quinta-feira, junho 09, 2005

“SÍTIO” DO SIM, DO NÃO E DO TALVEZ


Nem catástrofes nem milagres, apenas bom senso

José Pacheco Pereira / PÚBLICO / QI 09JUN05

Se havia dúvidas sobre a qualidade da condução política da União Europeia, dos dirigentes que a levaram a este processo "constitucional", a forma como estão a reagir aos "nãos" francês e holandês é um bom exemplo de irresponsabilidade e cegueira. Uso duas palavras fortes, mas que não são tão fortes como a realidade, são ainda eufemismos para a revelação de até que ponto pouco lhes interessa a Europa e o seu destino, mas sim o seu sucesso interno e não perder a face.
Quem os ouça pode encontrar no seu discurso o mais temível catastrofismo, os argumentos ad terrorem que já caracterizavam a pressão aos eleitores para votarem sim. Quem os ouça pensa que a União está para acabar amanhã, no meio do caos e dos ajustes de contas. Prestam assim um péssimo serviço à Europa que dizem querer construir e cujo abalo vem mais da sua irresponsabilidade e da forma como conduziram as coisas do que de males definitivos do processo político europeu. São eles que estão mal, não é a Europa, que ainda tem um capital de energias mais que suficiente para ultrapassar a crise a que a conduziram.
Comecemos pelo princípio: alguém que tivesse mantido o bom senso e a frieza analítica podia estar convencido de que a Constituição iria avante? Duvido. Bastava analisar o que acontecera nas anteriores experiências referendárias para documentos com muito menor ambição política do que o Tratado Constitucional Europeu (TCE), como o Tratado de Nice. Bastava ver o que aconteceu com o documento que o tinha precedido, a Carta dos Direitos Fundamentais, realizado com o mesmo espírito regulador e uniformizador da União Europeia, a mesma vontade de reduzir diferenças através de normas abstractas e necessárias em todos os sítios do mundo, menos na Europa comunitária. A Carta, precursora do chamado "método convencional" que deu o TCE, só avançou porque não tinha validade sobre o direito nacional, sendo que a oposição do Reino Unido ao documento levou a que ele fosse apenas aceite como uma declaração geral e abstracta de princípios, um típico exercício - europeu de vacuidade.
Com o TCE, já se sabia que as probabilidades de passar no conjunto dos referendos era quase nula e mesmo assim avançou-se para tentar forçar a realidade. Nem os mais pessimistas previam o voto "não" da França e da Holanda, mas que a solução TCE tinha sérios problemas para ser validada todos sabiam. Quis-se, insisto, forçar a realidade e esta vingou-se em grande. Mas havia um aspecto mais sinistro neste forçar da realidade, que era a tentativa de - num processo de ratificação de 23 ou 24 contra um, sendo que esse um era pelo menos o Reino Unido - criar uma realidade deliberada de força e isolamento que não tinha precedentes na Europa a não ser na questão austríaca, que ninguém quer lembrar, mas que tem também as mesmas assinaturas dos autores do TCE.
A ideia era: se se isolar o Reino Unido, este terá de tomar a opção de manter-se ou sair da União, mas não pode continuar a ser o desmancha-prazeres. Assim isolados, talvez os ingleses dessem o passo atrás que muitos desejam ou o Governo mais europeísta de sempre, o de Blair, conseguisse fazer passar o TCE.
É importante voltar aqui porque os mesmos ingredientes de cegueira e prepotência se revelam no modo como se está a reagir ao curso dos acontecimentos suscitados pelo "não": nada se passa, dizem os mesmos donos da Europa, continuemos os referendos, no fim faz-se a contabilidade nacional, dez aprovaram, dois recusaram, um adiou, continuemos normalmente. Alguns, mais atrevidos, já fazem no Parlamento Europeu a contabilidade demográfica, como se a Europa tivesse sido assim construída pelos seus fundadores: tantos milhões já aprovaram o TCE, mais do que os milhões que o recusaram. Ora ainda não se chegou lá, nem espero que se chegue lá, a este tipo de contabilidade demográfica dos "europeus", feita acima e contra a sua diversidade e soberania nacional. Espero que ainda, na União, o Luxemburgo continue igual à Alemanha. E já agora Portugal com os seus escassos dez milhões.
Continuar na mesma é cegueira porque nenhum bom resultado sairá deste percurso. Vão expulsar a França e a Holanda? Vão expulsar o Reino Unido? Vão fazer duas Europas, num processo que não tem nada a ver com o euro ou Schengen ou qualquer "cooperação reforçada", porque a exclusão entre os que aprovarem o TCE e os que não aprovarem só pode ser de poder político europeu e não o afastamento de uma qualquer política sectorial? Não é realista pensar nisso e no entanto eles persistem no erro para não perder a face.
Os responsáveis por este impasse, fruto de um longo caminho de irrealismo, adiamento das soluções e de engenharia utópica europeísta, deveriam dar prioridade ao bom senso. Ver o que realmente é necessário para a governabilidade da União depois do alargamento, se é que é necessário fazer alguns ajustes urgentes. No fundo, convém não esquecer que foram os mesmos proponentes do TCE que fizeram e aprovaram o Tratado de Nice, que agora tanto vilipendiam, como foram os mesmos partidos que o apoiaram em Portugal (PS, PSD, PP) que agora nos dizem ele ser terrível.
Depois, haja vontade política, praticamente tudo o que a Europa necessita para avançar nos dias de hoje pode ser implementado com base nos tratados existentes. Claro que este "haja vontade política" vai ao cerne da questão de por que razão se preferiu a engenharia utópica ao resolver dos problemas. PAC, PEC, financiamento da União, "cooperações reforçadas" no euro, em Schengen, reforço dos poderes da Comissão, afectados pela crise do PEC, menos egoísmo nacional na coesão, tudo isto pode ser avançado e muito sem nenhum novo tratado.
O que é que não marcha tão depressa? É o projecto político gaullista de uma Europa política competitiva com os EUA, é o esboço federal através da constitucionalização dos tratados existentes, são os poderes acrescidos do Parlamento Europeu e do Conselho, é a desigualdade institucionalizada através da criação de comissários de primeira e de segunda, e do fim das presidências rotativas. A Europa permanece assim complicada em vez de ser "simplificada" à força? E depois? A Europa tem muita história, é complicada. Mais vale complicada do que pouco democrática, vogando por cima dos Estados e geradora de desigualdades entre as nações.
Historiador

.

.

.

Acerca do artigo que se segue faço notar o seguinte: o trabalho de Augusto M. Seabra desdobra-se em duas partes, neste caso, em dois distintos temas. O primeiro, respeitante à problemática da Constituição Europeia. O segundo, relativo ao momento político interno actual.

Transcrevo-os a ambos, porque os reputo de muito importantes.

Porém, sob a presente rubrica, apenas a primeira parte do seu trabalho.

Numa outra rubrica, a que chamarei “EM DESTAQUE”, transcrevo a segunda parte do mesmo artigo.

É claro que o título e o destaque inicial do artigo têm mais, ou só, a ver com a sua segunda parte. O título, porém, por óbvias razões, vou mantê-lo aqui.

.

.

.

"Bater forte neles" e a lógica dos populismos

Augusto M. Seabra / id /id

António Barreto é um europeísta, aliás galardoado com uma das distinções que com maior relevo consagra esses valores, o Prémio Montaigne. Mas António Barreto tornou-se progressivamente o mais reticente dos europeístas.
Adversário declarado do "tratado instituindo uma Constituição para a Europa", rejubilou no PÚBLICO de domingo com o "non" francês. É normal, tanto quanto se tratou de uma decisão soberana. Mas com alguns argumentos que para o intelectual, sociólogo e político que é suscitam a maior das perplexidades.
Por exemplo, este: "O caso francês, aliás, merece ficar na história. Com efeito, foi uma estrondosa derrota aquela que sofreu, por métodos limpos e democráticos, a mais vasta coligação política jamais feita. Os 40 maiores partidos europeus nacionais de esquerda e de direita, duas dúzias de chefes de Estado e de primeiros-ministros, a Igreja católica, uma massa interminável de jornais e televisões, um sem-número de intelectuais e artistas e centenas de agências de propaganda juntaram os seus esforços."
A mais vasta coligação política essa, meu caro António Barreto? Sim, houve de facto em França uma inédita e inaudita coligação, mas foi a do "non".
Por ironia, mas assaz sintomática, o artigo de Barreto vinha ilustrado com uma imagem contendo palavras de ordem do PC francês. Com um pouco mais de generosidade, mas dentro do mesmo campo e das suas ambiguidades, poderia caber uma imagem de um pin do PCP, com uma memória militante: "A luta continua, Barreto para a rua!"
Não posso senão respeitar, no plano dos princípios e do debate político, que soberanistas, ultraliberais adeptos tão-só de um mercado comum e eventualmente da zona euro, ultrafederalistas, comunistas ortodoxos, comunistas internacionalistas acratas etc., tenham todos razões contra o tratado constitucional. Mas sejamos muito claros: se há razões estruturais de práticas políticas que não devem de modo algum ser escamoteadas e antes cuidadosamente ponderadas, a enorme salada que em França produziu o "non" obteve a vitória pela conjugação de dois factores: a politiquice mais miserável, a das ambições de liderança de Laurent Fabius até agora execrado "à esquerda" como paradigma do "liberal", e a pulsão de populismos, a revolta da "França de baixo" contra a "França do alto".
A irracionalidade desta revolta rasteira é tal que bem se poderia parafrasear uma célebre declaração de August Bebel e constatar que hoje, na vulgata do "não de esquerda", "o antieuropeísmo é o socialismo dos imbecis" - embora seja certamente demasiado supor que a esmagadora maioria dos adeptos do "não de esquerda" conheça os princípios e a história do internacionalismo.
Tínhamos de resto tido disso um exemplo alucinado em Portugal e até precisamente em eleições europeias, com o famoso e inacreditavelmente reaccionário cartaz do Bloco de Esquerda, o do pasteleiro proclamando "Bater forte neles", síntese da moca de Rio Maior no 25 de Novembro com a tipologia dos movimentos populistas que em Itália se designaram de "qualunquismo" (a "revolta" do "homem qualquer", "vulgar") e em França de "poujadismo".
Então eleito nessa base (embora, sejamos claros, que a isso obriga o rigor intelectual, certamente não só, porque a consideração sociológica e ideológica dos votantes do Bloco é outra coisa), o eurodeputado Miguel Portas tem-se tristemente mostrado como pessoa que abdicou de princípios. Recentemente assinou uma proposta de moção de censura a Durão Barroso procedente de um partido britânico de direita radical; depois, disse-se esclarecido e desvinculou-se, afirmando: "Para esse peditório populista, não dou." Pois não, mas já tinha dado!
Crítico

.

.

.

Tratado está "morto", defendem eurodeputados

Helena Pereira / PÚBLICO / ID

Eurodeputados portugueses, do Bloco de Esquerda ao PSD, consideraram ontem que o tratado constitucional europeu está "morto" ou "ferido de morte" e que é inútil prosseguir o processo de ratificação.


Para o deputado social-democrata e primeiro-vice-presidente do PPE (Partido Popular Europeu) João de Deus Pinheiro, "insistir nesta Constituição, neste momento, é um erro político que suscitaria profunda e acrescida desconfiança dos cidadãos".

Vasco Graça Moura, também do PSD, considera "inglório continuar com os referendos" e sugere que se deveria antes procurar, pelo menos, "salvar uma parte do tratado".

Já para Manuel dos Santos (PS), o tratado está "ferido de morte" e será um "disparate" insistir no processo de ratificação, pois tal "tornará ainda mais evidentes as clivagens".

Luís Queiró (CDS) considera que Portugal "tem uma obrigação constitucional" de cumprir a sua parte no processo de ratificação, embora admita que "daqui a pouco não há o que referendar".

Ilda Figueiredo (PCP) entende que "é óbvio que o processo deve ser encerrado" e há que "enterrar o morto", pois "não há outra solução jurídico-politicamente correcta", e se o governo português "teimar" em avançar com um referendo tal constituirá "um novo acto desta farsa que não tem sentido".

Para Miguel Portas (BE), o tratado está "politicamente morto", a decisão do Reino Unido apenas "acentua esse facto", e este é o momento indicado para "abrir pela primeira vez um grande debate sobre a Europa".

.

.

.

A longínqua identidade europeia

José Manuel Barroso / DIÁRIO DE NOTÍCIAS / id

.

.

.

Deus Pinheiro critica insistência no referendo

Luís Naves / id / id

.

.

Sem comentários:

free web counters
New Jersey Dialup