terça-feira, junho 12, 2012

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA - II




Fez ontem 455 anos que morreu D. João III, "numa Sexta-feira, 11 de Junho" de 1557, 3 anos depois de ter morrido o seu último filho sobrevivente - dos 10 que teve -, o infante D. João Manuel [1554] que foi o pai de D. Sebastião - que nem chegou a conhecer. A D. João III sucedeu, pois, o neto, D. Sebastião, nessa altura com cerca de três anos de idade (nasceu a 20.01 daquele ano de 1554). Assim, o reinado do novel rei começou com a regência da rainha viúva D. Catarina, sua avó.
Continuação…


D. Manuel I morreu com 52 anos, na SX 13.12.1521. E D. João III, com 19 anos, foi aclamado numa cerimónia pública na igreja de S. Domingos, 6 dias depois, na QI 19.12.

D. João III e D. Catarina tiveram 9 filhos: Afonso, que morreu ainda criança; Maria Manuela, que foi a primeira mulher de Filipe II de Espanha (I de Portugal) e que morreu de parto; Isabel, que também morreu criança; Beatriz, que morreu ainda bebé de berço; Manuel, que apenas viveu cerca de três anos; Filipe, que morreu com cerca de 6 anos; Dinis, que morreu com cerca de dois anos; João Manuel, que nasceu em 1537 e morreu antes de fazer os 17 anos (casou com 15 anos [1552], com Joana, filha de Carlos V e de D. Isabel, filha de D. Manuel [logo, sobrinha de D. Catarina, e sua - do príncipe - prima direita, de quem teve um filho - D. Sebastião - que viria a nascer em 1554, já depois do pai ter morrido]; por fim, António que também morreu ainda bebé. D. João III teve ainda um filho fora do casamento, também Manuel, mas a quem foi mudado o nome, por causa das confusões com seu outro filho, para Duarte. Este filho natural de D. João III morreu com cerca de 22 anos, quando era arcebispo de Braga e teve, também ele, um filho natural, igualmente chamado Duarte.
Assim, quando D. João III morreu (com 55 anos, completados cinco dias antes) já não era vivo nenhum dos seus 10 filhos. Daí que lhe tenha sucedido o neto: D. Sebastião (que tinha, então 3 anos - donde as regências, primeiro, da avó, D. Catarina de Áustria, e depois do tio-avô, o cardeal D. Henrique). E D. Sebastião era, também, neto - pelo lado materno - de Carlos V (sua mãe era Joana, filha de Carlos V e de D. Isabel, filha de D. Manuel), e sobrinho-neto do mesmo imperador, pelo lado paterno (seu pai era João, filho de D. João III e de uma irmã do imperador, logo sobrinho deste).

“Foi durante o seu reinado que Portugal viveu o período de maior projecção internacional, encontrando-se em pleno apogeu da expansão”. [BU]

Na verdade, quando do passamento de D. Manuel e da aclamação de D. João III, “Portugal estava no apogeu da expansão ultramarina por vários continentes, mas também com problemas de uma grande complexidade.” [Info: João]

D. João III “manteve grandes preocupações ao nível da cultura, promovendo bolsas de estudo no estrangeiro, fundando o Colégio das Artes e transferindo a universidade para Coimbra.” Além de que “financiou, ainda, inúmeros colégios sob a orientação dos jesuítas” [BU], sendo que a Companhia de Jesus foi fundada em 1534, tendo sido aprovada em 1540 pelo papa Paulo III, “e nesse ano entraram em Portugal os primeiros jesuítas, que o fanático monarca acolheu com o maior entusiasmo. E, na verdade “a Companhia de Jesus tomou toda a preponderância que desejava.” [Dicionário]

D. João III assistiu, de facto, a uma notável expansão do renascimento português, no seu reinado. Na literatura destacou-se o poeta (épico) Luís Vaz de Camões, o maior vulto nacional nessa área e um dos mais celebrados mundialmente, como também surgiu Garcia de Resende, Sá de Miranda, Bernardim Ribeiro e João de Barros. Nas ciências náuticas sobressaiu o nome de Pedro Nunes, na botânica Garcia da Orta, na arquitectura Francisco de Holanda, Miguel de Arruda e João de Castilho. Mas outros nomes são igualmente de sublinhar como André de Resende, Damião de Góis, João de Ruão e Fernão Mendes Pinto. Em 1533 Erasmo de Roterdão (1466-1536), que havia dedicado uma sua obra a D. João III, é por este convidado a leccionar em Portugal, na Universidade que se preparava para transferir de Lisboa para Coimbra. O convite só se não concretizou por Erasmo ter morrido no ano anterior àquela transferência, que se realizou em 1537.
Mas O Piedoso, em 1526, havia também atribuído 50 bolsas de estudo para estudantes portugueses poderem frequentar a Universidade de Paris.

«Depois de 1542, Camões veiu frequentar a côrte de D. João III, na qual o beatério extinguira o explendor dos serões do paço, em que a aristocracia portugueza revelara uma extraordinaria cultura (…). O livro dos «Luziadas» tornou-se para os portuguezes o depósito dos germens da sua liberdade, e para Portugal ficou o eterno pregão da historia, o monumento imperecivel do seu passado. Tres gerações passaram, para que a intelligencia portugueza comprehendesse a synthese profunda contida no nome e na obra de Camões “tal é o sentido do jubileo nacional do Centenario de 1880”.» Theophilo Braga [prefácio d'Os Lusíadas duma edição de 1881]. [Site da Internet]




Os Lusíadas estão traduzidos em quase todas a grandes línguas vivas do Mundo. Designadamente em alemão, castelhano,  catalão, inglês (que foi a primeira tradução fora da Península Ibérica), em francês, russo, italiano, chinês, konkani,  dinamarquês e em eslovaco. Além de estarem traduzidos em latim (versão de Frei Tomé de Faria, datada de 1745) e em esperanto. Até em mirandês há uma versão da epopeia.

Camões, nos Lusíadas não refere explicitamente D. João III, mas tem um soneto acerca (da sepultura) do rei:

Quem jaz no grão sepulcro, que descreve
tão ilustres sinais no forte escudo?
- Ninguém; que nisso, enfim, se toma tudo
mas foi quem tudo pôde e tudo teve.

Foi Rei? - Fez tudo quanto a Rei se deve;
pôs na guerra e na paz devido estudo;
mas quão pesado foi ao Mouro rudo
tanto lhe seja agora a terra leve.

Alexandre será? - Ninguém se engane;
que sustentar, mais que adquirir se estima.
- Será Adriano, grão senhor do mundo?

Mais observante foi da Lei de cima.
- É Numa? - Numa, não; mas é Joane:
de Portugal terceiro, sem segundo.

Luis de Camões

“Em versos de grande nobreza, Camões homenageia seu rei, D. João III, morto em 1557. Junto ao seu túmulo, uma voz misteriosa pergunta sobre quem estaria ali no sepulcro ornado de ilustres sinais. Outra voz responde e, num suceder de interrogações e respostas, vai-se compondo uma visão-de-mundo amarga: a de que a morte converte tudo em nada. O poeta sabia que, apesar de sua grandeza, seu rei não perduraria, na memória do mundo, como Adriano, o imperador romano, nem como Alexandre Magno, o maior conquistador da Antiguidade.” [Versos]
Numa, creio tratar-se de Numa Pompílio, segundo rei de Roma, sacerdote, espírito pacífico a quem coube a organização religiosa do Estado [GEPB]

Já quanto ao aventureiro e explorador português Fernão Mendes Pinto e à sua obra, Peregrinação, esta é o diário ou crónica de viagens da literatura portuguesa mais famoso e mais traduzido. Foi publicado em 1614, trinta anos após a morte do autor, pelos prelos de Pedro Craesbeeck (a dinastia de tipógrafos flamengos que trabalhou em Portugal a partir de 1597, quando o país se encontrava sob o domínio dos Filipes)


Obra de conteúdo “picaresco” e “exótico” na qual se combinam a história e a fantasia, sendo por vezes difícil saber onde começa uma e a outra termina, “aliando aspectos autobiográficos e uma ficção verosímil e convincente, Fernão Mendes Pinto oferece-nos uma curiosa reportagem do impacto que tiveram os costumes orientais sobre os europeus da época, assim como um interessante testemunho da acção dos portugueses no Oriente.[Wiki: peregrinação].
Notável [na obra] é também a previsão da derrocada do Império Português, corroído por muitos vícios e abusos. [Wiki: peregrinação]

Mas ouçamos o próprio F. Mendes Pinto:
“Prouve a Nosso Senhor que cheguei a salvamento à cidade de Lisboa, aos vinte e dois de Setembro do ano de 1558, governando então este reino a rainha Dona Catarina, nossa senhora que santa glória haja, a quem dei a carta que lhe trazia do governador da Índia, e lhe relatei por palavras tudo o que me pareceu que fazia a bem do meu negócio.
(…)
E nisto vieram a parar meus serviços de vinte e um anos, nos quais fui treze vezes cativo e dezasseis vendido, por causa dos desventurados sucessos que atrás no decurso desta minha tão longa peregrinação, largamente deixo contados.” [História].

Duas notas acerca desta fala do autor: a) D. João III morrera em 1557, donde a sua referência ao exercício do poder por D. Catarina em 1558; b) as aventuras do autor terão começado em 1537, pois que em 1558 “vieram a parar [os seus] serviços de vinte e um anos” da sua “tão longa peregrinação”.

Assim, toda a acção da narrativa decorre durante o reinado de D. João III, ao qual se refere implicitamente a seguinte passagem do livro quando alude ao “rei de Portugal”: “… A mim me recebeu [o rei do Bungo] com a boca muito cheia de riso, e me perguntou miudamente por muitas particularidades, a que eu respondi acrescentando muitas coisas que me perguntava, por me parecer que era assim necessário à reputação da nação portuguesa, e à conta em que até então naquela terra nos tinham, porque todos [os reis do Oriente] então tinham para si que só o rei de Portugal era o que com verdade se podia chamar monarca do mundo, tanto em terras, como em poder e tesouro, e por esta causa se faz naquela terra tanto caso da nossa amizade.” [Peregrinação]


… continua amanhã, QA 13.06.2012…




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