduzindo assim as relações de força actuais na UE, contém no entanto referências sociais suficientes para fazer evoluir o texto caso essa relação de força mude. O Parlamento tem assim a iniciativa de apresentar emendas eventuais, a serem examinadas pela Comissão e pelo Conselho. Uma petição com um milhão de assinaturas de cidadãos europeus pode pedir a adopção de novas leis europeias que o Conselho e a Comissão dificilmente poderão ignorar.

PARA O "NÃO"


A revisão constitucional é quase impossível porque o processo adoptado é anormalmente complexo e pesado. A cada etapa corresponde uma possibilidade de bloqueio, agravada pela lógica de confronto entre poderes (Parlamento, Comissão, Conselho, Convenção e Estados), que provoca o imobilismo. A regra da unanimidade a 25 torna impossível qualquer avanço, porque é ilusório pensar que não haverá um estado para bloquear uma revisão. O tratado ficará assim gravado na rocha como irreversível. Os processos de emendas e de petição são falsas esperança, porque não são vinculativos. A consequência será uma grave crise da Europa.


OBSERVAÇÃO DOS CONSTITUCIONALISTAS


O processo de revisão previsto é muito pesado, com a convocação de uma Convenção (idêntica à que se reuniu para preparar o tratado de Constituição) se o Parlamento europeu, a Comissão ou o governo de um Estado membro tomar essa iniciativa. A proposta será examinada pelo Conselho europeu segundo a regra da maioria simples. Numa segunda fase, a recomendação da Convenção (decidida por consenso) seria submetida à decisão unânime de uma Conferência Intergovernamental e por fim dos Estados membros. Num processo simplificado, o Conselho poderia dispensar a etapa da Convenção.

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A PERGUNTA 5: A rejeição do tratado Constitucional provocaria uma crise na Europa, ou há um plano B?

PARA O "SIM"


Se o tratado não for ratificado, a dinâmica europeia fica quebrada e o país que disser "não" fica isolado e enfraquecido na UE. Não há nenhum plano B, ou seja, nenhuma alternativa, porque o tratado resulta do compromisso possível entre 25 Estados e de duas sensibilidades políticas dentro de cada Estado. A Europa conhecerá uma grave crise económica.


PARA O "NÃO"


O próprio tratado prevê um procedimento em caso de rejeição do texto por um certo número de países. Não há crise porque o tratado de Nice fica em vigor. O tratado constitucional não está à altura do que deve ser a ambição a Europa, por isso deve ser rejeitado para ser substituído por um texto melhor (a extrema-direita, por seu lado, quer a saída da França da UE e do euro).

OBSERVAÇÃO DOS CONSTITUCIONALISTAS


Juridicamente, o tratado fica condenado se um só país rejeitar a Constituição. O tratado de Nice continua em vigor. Politicamente, o precedente do tratado de Maastricht na Dinamarca convida a uma maior prudência. Os dinamarqueses rejeitaram o tratado, os outros países prosseguiram o processo de ratificação e, no fim, a Dinamarca voltou a votar, depois de pequenas modificações, e aprovou o texto.

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