quarta-feira, junho 08, 2005

NEM É PRECISO IR AOS FENÍCIOS…


1. O Prof Soares Martinez (de não grata nem feliz memória para a grande maioria dos que o tiveram como professor) nas aulas de finanças, na Faculdade de Direito de Lisboa, nos anos 60, bem referia a cada passo o “prestígio da função pública”…
Nesses tempos de efectiva contenção – não por rasgos de estratégia e de opções científicas, antes pela tacanhez própria desse regime – só esse eventual “prestígio” poderia sensibilizar os servidores públicos.

2. Na verdade, em fins dos anos 60, começos dos 70, António (nome fictício – mas só o nome), professor do ensino primário, ganhava 1 200 escudos mensais, enquanto que Bento (idem, aspas), quadro de uma empresa privada, auferia 3 700 escudos mensais.

3. Refiro os casos de António e Bento, um com um curso médio que nem a um bacharelato correspondia, o segundo, com uma licenciatura. E faço-o intencionalmente, pelo que mais adiante se verá.

4. Entretanto, e na sequência da “revolução dos cravos”, as situações alteraram-se. E de que maneira!
Era por demais evidente que a generalidade dos funcionários públicos se não podiam governar, não podiam subsistir, só com o “penhacho” do “prestígio” da função…
Isto, claro, relativamente à generalidade dos tais servidores. Porque, para certas elites, governantes incluídos, já nesse tempo se sabia que, o que era bom, não era ser ministro, mas sim ex-ministro. Nesse particular Portugal sempre se tem mantido igual a si mesmo.

5. Ora bom: houve alterações com a queda da ditadura.
Caminhou-se, então, para o equilíbrio?
De forma nenhuma: caiu-se, exactamente, no pólo oposto.
A política transformou-se mais que numa mera actividade, numa profissão. E como os políticos é que decidem tudo, trataram, antes de mais, deles próprios. Isto não obstante promessas afiançadas, em sucessivas e repetidas campanhas, de estarem em absoluto, e só, ao serviço do povo e do país…!
Mas os políticos a partir de certa altura, não olhavam apenas e exclusivamente por si, mas também um pouco, e nalguma medida, dos que lhes estavam próximos: o funcionalismo público.

6. E o que acontece, então, com António e com Bento?
Muito simplesmente isto: António viu-se, então, e de repente, cumulado de benesses, regalias, benefícios, mordomias – tudo diferente do que respeitava ao sector privado. Para muitíssimo melhor.
Este sector privado praticamente estagnou. Além de que as associações patronais eram, geralmente, bem acolhidas e as suas propostas secundadas pelo poder político. (Nalguma medida, segundo se foi apurando, porque muitas das suas associadas eram importantes suportes financeiros dos partidos. De alguns partidos, claro.)

7. Na área da saúde – só para dar um exemplo – o que se passava?
Havia para a generalidade dos cidadãos o SNS. Mas para o funcionalismo público existia um serviço paralelo – a ADSE -, mas não paralelo nos benefícios e nas contribuições.
Assim, se António adoecesse, receberia por inteiro o seu vencimento. E Bento? Bento receberia 65% do seu ordenado. (Por vezes, algumas empresas cobriam a diferença para que o empregado recebesse a totalidade do seu vencimento. Mas, algumas. Raras, certamente.).

8. E que se passou nos anos 90?
António, o tal indivíduo com um curso médio, recebeu, aos 50 anos, uma reforma correspondente ao seu último vencimento, por inteiro. Números redondos, quatrocentos contos, a passar.
E Bento?
Bento, quadro de uma empresa, com um curso superior, “teve” de se pré-reformar aos 55 anos, teve de se contentar com uma reforma que correspondia, no máximo, a 60% da média de vencimento dos melhores 10 anos dos últimos 15 de trabalho, e com um desconto de 15% sobre o valor dali resultante!!!
Ou seja, ficou com uma reforma de, mais ou menos, duzentos e cinquenta contos!...

9. Ficou compreendida a diferença, no essencial?
E isto sem entrar em pormenores relativamente às mais altas esferas dos dirigentes políticos… Porque aí…

10. Creio que, desde os tempos da “outra senhora”, o que a função pública pretendia, não era suplantar, em benefícios e regalias, a função privada.
Pretendia, naturalmente, e apenas, não ficar em desvantagem.

11. Só que certos políticos aplicando certas “convenientes políticas”, subverteram tudo isto. Cavaram o inadmissível abismo.

12. E aí está o resultado. O escândalo.
Agora os beneficiados, claro que reclamam direitos adquiridos, dizem-se injustiçados, acusam os inocentes e bem intencionados, e não abrem mão do “bem-bom”.
Claro!
Entendido?

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