Na SG 25.06.1962, fez ontem 50
anos, foi fundada, em Dar-Es-Salaam, na (actual) Tanzânia, a FRELIMO (Frente
de Libertação de Moçambique), liderada por Eduardo Mondlane.
Assassinado este, consta que pela
PIDE, na SG 03FEV1969, a poucos meses de completar os 49 anos, segue-se-lhe
na liderança, em 1970, Samora Machel, na presidência, e Marcelino dos Santos,
na vice-presidência.
Continuação…
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A derrocada do regime do Estado
Novo e do império iniciou-se na madrugada do SB 04.02.1961 em Angola. Militantes
do MPLA assaltaram dois estabelecimentos prisionais e uma esquadra de polícia,
em Luanda.
A 15 de Março seguinte, grupos da
UPA lançaram sangrentos ataques nos distritos do Zaire e do Uíge. “Os ventos do
nacionalismo tinham começado a soprar com violência em Angola e não tardariam a
atingir a Guiné e Moçambique...” [Guerra]
Nesse ano de 1961, “dois
importantes acontecimentos tinham já abalado profundamente as estruturas do
Estado Novo”. O primeiro foi a queda do chamado Estado Português da Índia às
mãos (armadas) de Nehru (líder da União Indiana, que antes quisera negociar com
o governo português a integração dessas parcelas territoriais na União Indiana)
“O outro consistiu no conjunto de revoltas desencadeadas em Angola e que
conduziu à desgastante guerra colonial” “alargada a três frentes, Angola, Guiné
e Moçambique” e que viria, em pouco, a provocar o derrubamento do regime, além
da “divisão no seio da própria estrutura do estado e o incómodo isolamento de
Portugal na comunidade internacional, ao teimar pela não resolução pacífica do
problema colonial.”
[Fórum]
Salazar, na altura daquela invasão
dos territórios da Índia e a propósito dela disse que não admitia – do nosso
lado – vencidos; só vencedores ou mortos. (Perante uma situação inelutável,
como esta … é tão fácil ser-se patriota no eremitério de um gabinete!...).
Eduardo Mondlane, nascido Eduardo
Chivambo Mondlane (1920-1969) era um moçambicano doutorado em sociologia que
trabalhava na ONU. (Adriano Moreira ainda chegou a pensar nele – e a
contactá-lo – para a administração da colónia)
Governador-geral de Moçambique era,
na altura, o almirante Sarmento Rodrigues que tinha sido Governador da Guiné e
em 1950 integrou o Governo de Salazar, como ministro das Colónias (desde 1951,
ministro do Ultramar, quando as colónias começaram a ser oficial e eufemisticamente
designadas como províncias: era o tempo do "Portugal do Minho a
Timor" - uma ilusão que a política internacional sempre repudiou).
O seu perfil liberal, porém,
inspirado na matriz ideológica Republicana, as respectivas posições assumidas
no interior do regime e os seus contactos com muitos oposicionistas da ditadura
fizeram, segundo algumas fontes, com que fosse politicamente “ostracizado” pelo
regime Salazarista nos anos 60. Chegou mesmo a ser pensado para Presidente da
República em 1965, com o objectivo de “transfigurar o “statu quo” político, tendo existido, efectivamente, um movimento
de pré-candidatura”. Mas a verdade é que, ainda “pelo seu círculo de
influências a PIDE suspeitava-o Grão-Mestre da Maçonaria Portuguesa” , como
consta explicitamente dos arquivos dessa polícia política. (Mas como? Não
cometeu o mesmo “crime” de ser maçon o general Carmona, compère de Salazar de muitos anos na encenação que mantinha a
ditadura, e outras “impolutas” figuras do regime?). Mais, o almirante Sarmento
Rodrigues era tido como “conluiado com uma corrente conspirativa contra o
regime”, donde que Salazar “o tenha impedido”, então, de exercer cargos
políticos.
Acompanhando, ainda, as mesmas
fontes, verdade que nos começos da guerra colonial revelou posições
“ideológicas polémicas para os parâmetros conservadores da ala ‘ortodoxa’ do
regime. Daí a sua acima referida intervenção, em 31.10.62, numa reunião
extraordinária do Conselho Ultramarino, onde sustentou o reforço da descentralização
ultramarina, dentro da sua concepção federalista, pelo meio ali aludido, algo
na linha do que mais tarde viria a ser, sensivelmente, a tese de Spínola no seu
“Portugal e o Futuro”, de 22.02.74… Afinal, nada de mais para um conservador e colaborador
do regime…
[Crónicas]
Foi, pois, neste quadro interno
(quer relativamente a Portugal como a Moçambique) e internacional que nasceu o,
primeiramente, movimento, depois partido FRELIMO, há 50 anos atrás. Ocorrendo,
cerca de três meses depois o seu primeiro Congresso, também este em
Dar-Es-Salaam.
Claro que, como na generalidade
dos movimentos de libertação e independentistas de territórios dominados pelo
colonialismo, a respectiva direcção política tem, se não em todos, na maioria
dos casos, uma vertente civil e outra militar. Na sua fase libertadora e nos
começos da consolidação após a independência. Por razões óbvias.
O mais antigo movimento formal de
resistência de Moçambique à colonização portuguesa, que os dados registam, foi
o da UDENAMO/União Democrática Nacional de Moçambique, formado em Outubro de
1960 em Salisbúria (actual Harare), capital do Zimbabwe, de que Óscar Kambona
foi um dos líderes.
Mas as lutas intestinas, nesse
movimento levaram um grupo de dissidentes a formar a FRELIMO, partido que era
liderado por "um homem bom e com muita força e amigos americanos e
africanos", Eduardo Mondlane, diz Fanuel Malhuza [Macua]. Este partido, segundo algumas fontes, viria a iniciar-se na luta
armada com importante apoio do exterior: recebia treino militar de guerrilha da
China, Argélia e Gana, em campo de treino neste último país, armado pela União
Soviética e pela Checoslováquia, com dinheiro da América, da Tunísia e de
Marrocos.
Em 1962, perante dissidências
internas da FRELIMO e o aparecimento de duas UDENAMO/União Democrática Nacional
de Moçambique (facções Paulo Gumane e Adelino Gwambe, exactamente pelas mesmas
razões: novas dissidências dentro da UDENAMO), é criada a FUNIPAMO (Frente
Unida Anti-Imperialista Africana de Moçambique), que podemos considerar como
antepassada do COREMO/Comité Revolucionário de Moçambique. E em 31.03.1965,
realizou-se uma conferência com a finalidade de aglutinar num só os movimentos
independentistas, projecto já antes, e agora de novo, rejeitado pela FRELIMO.
Isto levou a que as duas UDENAMO, com vários partidos de menor expressão, se
fundissem no COREMO (liderado por Paulo Gumane), que se reclamava como
representando toda a população africana de Moçambique envolvida “numa
implacável e feroz luta contra as forças selvagens do governo colonial
português (...)” [Análise].
Mas em 1968, na sequência de desaires
militares acompanhados da deserção de quadros seus a favor da FRELIMO, começou
o declínio do COREMO que, em 1971, “já se encontrava esvaziado de significado,
quer militar quer político, não sendo sequer reconhecido como movimento de
libertação pela OUA” [id].
Assim, quando chega a hora de
negociar e assinar os Acordos de Lusaca (de 07.09.1974), na Zâmbia, “Nyerere
convence Kaunda a acabar com o COREMO, que era para não perturbar as
conversações entre a FRELIMO e Portugal. Então, Kaunda acaba mesmo com o COREMO”,
segundo Fanuel Malhuza [Macua]. Como quem armava o COREMO
era Kaunda, uma das maneiras de acabar com este movimento era, precisamente,
deixar de o fazer. O que aconteceu após aquela decisão
Julius Nyerere foi presidente do Tanganica, desde a
independência deste território em 1962 e, posteriormente, da Tanzânia (que
sucedeu ao Tanganica) até se retirar da política em 1985. Foi também um dos
fundadores da Organização da Unidade Africana (OUA) em 1963 e deu sempre um
grande apoio à FRELIMO, na sua luta pela independência de Moçambique
Kenneth Kaunda foi o primeiro presidente da Zâmbia após a
independência do país do Reino Unido. Governou entre 1964 e 1991.
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Os Acordos de Lusaka, reconhecendo
formalmente o direito do povo moçambicano à independência (clª 1) estabeleceram
ainda os seguintes princípios: transferência de poderes (clª 2), regime
jurídico para o período de transição para a independência (clª 3), bipartição
de poderes sobre o território, tendo-se confiado a soberania ao Estado
português, representado por um Alto-Comissário (clª 4) e o governo ou
administração à FRELIMO, a quem foi reconhecida a prerrogativa de designar
não só o primeiro-ministro como também dois terços dos ministros do Governo
de Transição (clªs 6 e 7).
[Lusaka]
Assinaram os Acordos de Lusaka:
Pela Frente de Libertação de Moçambique:
Samora Moisés Machel (Presidente).
Pelo Estado Português:
Ernesto Augusto Melo Antunes (Ministro sem Pasta).
Mário Soares (Ministro dos Negócios
Estrangeiros).
António de Almeida Santos (Ministro da
Coordenação Interterritorial).
Victor Manuel Trigueiros Crespo (conselheiro de
Estado).
Antero Sobral (Secretário do Trabalho e
Segurança Social do Governo Provisório de Moçambique).
Nuno Alexandre Lousada (tenente-coronel de
infantaria).
Vasco Fernando Leote de Almeida e Costa
(capitão-tenente da Armada).
Luís António de Moura Casanova Ferreira (major
de infantaria).
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Uma novidade para muitos é um
documento “apresentado a Marcelo Caetano, em 1973, elaborado pelo, então,
Presidente da Zâmbia, Keneth Kaunda. O seu portador foi o Engº. Jorge Jardim,
que gozava de grande influência junto do Governo Português, do Malawi e da
Zâmbia.
Este documento só seguiu para Lisboa, após o acordo que Kenneth
Kaunda conseguiu junto da Frelimo, da Coremo e de opositores, não
guerrilheiros, ao regime colonialista.
O que se sabe é que Marcelo Caetano o recebeu e considerou uma boa
base de partida, mas não houve qualquer evolução, porque, passados seis meses,
após a elaboração do documento, aconteceu a Revolução de 25 de Abril”. [Oliveira]
A autoria do assassinato de
Mondlane não é matéria pacífica. Segundo uns teria sido Uria Simango o autor
material do crime, um dissidente da FRELIMO, o que outros contestam, como o
mencionado Fanuel Malhuza, outro dissidente. Segundo outros terá sido a PIDE, mas
o embaixador português Duarte de Jesus, “que se junta aos que não acreditam na
tese oficial que foi uma bomba preparada pela PIDE que matou Eduardo Mondlane”,
garante que “a PIDE como instituição não esteve metida na morte de Eduardo
Mondlane."
“O antigo embaixador de Portugal na China
[Duarte de Jesus] diz ter tido acesso a comunicações secretas (e agora
desclassificadas) de Marcelo Caetano e Baltasar Rebello de Sousa, governador
de Moçambique na altura, ilustrando um total desconhecimento do sucedido na
Tanzania. Ambos citavam a agência noticiosa Reuters como fonte da estória.
Rebello de Sousa, compadre de Marcelo, sugeria na mensagem encriptada que se
começasse de imediato uma campanha de intoxicação propagandística sugerindo o
fim do movimento de libertação”
[Estrada]
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Aquele embaixador sustenta, mesmo,
que uma tal afirmação não tem suporte em qualquer base documental - o que não
aconteceria se ela fosse verdadeira, parece querer fazer presumir. Julgo que
sem razão, ao que todos sabemos.
Duarte de Jesus era o diplomata
português que servia nas Nações Unidas na década de 60, tendo chegado à fala
com Eduardo Mondlane, através do telefone, em 1964 - ano do início da luta
armada em Moçambique - e também com Holden Roberto, de Angola. Iniciativas
estas que lhe valeram a demissão compulsiva do Ministério dos Negócios
Estrangeiros em 1965, só voltando a ser reintegrado em 1974, depois da
Revolução dos Cravos. Segundo o embaixador havia muitos interessados na morte
de Mondlane, depois do agitado congresso da FRELIMO em 1968: desde a facção
mais radical no seu interior à extrema-direita portuguesa.
Mas a investigação portuguesa não
afasta a hipótese de Casimiro Monteiro estar ligado à morte do primeiro
dirigente da FRELIMO.
Casimiro Monteiro, português
nascido em Goa, com uma importante folha de serviços, como mercenário na Guerra
Civil de Espanha, ao lado das tropas de Franco e como assassino do General
Humberto Delgado, não era um mero agente daquela tenebrosa polícia de Salazar,
era um verdadeiro terror, um bandido e um facínora à solta dentro da PIDE. A
juntar ao seu negro palmarés, atribui-se-lhe o assassinato de Modlane. O que,
aliás, foi confirmado pelo seu (do agente Casimiro) não menos celebrado e
sanguinário colega Rosa Casaco. Daí que não faça sentido a peremptória
afirmação do mencionado embaixador quanto à exclusão da PIDE, enquanto
instituição, deste ignóbil feito.
Discute-se é se Casimiro actuou só
ou de parceria com Robert Leroy (ex-legionário francês e também com ligações à
PIDE). Perante isto, que foi confirmado, como acabámos de ver, será possível
afastar a PIDE, ela própria, do crime?
E quanto ao processo de execução
utilizado – que o sr embaixador também afasta – acontece que dias após a morte
de Mondlane, foi divulgado na capital da Tanzânia terem sido interceptadas
encomendas-bomba idênticas, dirigidas ao reverendo Uria Simango e Marcelino dos
Santos.
Face a tudo isto, parece que o sr
embaixador tem de rever as suas teses e alegações.
… continua amanhã, QA 27.06.2012…
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