sexta-feira, junho 17, 2005

“SÍTIO” DO SIM, DO NÃO E DO TALVEZ


União europeia pára para pensar e congela ratificação da constituição

Teresa de Sousa, em Bruxelas / PÚBLICO / SX 17JUN05

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Sair do impasse. Ultrapassar a crise. Com estas preocupações, os líderes da União Europeia chegaram ontem ao consenso possível: congele-se o processo de ratificação do Tratado Constitucional europeu. Em vez de estar acabado em Novembro de 2006, ficará concluído em meados de 2007. Para já, vários referendos, o português incluído, são suspensos.

Congelar a Constituição europeia, prosseguir o processo de ratificação, "parar para reflectir", e depois logo se vê. Foi este o consenso possível entre os líderes europeus para sair do impasse causado pela dupla rejeição do Tratado Constitucional em França e na Holanda que mergulhou a União na maior crise de sempre.
Jean-Claude Juncker, o primeiro-ministro luxemburguês que preside ao Conselho Europeu, resumiu-o, já era noite avançada, da seguinte forma: "O processo de ratificação segue o seu caminho, não haverá renegociação do Tratado Constitucional, cada país fará como quiser para concretizar a ratificação." Juncker esclareceu ainda que os líderes farão um novo ponto da situação em Junho de 2006, no final da presidência austríaca da União Europeia, mas admitiu também que antes de meados de 2007 não haverá provavelmente condições na França e na Holanda para ultrapassar o impasse provocado pela respectiva rejeição do tratado.
"Temos de juntar tempo ao tempo", concluiu o presidente em exercício do Conselho Europeu numa conferência de imprensa que se seguiu ao jantar dos líderes, e durante a qual fez também questão de sublinhar que houve unanimidade em que esta Constituição "dá a boa resposta" aos problemas que a Europa tem de resolver e que, portanto, "não haverá melhor tratado", ou seja, não haverá outro tratado.
José Manuel Durão Barroso, o presidente da Comissão, acrescentou, por seu lado, que esta pausa não significa inacção. "A União Europeia não pára, há um período de reflexão, vamos escutar as pessoas, temos um "plano D", de democracia, de debate e de diálogo", disse.
Em termos mais concretos, este consenso mínimo dará liberdade aos países que têm previsto a realização de referendos de suspender os respectivos processos. E, ao mesmo tempo, dá à França e à Holanda mais tempo e provavelmente novas condições políticas para tentar ultrapassar o chumbo do tratado constitucional.
Juncker deu mesmo a entender que pode ser preciso esperar por eleições presidenciais em França, em Maio de 2007, para encontrar uma solução para o impasse francês. Jan Peter Balkenende, o primeiro-ministro holandês, tinha já dito que, "com este Governo e no actual quadro parlamentar não haverá ratificação deste tratado".
O primeiro-ministro dinamarquês, Anders Fog Rasmussen, foi o primeiro a anunciar a suspensão do seu referendo, previsto para 27 de Setembro. A Irlanda já deu a entender a mesma coisa. A República Checa idem. Portugal também.
Jean-Claude Juncker também insistiu, no resumo que fez das decisões tomadas pelos líderes, que os países que quiserem suspender os referendos por precisarem de mais tempo para explicá-los terão todo o apoio do Conselho Europeu.

Divisões profundas
Mas este consenso sobre o que fazer para salvar a Constituição europeia ou, pelo menos, para tirar a União do impasse, que Jean-Claude Juncker descreveu com palavras cuidadosas, não foi suficiente para disfarçar as divergências muito fortes que subsistiam, ontem à noite, sobre o que fazer durante esta "pausa para reflexão" cuja necessidade, depois de quinze dias de hesitações, todos acabaram por reconhecer.
Para Tony Blair, o primeiro-ministro britânico, o que a Europa deve fazer durante este interregno é aproveitar para enfrentar os três grandes desafios políticos que tem pela frente: da globalização económica e da competitividade, "mantendo uma dimensão social forte"; da segurança interna dos seus cidadãos; do lugar da Europa no mundo. "Vamos dar as respostas certas a estes desafios políticos, antes de tratarmos da Constituição", conforme resumiu um dos seus porta-vozes. O Reino Unido recebe das mãos do Luxemburgo a presidência da União no dia 1 de Julho. É esta a agenda que Blair quer pôr em prática nos próximos seis meses.
O Presidente francês tem, naturalmente, outra ideia. Chirac propôs a convocação de uma cimeira extraordinária "consagrada a uma reflexão de fundo sobre o futuro da Europa". A França entende que, sem a Constituição, a Europa "não dispõe das instituições capazes de fazer funcionar eficazmente esta União alargada". Mas Chirac não adiantou qualquer solução para ultrapassar a rejeição francesa do tratado.
Gerhard Schroeder, o chanceler alemão, foi dos que mais insistiram na continuação, mesmo que com prazo prolongado, do processo de ratificação nos países que ainda não o fizeram. Não é o caso da Alemanha. Um membro da delegação portuguesa disse ao PÚBLICO que houve uma clara divisão entre os países que já ratificaram e aqueles que ainda não o fizeram, sobretudo os que têm de o fazer por via referendária.
Encontrada uma saída mais ou menos airosa para resolver por agora o impasse da Constituição, os líderes estarão livres para se entregar à mais difícil batalha: entenderem-se sobre as perspectivas financeiras da União para 2007-2013.

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O alargamento da união fica para já congelado

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Apesar do apelo do chanceler alemão, Gerhard Schroeder, poucas horas antes do início do Conselho Europeu em favor de um sinal positivo em direcção aos países que querem entrar na União, o mais provável é que o alargamento seja matéria "apagada" das conclusões da cimeira. Foi essa a deliberação maioritária dos chefes da diplomacia no conclave do fim-de-semana passado; e as declarações de vários responsáveis europeus nas horas que precederam a cimeira apontam na direcção do "congelamento".
Schroeder apelou ontem, no Bundestag, antes de partir para Bruxelas, a que a União não fechasse as portas à Bulgária e à Roménia, nem negasse aos países dos Balcãs a perspectiva de virem a ser membros da União. Sófia e Bucareste já assinaram o respectivo tratado de adesão e devem entrar a 1 de Janeiro de 2007. A Croácia ainda tem de cooperar de forma mais positiva com o TPI (Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia) se quer dar início às prometidas negociações.
O chanceler disse que um "não, nunca" aos Balcãs poderia empurrar a região de regresso aos nacionalismos destrutivos que a devastaram nos anos 90, lembrando que é mais barato pagar os custos da integração desses países do que custear as missões de paz da UE e da NATO na Bósnia e no Kosovo.
Mas a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros decidiu por maioria erradicar do projecto de conclusões qualquer referência específica ao alargamento, limitando-se a uma menção breve às decisões tomadas pelos líderes em Dezembro de 2004, quando abriram as portas à Turquia. O Reino Unido queria inscrever nas conclusões todos os compromissos assumidos pela UE com a devida calendarização, mas ficou quase isolado.
No seu apelo, o chanceler Schroeder não mencionou a Turquia, cujas negociações de adesão deveriam começar a 3 de Outubro deste ano. A questão é muito impopular na Alemanha e a líder da CDU, Angela Merkel, que se prepara para vencer as eleições de Setembro, já disse que reserva a Ancara um mero estatuto de "parceria privilegiada".
O alargamento foi uma das motivações mais fortes do "não" holandês e francês à Constituição e a Turquia um dos principais argumentos dos seus opositores.
Ontem, na Assembleia Nacional francesa, o primeiro-ministro, Dominique de Villepin, defendeu o congelamento dos alargamentos até que a União tenha absorvido o último, a mais dez países. O Presidente Chirac, à chegada a Bruxelas, corroborou a ideia, e a própria Comissão, pela voz da comissária para as Relações Externas, Benita Ferraro-Waldner, admitiu a necessidade de "reduzir a velocidade dos alargamentos futuros".
É este o sentimento que predomina hoje na União, onde aparentemente só o Reino Unidos e os novos Estados-membros estão dispostos a bater-se pelos actuais e futuros candidatos. Londres considera que, se não houver qualquer menção aos compromissos assumidos pela UE nas decisões finais desta cimeira, isso será um sinal extremamente negativo. O problema está, como referiu o presidente da Comissão, Durão Barroso, em encontrar um equilíbrio justo entre esses compromissos e uma opinião pública europeia que não compreende o ritmo a que a Europa se amplia.
T.de S., Bruxelas

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Líderes europeus dramatizam riscos de fracasso nas negociações orçamentais

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Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas / ID / id

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O dia de hoje é dedicado ao orçamento e o pessimismo é dominante. Poderá a cimeira prolongar-se para amanhã?

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Vários líderes da União Europeia (UE) endureceram ontem posições nas negociações sobre o quadro orçamental plurianual comunitário de 2007 a 2013, agravando o ambiente pessimista sobre as possibilidades de conseguirem um acordo durante o dia de hoje.
As principais dificuldades partiram sobretudo do Reino Unido e da Holanda, que continuavam ontem a rejeitar a nova proposta de compromisso apresentada na quarta-feira à noite pela presidência luxemburguesa da UE, a quarta na actual fase final das negociações.
Londres continua a recusar firmemente qualquer redução do valor do mecanismo de abatimento (rebate) da sua contribuição líquida para o orçamento comunitário, se não for acompanhada de uma revisão das despesas agrícolas. Esta pretensão pressupõe a reabertura de um acordo concluído pelos líderes europeus em 2002 relativo ao congelamento das despesas agrícolas até 2013 enquanto condição prévia ao alargamento da UE, o que é firmemente rejeitado pela França e suscita pouco entusiasmo nos restantes países.
Num gesto dirigido aos ingleses, o Luxemburgo propôs o congelamento do cheque britânico no valor de 4,6 mil milhões de euros anuais, abandonando assim a sua anterior defesa de uma redução gradual de um mecanismo que devolve anualmente a Londres dois terços da sua contribuição líquida para Bruxelas (a diferença entre o que paga para alimentar o orçamento europeu e o que recebe através das políticas comuns). A presidência propõe igualmente que o futuro do cheque britânico depois de 2013 fique dependente da evolução das despesas de mercado e das ajudas aos agricultores.

Londres agita ameaça de veto
Nada feito: Jack Straw, ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, afirmou à chegada a Bruxelas que "as propostas da presidência não são aceitáveis". "Temos dito que o abatimento é plenamente justificado e que, se necessário, utilizaremos o nosso veto, e continua a ser o caso", afirmou.
A ideia do congelamento do cheque britânico é exigida pela generalidade dos restantes estados, de modo a impedir o seu aumento para mais de 7 mil milhões de euros anuais nos próximos sete anos, com a consequente penalização dos outros, que têm de aumentar as suas contribuições para colmatar a brecha inglesa.
Numa tentativa de dramatização, um porta-voz de Blair desvalorizou a eventualidade de um fracasso na reunião que poderá prolongar-se até sábado. "Não é preciso um acordo nesta cimeira, as discussões poderão continuar", afirmou, considerando que cabe a cada governo "pesar as vantagens e os inconvenientes" de fecharem hoje as negociações.

Holanda intransigente
A resolução do problema britânico é, no entanto, essencial para desbloquear o resto das negociações, que enfrentam um outro obstáculo de monta provocado pela exigência absoluta do ministro holandês, Jan-Peter Balkenende, de reduzir a sua contribuição líquida para Bruxelas. Haia insiste em que suporta a maior contribuição líquida por habitante, um argumento que, segundo as sondagens, pesou de forma decisiva na rejeição da Constituição Europeia.
Esta interpretação é porém largamente contestada pela Comissão Europeia e pela Suécia, que é, de facto, o maior contribuinte. Segundo dados de Bruxelas, a contribuição sueca ascende este ano a 154 euros por habitante, contra 148 para a holandesa, diferença que chegará aos 20 euros, em detrimento da Suécia, em 2006.
Na origem da convicção holandesa está o facto de uma parte das receitas do orçamento comunitário ser originária das taxas aduaneiras que os Estados-membros cobram à entrada de mercadorias no território europeu e que transferem directamente para Bruxelas, e não lhes saem, assim, do bolso: os cálculos holandeses incluem o efeito do porto de Roterdão, grande ponto de entrada de importações na UE, o que amplia artificialmente a sua contribuição.
Mas Balkenende, fragilizado pelo "não", tem um mandato claro do Parlamento para obter uma redução da sua contribuição líquida em 1,5 mil milhões de euros anuais. Mesmo se o Luxemburgo previu na sua proposta uma série de fórmulas susceptíveis de melhorar o saldo líquido holandês, o seu resultado acumulado não chega a metade do valor pretendido por Haia.
A nova proposta luxemburguesa mantém o mesmo valor global para o orçamento comunitário de 871 mil milhões de euros, já previsto na anterior, o que equivale a 1,06 por cento da riqueza dos Vinte e Cinco (rendimento nacional bruto, ou RNB). Este valor representa 124 mil milhões menos que a proposta original da Comissão (995 mil milhões, ou 1,21 por cento do RNB). A diferença é conseguida através de reduções importantes em todas as políticas comunitárias relativamente ao proposto pela Comissão, mas sobretudo nas medidas ligadas à "estratégia de Lisboa" para o reforço da competitividade da economia comunitária (menos 40 por cento).
O capítulo dos fundos estruturais, ou política de coesão, teve uma ligeira melhoria face à anterior proposta, embora se mantenha em menos 30 mil milhões face à Comissão. Esta melhoria destina-se a acomodar os "presentes" previstos pela presidência para os países mais prejudicados com a redução dos montantes dos fundos estruturais, sobretudo os da velha UE a Quinze - incluindo Portugal -, que suportam praticamente a totalidade dos cortes operados nesta política.

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Compromisso luxemburguês melhora ganhos portugueses

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Portugal conseguiu melhorar ligeiramente o volume de fundos estruturais que poderá receber depois de 2007, ao abrigo da última proposta de compromisso da presidência luxemburguesa da União Europeia (UE) para o quadro orçamental plurianual comunitário até 2013. Os ganhos conseguidos com esta proposta aproximam-se dos 500 milhões de euros, o que ainda poderá ser objecto de uma melhoria suplementar por via das ajudas ao desenvolvimento rural, cuja chave de repartição entre os Quinze deverá ser hoje apresentada pela presidência. Neste capítulo, o país poderá receber um montante a rondar os 2,2 mil milhões de euros, o que, a confirmar-se, elevará a totalidade dos fundos estruturais nacionais a um valor ligeiramente superior a 21 mil milhões de euros durante os sete anos. O que representa uma redução entre 15 e 16 por cento face ao envelope financeiro a que Portugal tem direito entre 2000 e 2006. A proposta "vai no sentido correcto, é muito mais favorável a Portugal e à coesão, mas não estamos ainda satisfeitos", afirmou o primeiro-ministro, José Sócrates, à chegada à cimeira. Os ganhos portugueses são conseguidos através de um aumento da ajuda por habitante da Madeira (de 20 para 30 euros anuais ao longo de sete anos) ao abrigo de um regime especial oferecido às Regiões Ultraperiféricas. Os Açores, igualmente contemplados nesta classificação, não são abrangidos porque beneficiam de uma intensidade de ajudas superior pelo facto de continuarem a integrar o grupo das regiões mais desfavorecidas. A Madeira, que abandonou este grupo de regiões por ter enriquecido relativamente à média comunitária e deveria perder, depois de 2007, o essencial dos fundos a que tem actualmente direito, beneficiará por outro lado de uma redução gradual das ajudas, o que não estava previsto. Finalmente, a presidência propôs aumentar a ajuda anual por habitante nos países beneficiários do fundo de coesão de 37,5 para 40 euros, o que contempla a totalidade dos 10 milhões de portugueses. O líder do PSD, Luís Marques Mendes, considerou ontem que qualquer acordo que represente uma redução de fundos estruturais em Portugal superior a 10 por cento face ao actual quadro orçamental plurianual não constitui "um reconhecimento da especificidade do caso português" de que "toda a gente fala", numa alusão à tese assumida pelo Governo socialista nas negociações. I.A.C., Bruxelas

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Desejos divergentes

PÚBLICO / id

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Resumo dos principais desejos dos Estados membros da União Europeia, fora Portugal, para o debate que vão ter hoje sobre como pagar e dividir cerca de 700 mil milhões de euros entre 2007 e 2013:

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Alemanha Quer limitar as despesas gerais da UE a 1 por cento do Rendimento Nacional Bruto e reduzir a sua contribuição
França Rejeita cortes nos cerca de 40 milhões de euros anuais em subsídios agrícolas - dos quais a França recebe cerca de um quarto
Reino Unido Insiste em manter um "desconto" de cerca de cinco milhões de euros para compensar o nível reduzido dos seus subsídios agrícolas
Itália Quer manter as ajudas às suas regiões pobres do Sul
Espanha Quer receber durante mais cinco anos ajuda especial para as nações mais pobres
Polónia Quer a ajuda para desenvolvimento a 4 por cento do PIB para ajudar a sua economia a aproximar-se dos níveis ocidentais
Holanda Quer reduzir as despesas da UE, de que é o maior contribuinte per capita
Suécia Quer reduzir as despesas da UE
Finlândia Quer mais dinheiro para regiões rurais remotas
Bélgica A favor de um ligeiro aumento nos fundos da UE para promoção da investigação e do crescimento económico
Áustria Quer mais verbas para o desenvolvimento rural, que destinará aos agricultores dos Alpes
Irlanda Concordaria com um ligeiro aumento das despesas
Luxemburgo Na presidência, procura compromissos que agradem a todos
Grécia Defende ajuda às suas regiões mais pobres
Dinamarca Quer mais despesas em investigação e desenvolvimento
Eslováquia Quer mais dinheiro para as suas regiões rurais
República Checa Pretende mais ajuda ao desenvolvimento
Eslovénia Quer fundos para desenvolvimento regional
Letónia, Lituânia e Estónia Procuram obter o máximo dos fundos de coesão
Hungria Quer um lugar entre os cinco maiores beneficiários de ajuda
Malta Quer o máximo de fundos de coesão
Chipre Apoia holandeses e alemães na defesa de limitação das despesas
Fonte: Reuters

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AS FRASES QUE LANÇARAM A REUNIÃO

PÚBLICO / id

"É uma das cimeiras mais difíceis que alguma vez tivemos."
Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro do Luxemburgo, que preside à EU

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"A proposta [orçamental] da presidência [luxemburguesa] não é aceitável para nós. Se for necessário, utilizaremos o veto. A atmosfera na sala de reunião é amigável, mas toda a gente percebe que vão ser dois dias muito difíceis."
Jack Straw, ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido

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"Nesta situação nova, poderá a União continuar a alargar-se sem que tenhamos as instituições capazes de fazer funcionar eficazmente esta União alargada? A França está pronta a apoiar a ideia de uma reunião excepcional de chefes de Estado e de governo para discutir as questões fundamentais que envolvem o futuro da União. Gostaria que pudéssemos discutir juntos esta importante questão."
Jacques Chirac, Presidente da França

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"Vai ser difícil, mas estou confiante em que uma solução é possível. Se todos fizerem um esforço, é possível uma solução. Espero que todos os dirigentes na Europa estejam verdadeiramente conscientes da sua responsabilidade. Lanço um apelo ao sentido de responsabilidade e de compromisso."
José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia

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"Não penso que vá haver acordo sobre o orçamento. As diferenças são demasiado grandes."
Goran Persson, primeiro-ministro da Suécia
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"Um acordo nesta cimeira só é possível se todos alterarem a sua posição. Se teremos êxito, é uma questão em aberto. Espero que sim, mas é apropriada uma dose razoável de cepticismo."
Gerhard Schroeder, chanceler da Alemanha

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"Não podemos prosseguir como se nada tivesse acontecido. Não podemos submeter o tratado a uma votação na Dinamarca se não houver tratado para votar. Eu recomendaria uma pausa no processo."
Anders Fogh Rasmussen, primeiro-ministro da Dinamarca

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O "cheque" britânico e o privilégio francês

José Manuel Fernandes / EDITORIAL / ID / id

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A luta de gigantes entre a França e o Reino Unido sobre as perspectivas financeiras da União Europeia não pode ser reduzida à justiça ou injustiça do chamado "cheque" britânico. Principalmente porque a França beneficia de um "cheque" ainda mais gordo, se bem que disfarçado e travestido de PAC, Política Agrícola Comum.
Na União tudo tem uma história e, por isso, convém conhecer todas as histórias antes de ajuizar da bondade da posição dos diferentes países. Mas comecemos por olhar para o retrato, isto é, para a situação actual. Hoje por hoje o saldo entre as contribuições para a UE e as transferências dela recebidas permite verificar na Europa dos Quinze que onze países dão mais dinheiro do que recebem, havendo quatro - Espanha, Portugal, Grécia e Irlanda - que recebem mais do que dão. Entre os onze contribuintes líquidos, aquele cuja contribuição corresponde a uma percentagem mais elevada do seu produto nacional bruto é a Holanda (algo que os holandeses descobriram durante a campanha para o referendo...), logo seguida da Suécia e da Alemanha. Quando comparamos o saldo líquido da França e do Reino Unido verificamos que os britânicos dão mais dinheiro em termos absolutos e em termos relativos, respectivamente 0,12 contra 0,16 por cento dos respectivos RNB.
Temos assim que neste retrato há uma clara anomalia - a Irlanda, que já é um dos países com um rendimento per capita mais elevado da União, não devia continuar a beneficiar de transferências positivas - e que se muitos países se podem queixar do "cheque" britânico, a França não é seguramente um deles. Mais: tanto a posição francesa como a britânica são frágeis quando países como a Bélgica ou a Holanda contribuem proporcionalmente mais para os cofres da UE.
A situação do Reino Unido deriva de este país, com Margaret Thatcher, ter imposto a devolução de uma parte do dinheiro que enviava para Bruxelas já que a forma de cálculo da contribuição o prejudicava. Por outro lado, nessa época mais de dois terços do orçamento da União eram consumidos pela PAC, de que a Grã-Bretanha pouco beneficiava, ao contrário da França. Entretanto a situação evoluiu, a fórmula de cálculo da contribuição já não é tão penalizadora para o Reino Unido, o país tornou-se num dos mais ricos da União, o peso dos gastos com a PAC desceu para a casa dos 40 por cento e, sobretudo, manter o "cheque" britânico implica que os países mais pobres do alargamento acabariam por contribuir para "aliviar" o esforço de Londres, o que é moralmente inaceitável.
Neste quadro compreende-se que exista uma enorme pressão para que Tony Blair abdique daquilo que é visto como um privilégio. Acontece porém que este responde que está disposto a fazê-lo se a França também abdicar do seu respectivo privilégio, isto é, da generosa transferência que recebe de Bruxelas por via da PAC e que lhe permite contribuir menos, em termos líquidos, para o bolo comum do que os ingleses.
De novo convém recordar como tudo nasceu - não em 1984, como o "cheque" inglês, mas logo em 1957, quando a França exigiu que a então CEE apoiasse os seus agricultores em troca da abertura das suas fronteiras aos produtos da indústria alemã. O apoio foi muito generoso e ainda continua a ser, mas é sobretudo muito perverso. A forma como a PAC subsidia os produtos agrícolas na Europa faz com que estes cheguem aos consumidores a um preço que retira toda a competitividade a produtos importados dos países mais pobres, designadamente de África, onde esses subsídios não existem. A PAC não assegura apenas o rendimento generoso dos agricultores europeus: aprisiona na pobreza os agricultores dos países pobres. É muito mais culpada da pobreza no mundo do que a ausência de programas de ajuda ao desenvolvimento.
Tem por isso Tony Blair toda a razão quando exige que, para que aceite renunciar ao seu "cheque", se proceda igualmente a uma nova revisão da PAC. Razão, mas pouco apoio, já que da PAC também tiram grandes benefícios países como a Espanha, a Itália ou mesmo a Dinamarca.
Por fim, mesmo imaginando que os "gigantes" encontravam uma plataforma de acordo nesta delicada transacção - com consequências eleitorais pesadas para quem ceder... -, faltará ainda solucionar outro grave dilema: saber com quanto dinheiro conta a União. É que limitando o seu orçamento a um por cento do PIB dificilmente existirão recursos para reagir a "choques económicos assimétricos", isto é, para apoiar actividades ou regiões que entrem em depressão, mitigando os problemas sociais. Ora sem o fazer e sem uma alteração de culturas políticas, nunca as instituições europeias deixarão de ser vistas pelas opiniões públicas como um problema e não como uma solução.

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O factor Turquia no "não" ao tratado

José Pedro Teixeira Fernandes / ID / id

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Os líderes europeus optaram pelo caminho que parecia mais fácil. Preferiram esquecer a opinião pública, aparentemente domesticável, ou, pelo menos, contornável, como dirão os mais cínicos, a enfrentar a fúria da Turquia e explicar-lhe que não havia condições para a adesão

Divergentes interpretações têm sido feitas sobre as razões dos resultado negativos dos referendos de 29 de Maio (França) e 1 de Junho (Holanda). Naturalmente que é difícil explicar com isenção e rigor as razões destas duas coligações negativas que recusaram ao Tratado Constitucional Europeu, não só porque se tornou evidente, pelas sondagens e inquéritos de opinião, que as razões dos eleitores franceses não são propriamente as mesmas dos eleitores holandeses, como pela grande heterogeneidade das motivações que alimentaram a dinâmica vitoriosa do "não", em ambos os países, e que até originaram insólitas coligações entre forças da esquerda e da direita do espectro político, as quais se opõem em (quase) tudo. O que parece ter-se tornado bastante evidente é que uma grande parte das motivações que basearam a recusa do tratado pelos eleitores vai para além do texto em si mesmo, tendo a ver com razões de política interna, como o descontentamento face aos governos nacionais, ou com questões europeias que não estão directamente relacionadas com o texto do tratado, como, por exemplo, a apreensão face às consequências dos alargamentos anteriores e futuros da UE, sendo o caso mais evidente o da adesão da Turquia.
Para compreendermos a importância do factor Turquia no "não" francês e holandês, vale a pena voltar a finais de 2004, na altura da Conselho Europeu de 16 e 17 de Dezembro que tomou a decisão de abrir as negociações de adesão com esse país, que se deverão iniciar a 3 de Outubro. Já na altura, o entusiasmo, pelo menos na aparência, das elites políticas europeias e da generalidade dos opinion makers dos media contrastava, flagrantemente, com o cepticismo das opiniões públicas, especialmente nos países onde a Turquia não é uma simples abstracção longínqua, exótica e mal conhecida, como em Portugal, mas uma realidade palpável e conhecida sobretudo pelos contactos históricos (Áustria, Polónia, França) e pela emigração (Alemanha, França, Holanda). Conforme foi evidenciado por diversas sondagens que foram publicadas em jornais franceses (Le Monde, Figaro), existia uma clara rejeição da adesão da Turquia à UE em países como a França, a Alemanha, a Holanda, a Áustria e a Polónia, entre outros. Este era já um dado politicamente significativo e que deveria ter sido objecto de uma reflexão séria e profunda, ponderando todas as consequências dessa decisão. Mas não foi.
Os líderes europeus optaram pelo caminho que parecia mais fácil. Preferiram esquecer a opinião pública europeia, aparentemente domesticável, ou, pelo menos, contornável, como dirão os mais cínicos, a enfrentar a fúria da Turquia e explicar-lhe abertamente que não havia condições para adesão. O arquétipo dessa "fuga para a frente" foi Chirac, que, contra a opinião pública do seu país, e até do seu próprio partido, votou favoravelmente essa decisão (quando, nos anos 80, tinha defendido a não adesão de Portugal e Espanha, por considerar que não tinham condições de entrar nas Comunidades...). Animados por este consenso ilusório, e iludidos pela "claque de apoio" da opinião publicada, os líderes europeus acharam por bem fazer ainda o auto-elogio da sua decisão, afirmando que esta "ficaria na História" e que até era a melhor prova como não existia "conflito de civilizações" entre o Ocidente e o islão (ingenuidade ou cinismo?). Que esta decisão vai ficar na História não parece haver muitas dúvidas, mas talvez não tanto pelas razões que estes pensavam e gostariam. Tudo indica que as gerações futuras vão olhar para ela como uma decisão política pouco sensata, e que, entre outras consequências que ainda falta discernir, ajudou a traçar o fim do Tratado Constitucional Europeu.
Por último, há mais uma nota curiosa em tudo isto, que vale a pena assinalar. O antigo Presidente da República francesa Valéry Giscard d"Estaing, que presidiu aos trabalhos do Tratado Constitucional Europeu, afirmou, numa conhecida polémica entrevista, que a adesão da Turquia podia levar a UE à sua destruição. A ironia é que o feeling de Giscard d"Estaing está a confirmar-se, embora não exactamente da forma que este previa: de facto, a perspectiva de adesão da Turquia está a ajudar a "destruir", não a UE (pelo menos para já...), mas a sua "criação", que foi o Tratado Constitucional Europeu.
Autor do livro Turquia. Metamorfoses de Identidade

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