quarta-feira, junho 15, 2005

ESCAPADELAS/2


Fim-de-semana no Alentejo/2

No Sábado, 11 de Junho, fomos almoçar ao Lousal, que se situa na freguesia de Azinheira de Barros, no extremo Sudeste do concelho de Grândola. O Lousal é uma pequena povoação de cerca de 700 habitantes, que mais não é que o que resta de uma exploração de pirites, desenvolvida entre 1900 e 1988, ano em que cessou a actividade extractiva da mina.

A malha urbana da localidade era constituída pelos bairros operários, construídos em banda, como era hábito nas zonas habitacionais operárias, e um conjunto de vivendas, que se destinavam aos trabalhadores administrativos e aos técnicos.

Para além disso havia, evidentemente, a escola e a igreja. Além da casa do director ou administrador (sempre belga ou francês), rodeada de muros altos impondo uma certa inacessibilidade e uma conveniente privacidade.

Havia também, claro, uma central eléctrica autónoma, um armazém, um salão de festas, a casa de saúde, o posto médico, a farmácia e outras instalações comerciais e desportivas, nomeadamente.

O apogeu da actividade extractiva ocorreu dos anos 40 aos 60, tendo sido nessa altura que maior incremento tiveram algumas acções de carácter social.

Da mina extraía-se, sobretudo, pirite, destinada aos mercados interno e externos. A pirite é o sulfureto mais abundante na natureza, que contem um alto teor de enxofre, utilizado na produção de ácido sulfúrico e no fabrico de superfosfatos (adubos agrícolas).

A actual proprietária do terreno e das edificações, bem como parceira no processo de musealização das minas, é a Sapec.

Um antigo armazém é hoje um restaurante de apreciável qualidade, onde, pelo menos neste Sábado ao almoço, havia música ao vivo, com cantares dum magnífico coro alentejano, com fados e com um “entertainer” que além de ir explicando a história da mina, ia contando umas anedotas (em geral sobre alentejanos… - não têm complexos e divertem-se com a ideia [errada, em grande medida, digo eu] que em geral as pessoas têm dos alentejanos).

Hoje, o Museu Mineiro do Lousal, projecto que a arqueologia industrial tem vindo a desenvolver, já é constituído pela Central Eléctrica, pelo Centro de Interpretação (auditório), pelo Restaurante Armazém Central e pelo Centro de Artesanato, entre outras realizações. O antigo palacete do administrador é hoje uma albergaria – Albergaria de Santa Bárbara.

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O lanche foi no Monte do Reguengo, mesmo junto à aldeia de Vale de Santiago. Este monte tem 400 hectares (imaginemos um quadrado de 2km por 2km ou então um rectângulo com 4km por 1km). Este de D. Maria João Costa Moura Botelho Brito Paes, em que, além de produzir cortiça é essencialmente uma coudelaria. Trabalha com cavalos da raça lusitana, mas têm também raças puras inglesa e alemã e irlandesa.

A coudelaria – Coudelaria Brito Paes – é um projecto idealizado por D. Maria João e seu marido, já falecido, abraçado e concretizado, de alma e coração, sobretudo pela sua proprietária e pelo filho mais velho.

Um olá e um beijo para a Jana!
Um olá e um abraço para o Zé Tiago,
para os quatro irmãos
e um beijo para a suave e doce mana,
a Filipa Margarida!

A coudelaria, muito visitada por grupos de turistas ingleses e americanos, é constituída por um pátio onde se situam diversas boxes com alguns potros e cavalos, quase todos (ou todos, não estou certo) puros sangue lusitanos.

Depois existe um picadeiro, com uma galeria para os espectadores dos espectáculos que aí se desenrolam.

Há ainda mais um conjunto de boxes isoladas e especiais, onde está uma selecção de garanhões, entre eles puros sangue lusitanos, e alguns puros sangue de raças estrangeiras (um inglês, um irlandês, um alemão).

Existe ainda um local para refeições e convívio dos grupos de visitantes. Além de um picadeiro para treinos.

A gestação dum equídeo é de 11 meses.

Um potro, mal nasce, de imediato se põe de pé.

Aliás, uma característica dos equídeos é a de estarem sempre de pé (mesmo quando dormem) e sempre a comer.

Em geral, a égua “cheia”, quando se avizinha o momento, procura um sítio isolado e, sozinha, pare. E isso acontece, em princípio, de noite.

O parto, em princípio, é fácil e corre sempre bem.

O potro aos seis meses é desmamado. Depois, já apartado da mãe, durante dois meses é “ameigado” (fase em que existe um grande contacto humano com ele e em que lhe é posto o cabeção ou cabresto – operação a que ele reage, mas a que se vai habituando aos poucos). Esta fase, em que é acariciado [objecto de meiguice – donde o termo “ameigado”], pelo tratador, pelo criador e pelo dono, é de grande importância na “educação” [domesticação] do potro.

Passados esses oito meses após o seu nascimento, o potro é posto em total liberdade até aos três anos.

Aos 3 anos o potro é então separado para ser “desbastado” – nova fase de contacto humano (para que foi importantíssima a fase em que foi “ameigado), que é quando ele se habitua a ser montado e aprende todos os rudimentos – obedecer, nomeadamente, aos sinais para o passo, o trote ou o galope, assim como os outros – necessários a qualquer das actividades para onde pode ser orientado: salto, corrida, toureio, “dressage”, etc.

A partir dos 4 anos, o potro – já cavalo – pode começar a cobrir. Pode ser reprodutor.

Uma égua pode ser coberta e ter crias até aos 18 anos.

Uma característica – que não é exclusiva das éguas nem do reino dos animais irracionais – é que um seu período de grande fertilidade é o dos oito/dez dias que se seguem ao parto. Sendo certo que os criadores evitam, não deixam, que ela seja coberta nesse período.

Claro que a matéria das coberturas das éguas é de extrema importância numa coudelaria, com vista à pureza das raças e aos melhores cruzamentos. As “linhagens”, os “pedigrees” só com uma estreita vigilância podem ser conseguidos e mantidos.

Aqui nada pode ser deixado ao acaso. As árvores genealógicas são de decisiva importância. E para conseguir esse objectivo, o criador tem de ter uma atenção e uma vigilância extremas.

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No Domingo 12, fomos conhecer a herdade do Vale Pereiro (um pouco mais pequena, com cerca de 130 hectares) e a barragem de Campilhas, ali perto (tudo não muito longe do Cercal. Cercal do Alentejo, é evidente).

Regressados ao Monte do Vale de Santiago.

Num alpendre pode ler-se, nuns 9 azulejos, o abecedário do lavrador:

«Macho caprino é “chibato”
Se for velho e se for barbado
Carneiro novo é “malato”
Se já da mãe apartado.

Se a cabra é de pouca idade
“Anaca” tem de “apelido”
Se ainda não tiver perdido
Toda a sua virgindade.

À mula de tenra idade
Dá-se o nome de “mamona”.
A égua da mocidade
É “poldra”… Depois “matrona”.

Filho da égua é cavalinho
Se o cavalo for certeiro.
Mas será “um macho inteiro”
Se o burro for mais certinho.

Diz-se “borrego rancolho”
Se não pode ser “paisana”
(1)
Falta-lhe “um” (2)… tem esse “escolho”
Ovelha velha é “badana”.

“Macho asneiro” (3) é sofredor
Tem da burra a resistência
Casada por “conveniência”
Com um belo trotador.

“Macho eguariço” é mais forte
Herdou da mãe a nobreza
Tem da égua melhor porte
Tem do burro a natureza

Porca jovem – “marrã”
Ovelha estéril – “machorra”
Porque não cria – “está forra”
Mas dá sempre melhor lã

“Bácoro” é porco pequeno
Se for maior é “sovão”
“Varrasco” se for inteiro
(4)
Se mama apenas leitão.

Se o porco foi engordado
À custa da azinheira
O que aumentou no montado
Chama-se de “montanheira”

“Vitela” “vaca” e “novilho”
“Anojo” “bezerro” e “touro”
Saídos do matadouro
Carne de vaca é estribilho…

Se o gado é do “maioral”
E não pertence ao patrão
Chama-se “polvilhal”
Morre menos e é mais são…
(5)

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Notas:

(1) – “paisana” – pai
(2) – “um” testículo
(3) – “asneiro” (asno)
(4) – se for inteiro – se não for capado
(5) – a última quadra, hoje já não tem a mesma possibilidade de ser glosada: é que, hoje, como antigamente, do contrato do proprietário com o caseiro (“maioral”), além do pagamento em numerário havia uma importância compensada em géneros. Assim, para além do ordenado e outros encargos (hoje, neste Monte, pelo menos, água, electricidade e telefone), o caseiro tem direito a tantas cabeças de gado (além de tantos porcos e porcas, etc.). No entanto, hoje o gado tem todo uma identificação, o que faz com que se saiba o que é que é de quem. Antigamente, não. Sabia-se, apenas, que da totalidade de vacas, tantas (5, 8 10, por exemplo) eram do caseiro (“polvilhal”). Logo, vistas as coisas assim, “à molhada”, antigamente, se adoecia ou morria um animal, nunca era do “polvilhal”… Mas sim do patrão!...

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Como sempre… Tudo o que é bom acaba depressa (ainda que se trate de um fim-de-semana mais comprido) …

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E regressámos ao bulício stressante da cidade!

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