terça-feira, junho 21, 2005

“SÍTIO” DO SIM, DO NÃO E DO TALVEZ



Crise da UE

Vital Moreira / Causa-nossa /SG 20JUN05

.

.

.

"Bons" e "maus" europeus

Teresa de Sousa / PÚBLICO / TR 21JUN05

Podemos não estar de acordo com a visão de Tony Blair para a Europa. Mas, como diria González, tem uma. O que é preciso é que outros europeus tenham também uma ideia e se procure chegar a um novo compromisso

1.Para alguém, como eu, que considera a Europa como uma das realizações políticas mais extraordinárias do século XX e que vê na integração política europeia um imperativo para um mundo melhor, a cimeira de Bruxelas foi uma tristeza. Mas talvez tenha sido melhor assim.
O pior cenário seria que tudo ficasse mais ou menos na mesma.
A solução atamancada encontrada pelos líderes para contornar o problema da Constituição, cujo significado nenhum europeu normal conseguirá alguma vez decifrar, só pode resultar de uma fatal "combinação de masoquismo, cegueira e arrogância". (A expressão está contida numa carta aberta assinada por Timothy Garton Ash, Dominique Moisi, Aleksander Smolar e pelo antigo conselheiro de Kohl Michael Mertens, publicada no International Herald Tribune de dia 16). A cimeira limitou-se a prolongar a agonia por manifesta ausência de entendimento da crise de confiança da Europa aos olhos dos seus cidadãos. Esta Constituição não chegará a ver a luz do dia, por mais que alguns pensem que se trata apenas de um défice de explicação.
Quanto ao orçamento, ele era de facto a tábua de salvação a que todos se queriam agarrar à falta de resposta para a gravíssima crise europeia. Aprovar um péssimo orçamento, resultado da pura mercearia sem outro propósito senão comprar o apoio de toda a gente, era apenas prolongar a agonia, em vez de enfrentar os factos.
"Disse que não [ao orçamento plurianual] porque a proposta final da presidência não respondia a um quadro global satisfatório." A frase não é de Tony Blair. É do insuspeito europeísta José Luís Rodriguez Zapatero, um dos líderes que contribuiu para que a estratégia da presidência luxemburguesa de isolar o Reino Unido tivesse falhado.
Dito isto, foi melhor assim. Não há mais desculpas para o imobilismo nem para tentar enfrentar a crise da maneira mais simples: ou negando a sua gravidade, ou encontrando um ou vários "bodes expiatórios". Blair ou Barroso, tanto faz.
2. Para olhar para o futuro é preciso acabar de vez com as ideias feitas, a mais perniciosa das quais é uma visão maniqueísta, construída a partir de referências do passado, segundo a qual uns são os bons, outros são os maus europeus. Os bons? O eixo franco-alemão, os países do Benelux e mais uns quantos. Os maus? O Reino Unido, em permanência, mais recentemente alguns nórdicos "eurocépticos" ou mesmo os recém-chegados.
Os que persistem em ver a Europa assim resumiram a cimeira como o fez Jean-Claude Juncker. Há duas visões da Europa - a dos que querem uma integração política e a dos que querem apenas um mercado.
Pode ter sido assim no passado. Já não é. Pela simples razão de que o mundo mudou e a Europa também mudou. O eixo franco-alemão de há muito que deixou de liderar a Europa. Olhar para ele à espera de um caminho já não é possível. Depois da renovação do contrato entre os dois países, que Mitterrand e Kohl selaram em 1991 e que se traduziu no euro, a dupla europeia ou não funcionou ou funcionou com o estrito objectivo de ir servindo os seus interesses nacionais imediatos. Numa troca de favores desprovida de qualquer visão europeia.
Hoje a situação é bem pior. A França capitula perante uma realidade mundial a que não consegue adaptar-se. Rejeita uma Europa que já não é "uma grande França", como escreveu Eduardo Lourenço. Clama contra o alargamento e contra os "anglo-saxões" num desespero e numa impotência que fazem dela, como escrevia o Libération, "o homem doente da Europa". Esperar de Paris algum sentido de liderança é condenar a Europa a afundar-se com ela. A Alemanha preserva os seus bons instintos europeus (como se viu também na cimeira), mas perdeu o seu papel de locomotiva europeia, porque não conseguiu reformar a sua economia.
Numa entrevista ao El País, cuja leitura se recomenda vivamente para quem não teve a oportunidade de ouvir a sua intervenção nos Jerónimos, Felipe González diz numa frase o que é preciso entender: "O fracasso [da Europa] é da responsabilidade dos fundadores." E diz mais. "Não me preocupa estar em desacordo com uma determinada ideia de Europa. Preocupa-me que não exista ideia nenhuma. Hoje, o problema é que não existe uma orientação. É puro oportunismo."
3. "É preciso fazer um debate fundamental sobre a Europa", disse Blair de regresso a Londres. Resumir os desígnios de Londres à teimosia da rebate ou à Europa-mercado e ver em Tony Blair apenas um remake de Thatcher é um engano. Blair é o mais europeísta dos líderes britânicos "dos últimos 30 anos e dos próximos dez"... se incluirmos Gordon Brown. A Europa deve-lhe a defesa (St. Malo, 1998). Negociou e defendeu como pôde a Constituição, na esperança de convencer os britânicos a aceitá-la no termo de uma dinâmica europeia positiva (que a França inviabilizou) e de uma presidência europeia bem sucedida.
O que ele diz agora faz algum sentido.
"Falta definir o papel da Europa no novo cenário da globalização - para fora e para dentro - e isso explica em parte a rejeição da Constituição. A produtividade europeia não pode continuar a cair; se não se travar este processo, não haverá nada que salve o modelo social europeu."
Podia ter sido dito por Blair no final da cimeira europeia. Foi dito por González na já referida entrevista.
O antigo líder espanhol, de cujo europeísmo ninguém suspeita, conclui: "Há que procurar uma nova ética da construção europeia, já não para superar o mal histórico da guerra, mas para definir o nosso papel no novo cenário da revolução tecnológica e da globalização." É este, no essencial, o programa do primeiro-ministro britânico para a Europa e certamente para a sua presidência. Felizmente são muitos os governos europeus que já perceberam que é este o desafio que a Europa tem de enfrentar - a nível económico e político. Blair não é, como se pretende fazer crer, um homem isolado na Europa.
No final do Conselho Europeu, Zapatero começou a recolocar a Espanha "no mapa da crise" e a olhar para o futuro. Escreve o El País que evitou pronunciar-se sobre o futuro do eixo Paris-Berlim, no qual alinhava até agora aparentemente sem estados de alma, abrindo as portas à agenda reformista de Blair. "É preciso que a Europa se concentre mais no crescimento económico, na criação de empregos e nas novas tecnologias."
Blair não é um "neoliberal disfarçado de social-democrata", outro mito que convém derrubar rapidamente. Nem sequer a Europa está confrontada entre o "capitalismo selvagem" e o "modelo social".
Quem prestou alguma atenção ao debate intenso no Reino Unido sobre o legado do primeiro-ministro, durante a campanha eleitoral, percebeu que Blair "social-democratizou" a Grã-Bretanha. Do salário mínimo aos volumosos investimentos na segurança social, nos hospitais e, sobretudo, na educação.
Tem outra vantagem. Capacidade de liderança. Já demonstrou que não teme correr riscos nos combates em que acredita. Vamos esperar pelo programa para a sua presidência, em vez de nos armarmos em ofendidos por ele ter "estragado" a cimeira.
4. Podemos não estar de acordo com a sua visão para a Europa. Nem o Reino Unido sozinho pode liderar alguma vez a União. Mas, como diria González, tem uma. O que é preciso é que outros europeus tenham também uma ideia e se procure chegar a um novo compromisso. Com a França fora de combate, a Alemanha terá, como sempre, um papel crucial nesta reorganização europeia.
Na sua carta aberta, os quatro intelectuais europeus sugeriam algumas prioridades. Salvar a política externa do afundamento da Constituição, porque "a Europa não pode dar-se ao luxo de ser vista como irrelevante, passiva e obcecada consigo própria pela América, pela Rússia ou pela China". Perceber a importância estratégica do alargamento (sem adiar o debate sobre as fronteiras da Europa). Relançar a reformas económicas e sociais. Compreender as razões da revolta dos europeus contra uma Europa cujo sentido já não vêem.
É este o debate que é preciso fazer. Abandonando, como disse Jaime Gama no domingo, na entrevista a Maria João Avillez (Outras Conversas), um "vocabulário político que se mantém por inércia e por rotina", mas que já não tem nada a ver com a realidade.
Jornalista

.

.

.

Turcos

Miguel Romão / A CAPITAL / TR 21 JUN05

.

.

Sem comentários:

free web counters
New Jersey Dialup