quarta-feira, junho 13, 2012

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA - III




Fez anteontem 455 anos que morreu D. João III, "numa Sexta-feira, 11 de Junho" de 1557, 3 anos depois de ter morrido o seu último filho sobrevivente - dos 10 que teve -, o infante D. João Manuel [1554] que foi o pai de D. Sebastião - que nem chegou a conhecer. A D. João III sucedeu, pois, o neto, D. Sebastião, nessa altura com cerca de três anos de idade (nasceu a 20.01 daquele ano de 1554). Assim, o reinado do novel rei começou com a regência da rainha viúva D. Catarina, sua avó.
Continuação…

A crueldade e a intolerância de D. João III, a que também conduzia o seu fanatismo religioso, foram bastante prejudiciais ao país. Desejoso de nele implantar o Tribunal do Santo Ofício [sic! Não seria uma heresia a designação? Atendendo à sua acção, a designação é, no mínimo, um absurdo] e nos seus domínios, travou com a cúria romana as mais demoradas negociações, gastando enormes quantias. O fundamento era, apenas, o de salvaguardar a unidade da fé católica no reino.

Assim, em 1531 D. João III encarregou o seu embaixador Braz Neto de solicitar a Clemente VII (219º) uma bula para o estabelecimento da inquisição em Portugal. Ao que o papa respondeu afirmativamente, enviando, em 17.12 do mesmo ano, ao monarca português a bula Cum ad nihil magis, em que nomeava Frei Diogo da Silva comissário da Santa Sé e inquisidor no reino de Portugal e seus domínios. Bula, porém, que foi suspensa pelo breve Nuper Fidei Catholicae, de 17.10.1532.

Bula (Pontifícia) é um instrumento de comunicação de uma decisão do papa cuja importância reside não só no conteúdo e solenidade do documento pontifício, como tal, mas também na apresentação e forma externa do documento, a saber, lacrado com pequena bola (em latim, "bulla") de cera ou metal, em geral, chumbo (sub plumbo).

Já o Breve (pontifício) é um instrumento destinado a comunicar resoluções (pontifícias) com mais rapidez e menos formalismos que as bulas, tendo menores requisitos que estas.

As negociações recomeçaram, chegando ao ponto de o rei ameaçar abandonar a igreja, à semelhança do que fizera Henrique VIII, se o papa não satisfizesse a sua vontade.

Por curiosidade e como contraponto histórico, foi Paulo III (220º) que, em 1538, expediu a bula de excomunhão e deposição de Henrique VIII de Inglaterra. Mas foi no pontificado de Clemente VII que Henrique VIII de Inglaterra se separou da igreja romana, já que o papa lhe recusara licença para se divorciar

Afinal a tenebrosa instituição ficou estabelecida no reino pela bula de Paulo III (220º), Cum ad Nihil Magis, de 23.05.1536, mas não com o rigor que o fanatismo do rei exigia, sendo instituído o horrendo tribunal na sua forma mais completa e definitiva e com duplo estatuto (como tribunal eclesiástico e tribunal da Coroa) pela bula Meditatio cordis, de 11 anos depois, 16 de Julho de 1547, do mesmo papa, data em que também é restabelecida a Nunciatura Apostólica (a embaixada do Vaticano) em Lisboa.

Por sinal, e mera curiosidade, foi naquele ano de 1536 que Calvino fundou o calvinismo e que morreu o célebre humanista holandês Erasmo de Roterdão (Desiderius Erasmus)

No mesmo ano de 1547 é publicada a primeira lista de livros proibidos pelo Tribunal do Santo Ofício

Não sei se se trata de lapso, ou se será mesmo assim: aquela bula, de 23.05.1536, através da qual Paulo III (220º) concedeu, enfim, o estabelecimento da Inquisição no nosso país, tinha o mesmo nome (ou seja, começava pelas mesmas palavras) que a de Clemente VII (219º), de 17.12.1531, com o mesmo objectivo, mas pouco depois (em Outubro do ano seguinte) suspensa. Segundo o autor que aqui se segue nesta matéria, nessas duas datas (17.12.1531, e 23.05.1536) a concessão foi feita através de rescrito que em ambos os casos se designava por bula Cum ad nihil magis. [PMO, p 189]

O apressado e perverso anseio de D. João III foi satisfeito, ainda que com algumas restrições. Mas os abusos que, desde o início, a Inquisição portuguesa praticou, levou-o a suspender as execuções do nosso Santo Ofício. Ao que D. João III respondeu com a expulsão do núncio. Foi Inácio de Loiola que interveio como mediador, para o regresso do núncio. Com quem o nosso monarca, mais papista que o papa, nunca se entendeu.

Se é verdade que durante o reinado de D. Manuel e primeiros anos do de D. João III a nossa gesta expansionista atingia o seu zénite, também é certo que D. João III “não possuiu a clarividência e a flexibilidade políticas necessárias à manutenção do império que ajudou a criar, pelo que foi, ainda, durante o seu reinado, que se iniciou o período de declínio do domínio português sobre os territórios até aí descobertos”, até pelos difíceis problemas que a administração à distância impunha. [BU] Aliás, se D. João III “ficou conhecido por sua religiosidade, piedade [e] preocupação com as artes” também é verdade que o caracterizaram “certa lentidão nas decisões políticas” [Autores]  

Realmente, se, por um lado, D. João III “desenvolveu políticas de reforço das posições portuguesas na Índia, tratando de assegurar o monopólio de especiarias conseguido através do resgate das Molucas durante uma viagem de Fernão de Magalhães”, por outro, “conseguiu igualmente estabelecer contacto com a China e o Japão” e “no seu esforço de expansão comercial, intensificou contactos com as regiões bálticas e renanas.” Porém, teve de sacrificar, abandonando-as, praças marroquinas “(Safim, Azamor, Alcácer Ceguer e Arzila) [por um lado] para maximização do comércio da Índia e exploração das potencialidades do Brasil” [BU], por outro, pelo enorme dispêndio em homens e armas que a sua defesa e manutenção exigiam, sem correspondente proveito, o que se tornou insustentável.
Ainda em matéria de política ultramarina, “como compensação das dificuldades no Oriente e revezes em África, voltou-se D. João III para o Brasil, realizando a primeira tentativa de povoamento e valorização daquele território, primeiro com o sistema de capitanias e depois instituindo um governo geral, com Tomé de Sousa à frente.” [Portal]

Em matéria de política externa é de referir uma fonte que sustenta que em nenhum outro reinado da 2.ª dinastia manteve Portugal uma tão grande actividade diplomática, como no de D. João III, e com a Espanha, de uma maneira intensa. Com a França, de maneira bastante delicada, devido à guerra de corso movida pelos marinheiros franceses aos navios mercantes de Portugal e consequentes represálias por parte da nossa marinha de guerra”, como são de sublinhar “as relações estabelecidas com os países do Báltico e a Polónia, através da feitoria de Antuérpia.” [Portal]

No domínio da política interna a linha absolutista acentua-se nitidamente com D. João III. Este governa apenas com o auxílio do secretário de Estado, António Carneiro e seus dois filhos Francisco e Pêro de Alcáçova Carneiro.” “Todavia, o seu reinado conheceu gravíssimas crises económicas e recorreu-se aos empréstimos externos.” Nele se fez sentir a fome, grassaram algumas epidemias e deu-se um violento terramoto. [Portal]

Na realidade, o reinado d’O Piedoso começou exactamente quando decorria uma grave crise de fome e quando se iniciou um surto de epidemias até 1523, tudo na sequência de maus anos agrícolas.
E também de 1527 há “Notícias de grande pestenença, obrigando D. João III a abandonar Lisboa.” [Graça]
Como há notícia de um violento terramoto em Lisboa, na SX 20.01.1531, que vitimou mortalmente umas 30 000 pessoas, o equivalente, então, a cerca de 2% da população da cidade. Segundo relato de Bernardo Rodrigues, in Anais de Arzila, "guardando a ordem dos anos, direi do seguinte, de trinta um, no principio do qual ouve neste reino de Portugal muito trabalho, por aver nele peste e terremotos, com tremer a terra e caírem casas e edeficios, onde morreo muita jente ; e tal espanto e medo pôs que andávão as jentes espantadas e fora de si, que não ousávão a entrar, nem dormir em povoado, e saíão-se ao campo, onde dormião em choupanas e tendas que pera iso fazíão, e asaz foi isto mais em Lisboa e polo Tejo acima que em outra parte, e em especial em Vila Franca, Povos, Castanheira, Azambuja, até Santarém, e foi este terremoto a vinte de janeiro do ano de trinta um; e, como Noso Senhor é misericordioso, ouve por bem sosegar o tempo." [Wiki: sismo]

A tal ponto se degradou a situação do país que em 1538 é publicada uma lei contra a mendicidade.

Ainda em matéria de política interna, em 1527 é levado a efeito o  “primeiro numeramento da população do reino: cerca de 1,37 milhões de habitantes e 280 mil fogos; Lisboa: 50 a 60 mil habitantes; Porto: 15 mil.” Assim como em 1532 é criada a “Mesa da Consciência e Ordens, com competências, entre outras, de supervisão dos estabelecimentos assistenciais.” [Graça]

Mesa da Consciência e Ordens “foi o nome dado ao tribunal instituído por D. João III em 1532, com a função de tratar de assuntos relativos ao direito e administração dos mestrados das Ordens militares que tinham passado para o reino” [Info: Mesa] e “para a resolução das matérias que tocassem a ‘obrigação de sua consciência’.” [AATT].
“Com reuniões diárias no Paço, em cada dia da semana tratava de diferentes assuntos.” [Info: id].
Na sua globalidade a Mesa “era constituída pelas seguintes repartições: Secretaria da Mesa e Comum das Ordens, Secretaria do Mestrado da Ordem de Cristo, Secretaria do Mestrado da Ordem de Santiago da Espada, Secretaria do Mestrado da Ordem de São Bento de Avis, Contos da Mesa e Contadorias dos Mestrados/Secretaria das Arrematações (ou da Fazenda) e Tombos das Comendas, Chancelaria das Ordens Militares, Juízo Geral das Ordens, Juízo dos Cavaleiros e Executória das dívidas das comendas. [AATT]
“O primeiro Presidente surge em 1544 [reinado de D. João III] e o primeiro regimento em 1558 [já no reinado de D. Sebastião, mas na Regência de sua avó, a rainha viúva D. Catarina], confirmado pelo Papa [Pio IV (224º)] e por D. Sebastião, em 1563 [agora na Regência de seu tio-avô, o cardeal D. Henrique, cunhado de D. Catarina], tendo sido reformulado em 1608 [já sob Filipe II].” [AATT]. Por esta reformulação de 1608 do regimento “determinou-se a existência de escrivães das ditas Ordens (com um livro de atas cada um), um escrivão de Mesa, três deputados e um presidente, devendo os pedidos de conselho e resolução do rei ser registados num livro próprio, após serem lidos em voz alta.”
A Mesa da Consciência e Ordens foi extinta durante o regime liberal, por decreto de D. Pedro IV de 16.08.1833 “com a intenção de aliviar um peso bastante oneroso e facilitar a gestão dos bens públicos. [Info: id]”.

D. João III foi uma figura polémica. Se a minha apreciação pode ser suspeita, já o mesmo se não dirá de autores que consultei, consagrados e insuspeitos, alguns deles. São eles que dizem que “D. João III marca o fim de uma época: a do esplendor das descobertas, em que Portugal encarava o futuro de forma optimista e desafogada. Vinte e três anos após a sua morte, Portugal, em graves dificuldades económicas, passa para as mãos de Espanha. Ao esplendor das conquistas, seguiu-se a dura realidade de as manter”. [Ramos] Como são eles que sustentam que o rei “tem merecido juízos discordantes na sua acção governativa. Para alguns foi um fanático, para outros um hábil monarca. É certo que recebeu o império no seu apogeu e o deixou no descalabro, mas para além da sua acção pessoal que não foi brilhante, havia outras causas mais profundas que, de qualquer maneira, produziriam os mesmos efeitos.” [Portal]
Como são eles que opinam que durante o reinado d’O Piedoso “A má administração e o desejo ambicioso de enriquecer que animava alguns governadores e muitos fidalgos, entregando-se sem rebuço à pirataria e ao roubo, causaram a decadência da Índia, concorrendo também muito a influência dos jesuítas e o estabelecimento do tremendo tribunal da Inquisição.” [Dicionário]



- [AATT]: Associação dos Amigos da Torre do Tombo: Mesa da Consciência e Ordens
- [Anais]: Annaes de El-rei D. João Terceiro, publicados por Alexandre Herculano em 1844, Parte I, Cap. II (apud [Dicionário])
- [Autores]: site PRINCIPAIS AUTORES PORTUGUESES RENASCENTISTAS
- [BU]: Biblioteca ou Enciclopédia Universal, Textos Editores. Entrada: D. João III
- [Dicionário] Portugal / Dicionário Histórico / D. João III / Transcrito por Manuel Amaral na Internet
- [Ditos, pg]:“Ditos portugueses...”  Autor desconhecido; anotado e comentado por José Hermano Saraiva
- [GEPB]: GEPB, designadamente vol 19, págs 18 e 14
- [Graça]: Luís Graça/História da Medicina e da Saúde em Portugal
- [História]: In “História e Antologia da Literatura Portuguesa – Século XVI – Literatura de Viagens – I” – Fundação Calouste Gulbenkian, Boletim nº 22, Junho de 2002 – a partir de “Peregrinação”, versão para português actual e glossário de Maria Alberta Menéres, nota introdutória de Eduardo Prado Coelho, vol. I, Lisboa, Relógio d’Água, 2001; apud Site Peregrinação, Carreira da Índia, por Leonel Vicente
- [Info: João]: Infopédia, a enciclopédia online da Porto Editora: entrada D. João III
- [Info: Mesa]: Infopédia, a enciclopédia online da Porto Editora: entrada: Mesa da Consciência e Ordens
- [Peregrinação]: Peregrinação, Fernão Mendes Pinto, cap. CCXXIII, Edição Expresso, 2004, Livro X, pág 91
- [PMO]: Padre Miguel de Oliveira: História Eclesiástica de Portugal (2ª ed, 1948) p 308.
- [Portal]: O Portal da História / História de Portugal / Reis, Rainhas e Presidentes de Portugal / D. João III; Fontes: Joel Serrão (dir.), Pequeno Dicionário de História de Portugal, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1976 e Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Volume III: O Século de Ouro (1495-1580), Lisboa, Verbo, 1978
- [Ramos]: Victor M. H. Ramos, artigo publicado na Internet
- [Versos] site “Versos de Amor e Morte / Luís Vaz de Camões / Organizadora Nelly Novaes Coelho / Ilustrado por Fido Nesti /S. Paulo. Petropolis 2006”
- [Wiki: peregrinação] : Wikipédia, a enciclopédia livre. Entrada: Peregrinação
- [Wiki: sismo]: Wikipédia, a enciclopédia livre. Entrada: sismo





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