terça-feira, junho 26, 2012

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA - II




Na SG 25.06.1962, fez ontem 50 anos, foi fundada, em Dar-Es-Salaam, na (actual) Tanzânia, a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), liderada por Eduardo Mondlane.
Assassinado este, consta que pela PIDE, na SG 03FEV1969, a poucos meses de completar os 49 anos, segue-se-lhe na liderança, em 1970, Samora Machel, na presidência, e Marcelino dos Santos, na vice-presidência.
Continuação…


A derrocada do regime do Estado Novo e do império iniciou-se na madrugada do SB 04.02.1961 em Angola. Militantes do MPLA assaltaram dois estabelecimentos prisionais e uma esquadra de polícia, em Luanda.
A 15 de Março seguinte, grupos da UPA lançaram sangrentos ataques nos distritos do Zaire e do Uíge. “Os ventos do nacionalismo tinham começado a soprar com violência em Angola e não tardariam a atingir a Guiné e Moçambique...” [Guerra]

Nesse ano de 1961, “dois importantes acontecimentos tinham já abalado profundamente as estruturas do Estado Novo”. O primeiro foi a queda do chamado Estado Português da Índia às mãos (armadas) de Nehru (líder da União Indiana, que antes quisera negociar com o governo português a integração dessas parcelas territoriais na União Indiana) “O outro consistiu no conjunto de revoltas desencadeadas em Angola e que conduziu à desgastante guerra colonial” “alargada a três frentes, Angola, Guiné e Moçambique” e que viria, em pouco, a provocar o derrubamento do regime, além da “divisão no seio da própria estrutura do estado e o incómodo isolamento de Portugal na comunidade internacional, ao teimar pela não resolução pacífica do problema colonial.” [Fórum]

Salazar, na altura daquela invasão dos territórios da Índia e a propósito dela disse que não admitia – do nosso lado – vencidos; só vencedores ou mortos. (Perante uma situação inelutável, como esta … é tão fácil ser-se patriota no eremitério de um gabinete!...). 


Eduardo Mondlane, nascido Eduardo Chivambo Mondlane (1920-1969) era um moçambicano doutorado em sociologia que trabalhava na ONU. (Adriano Moreira ainda chegou a pensar nele – e a contactá-lo – para a administração da colónia)

Governador-geral de Moçambique era, na altura, o almirante Sarmento Rodrigues que tinha sido Governador da Guiné e em 1950 integrou o Governo de Salazar, como ministro das Colónias (desde 1951, ministro do Ultramar, quando as colónias começaram a ser oficial e eufemisticamente designadas como províncias: era o tempo do "Portugal do Minho a Timor" - uma ilusão que a política internacional sempre repudiou).

O seu perfil liberal, porém, inspirado na matriz ideológica Republicana, as respectivas posições assumidas no interior do regime e os seus contactos com muitos oposicionistas da ditadura fizeram, segundo algumas fontes, com que fosse politicamente “ostracizado” pelo regime Salazarista nos anos 60. Chegou mesmo a ser pensado para Presidente da República em 1965, com o objectivo de “transfigurar o “statu quo” político, tendo existido, efectivamente, um movimento de pré-candidatura”. Mas a verdade é que, ainda “pelo seu círculo de influências a PIDE suspeitava-o Grão-Mestre da Maçonaria Portuguesa” , como consta explicitamente dos arquivos dessa polícia política. (Mas como? Não cometeu o mesmo “crime” de ser maçon o general Carmona, compère de Salazar de muitos anos na encenação que mantinha a ditadura, e outras “impolutas” figuras do regime?). Mais, o almirante Sarmento Rodrigues era tido como “conluiado com uma corrente conspirativa contra o regime”, donde que Salazar “o tenha impedido”, então, de exercer cargos políticos.   
Acompanhando, ainda, as mesmas fontes, verdade que nos começos da guerra colonial revelou posições “ideológicas polémicas para os parâmetros conservadores da ala ‘ortodoxa’ do regime. Daí a sua acima referida intervenção, em 31.10.62, numa reunião extraordinária do Conselho Ultramarino, onde sustentou o reforço da descentralização ultramarina, dentro da sua concepção federalista, pelo meio ali aludido, algo na linha do que mais tarde viria a ser, sensivelmente, a tese de Spínola no seu “Portugal e o Futuro”, de 22.02.74… Afinal, nada de mais para um conservador e colaborador do regime… [Crónicas]

Foi, pois, neste quadro interno (quer relativamente a Portugal como a Moçambique) e internacional que nasceu o, primeiramente, movimento, depois partido FRELIMO, há 50 anos atrás. Ocorrendo, cerca de três meses depois o seu primeiro Congresso, também este em Dar-Es-Salaam.
Claro que, como na generalidade dos movimentos de libertação e independentistas de territórios dominados pelo colonialismo, a respectiva direcção política tem, se não em todos, na maioria dos casos, uma vertente civil e outra militar. Na sua fase libertadora e nos começos da consolidação após a independência. Por razões óbvias.

O mais antigo movimento formal de resistência de Moçambique à colonização portuguesa, que os dados registam, foi o da UDENAMO/União Democrática Nacional de Moçambique, formado em Outubro de 1960 em Salisbúria (actual Harare), capital do Zimbabwe, de que Óscar Kambona foi um dos líderes.

Mas as lutas intestinas, nesse movimento levaram um grupo de dissidentes a formar a FRELIMO, partido que era liderado por "um homem bom e com muita força e amigos americanos e africanos", Eduardo Mondlane, diz Fanuel Malhuza [Macua]. Este partido, segundo algumas fontes, viria a iniciar-se na luta armada com importante apoio do exterior: recebia treino militar de guerrilha da China, Argélia e Gana, em campo de treino neste último país, armado pela União Soviética e pela Checoslováquia, com dinheiro da América, da Tunísia e de Marrocos.

Em 1962, perante dissidências internas da FRELIMO e o aparecimento de duas UDENAMO/União Democrática Nacional de Moçambique (facções Paulo Gumane e Adelino Gwambe, exactamente pelas mesmas razões: novas dissidências dentro da UDENAMO), é criada a FUNIPAMO (Frente Unida Anti-Imperialista Africana de Moçambique), que podemos considerar como antepassada do COREMO/Comité Revolucionário de Moçambique. E em 31.03.1965, realizou-se uma conferência com a finalidade de aglutinar num só os movimentos independentistas, projecto já antes, e agora de novo, rejeitado pela FRELIMO. Isto levou a que as duas UDENAMO, com vários partidos de menor expressão, se fundissem no COREMO (liderado por Paulo Gumane), que se reclamava como representando toda a população africana de Moçambique envolvida “numa implacável e feroz luta contra as forças selvagens do governo colonial português (...)” [Análise]. Mas em 1968, na sequência de desaires militares acompanhados da deserção de quadros seus a favor da FRELIMO, começou o declínio do COREMO que, em 1971, “já se encontrava esvaziado de significado, quer militar quer político, não sendo sequer reconhecido como movimento de libertação pela OUA” [id].

Assim, quando chega a hora de negociar e assinar os Acordos de Lusaca (de 07.09.1974), na Zâmbia, “Nyerere convence Kaunda a acabar com o COREMO, que era para não perturbar as conversações entre a FRELIMO e Portugal. Então, Kaunda acaba mesmo com o COREMO”, segundo Fanuel Malhuza [Macua]. Como quem armava o COREMO era Kaunda, uma das maneiras de acabar com este movimento era, precisamente, deixar de o fazer. O que aconteceu após aquela decisão

Julius Nyerere foi presidente do Tanganica, desde a independência deste território em 1962 e, posteriormente, da Tanzânia (que sucedeu ao Tanganica) até se retirar da política em 1985. Foi também um dos fundadores da Organização da Unidade Africana (OUA) em 1963 e deu sempre um grande apoio à FRELIMO, na sua luta pela independência de Moçambique

Kenneth Kaunda foi o primeiro presidente da Zâmbia após a independência do país do Reino Unido. Governou entre 1964 e 1991.

Os Acordos de Lusaka, reconhecendo formalmente o direito do povo moçambicano à independência (clª 1) estabeleceram ainda os seguintes princípios: transferência de poderes (clª 2), regime jurídico para o período de transição para a independência (clª 3), bipartição de poderes sobre o território, tendo-se confiado a soberania ao Estado português, representado por um Alto-Comissário (clª 4) e o governo ou administração à FRELIMO, a quem foi reconhecida a prerrogativa de designar não só o primeiro-ministro como também dois terços dos ministros do Governo de Transição (clªs 6 e 7).

[Lusaka]

Assinaram os Acordos de Lusaka:

Pela Frente de Libertação de Moçambique:
Samora Moisés Machel (Presidente).

Pelo Estado Português:
Ernesto Augusto Melo Antunes (Ministro sem Pasta).
Mário Soares (Ministro dos Negócios Estrangeiros).
António de Almeida Santos (Ministro da Coordenação Interterritorial).
Victor Manuel Trigueiros Crespo (conselheiro de Estado).
Antero Sobral (Secretário do Trabalho e Segurança Social do Governo Provisório de Moçambique).
Nuno Alexandre Lousada (tenente-coronel de infantaria).
Vasco Fernando Leote de Almeida e Costa (capitão-tenente da Armada).
Luís António de Moura Casanova Ferreira (major de infantaria).

Uma novidade para muitos é um documento “apresentado a Marcelo Caetano, em 1973, elaborado pelo, então, Presidente da Zâmbia, Keneth Kaunda. O seu portador foi o Engº. Jorge Jardim, que gozava de grande influência junto do Governo Português, do Malawi e da Zâmbia.
Este documento só seguiu para Lisboa, após o acordo que Kenneth Kaunda conseguiu junto da Frelimo, da Coremo e de opositores, não guerrilheiros, ao regime colonialista.
O que se sabe é que Marcelo Caetano o recebeu e considerou uma boa base de partida, mas não houve qualquer evolução, porque, passados seis meses, após a elaboração do documento, aconteceu a Revolução de 25 de Abril”. [Oliveira]

A autoria do assassinato de Mondlane não é matéria pacífica. Segundo uns teria sido Uria Simango o autor material do crime, um dissidente da FRELIMO, o que outros contestam, como o mencionado Fanuel Malhuza, outro dissidente. Segundo outros terá sido a PIDE, mas o embaixador português Duarte de Jesus, “que se junta aos que não acreditam na tese oficial que foi uma bomba preparada pela PIDE que matou Eduardo Mondlane”, garante que “a PIDE como instituição não esteve metida na morte de Eduardo Mondlane."

“O antigo embaixador de Portugal na China [Duarte de Jesus] diz ter tido acesso a comunicações secretas (e agora desclassificadas) de Marcelo Caetano e Baltasar Rebello de Sousa, governador de Moçambique na altura, ilustrando um total desconhecimento do sucedido na Tanzania. Ambos citavam a agência noticiosa Reuters como fonte da estória. Rebello de Sousa, compadre de Marcelo, sugeria na mensagem encriptada que se começasse de imediato uma campanha de intoxicação propagandística sugerindo o fim do movimento de libertação”
[Estrada]

Aquele embaixador sustenta, mesmo, que uma tal afirmação não tem suporte em qualquer base documental - o que não aconteceria se ela fosse verdadeira, parece querer fazer presumir. Julgo que sem razão, ao que todos sabemos.

Duarte de Jesus era o diplomata português que servia nas Nações Unidas na década de 60, tendo chegado à fala com Eduardo Mondlane, através do telefone, em 1964 - ano do início da luta armada em Moçambique - e também com Holden Roberto, de Angola. Iniciativas estas que lhe valeram a demissão compulsiva do Ministério dos Negócios Estrangeiros em 1965, só voltando a ser reintegrado em 1974, depois da Revolução dos Cravos. Segundo o embaixador havia muitos interessados na morte de Mondlane, depois do agitado congresso da FRELIMO em 1968: desde a facção mais radical no seu interior à extrema-direita portuguesa.

Mas a investigação portuguesa não afasta a hipótese de Casimiro Monteiro estar ligado à morte do primeiro dirigente da FRELIMO.
Casimiro Monteiro, português nascido em Goa, com uma importante folha de serviços, como mercenário na Guerra Civil de Espanha, ao lado das tropas de Franco e como assassino do General Humberto Delgado, não era um mero agente daquela tenebrosa polícia de Salazar, era um verdadeiro terror, um bandido e um facínora à solta dentro da PIDE. A juntar ao seu negro palmarés, atribui-se-lhe o assassinato de Modlane. O que, aliás, foi confirmado pelo seu (do agente Casimiro) não menos celebrado e sanguinário colega Rosa Casaco. Daí que não faça sentido a peremptória afirmação do mencionado embaixador quanto à exclusão da PIDE, enquanto instituição, deste ignóbil feito.
Discute-se é se Casimiro actuou só ou de parceria com Robert Leroy (ex-legionário francês e também com ligações à PIDE). Perante isto, que foi confirmado, como acabámos de ver, será possível afastar a PIDE, ela própria, do crime?

E quanto ao processo de execução utilizado – que o sr embaixador também afasta – acontece que dias após a morte de Mondlane, foi divulgado na capital da Tanzânia terem sido interceptadas encomendas-bomba idênticas, dirigidas ao reverendo Uria Simango e Marcelino dos Santos.

Face a tudo isto, parece que o sr embaixador tem de rever as suas teses e alegações.

… continua amanhã, QA 27.06.2012…






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