sábado, junho 07, 2008

PRESIDENCIAIS NOS EUA – 6

telégrafo



Por mais que lhes custe aceitar os respectivos fundamentos, por mais que pretendam negar a intenção de qualquer aproveitamento ou perturbação, os democratas apoiantes de H Clinton têm de compreender que Obama não pode aceitar a partilha da Casa Branca com a sua companheira de partido, sem risco de a sua candidatura se esvaziar e perder sentido. Ou, no mínimo, ficar tremendamente fragilizada.
Também entre nós, nos últimos dias, os jornalistas, politólogos e outros colunistas têm sustentado mais ou menos a mesma posição.
Não faço ideia do que terão negociado Barak e Hillary, em casa da senadora Dianne Feinstein, apoiante de H Clinton, que os deixou “sozinhos com algumas garrafas de água e dois sofás confortáveis”, mas, finalmente, um telegrama do Diário Digital/Lusa, desta tarde (18:25:00) informava que a candidata democrata suspendera a sua campanha, felicitando e dando todo o seu apoio a Obama. Mais afirmou a senadora candidata, que solicitara o encontro: «temos de colocar a nossa energia, a nossa paixão e as nossas forças para fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para eleger Barack Obama, o futuro presidente dos EUA».

Mas, acerca dessa hipotética (e desejada por Clinton e seus apoiantes) vice-presidência, melhor é dar, de novo, a palavra ao nosso especial correspondente, Fernando, que há dias mandou uma mensagem versando essa matéria.
Hesitei em publicar o teor desse mail. Mas dado que o próprio Fernando, apesar de todas as reservas e cautelas que enumera, não receia expor-se (até porque é o que ele tem feito através das suas crónicas que sabe estarem cada vez mais no domínio público – ele próprio o referiu e aceitou), e decidiu deixar nas “Obama News” as sua reflexões de carácter mais pessoal, então achei oportuno (em concordância com um amigo comum, meu e do Fernando, através de quem recebo a informação que no n&r tenho deixado a partir de certa altura) deixar aqui a avaliação de uma pessoa que vive, in loco, este acontecimento de uma forma muito activa e participativa. Afinal o testemunho de um residente que se embrenhou, a fundo, nesta campanha, com empenho, com vigor, com garra e que nos conta a sua experiência, a sua opção e o porquê da mesma, os seus sonhos, a sua análise, a sua esperança, a sua ânsia apaixonada por uma nobre e digna causa.

Seguem, finalmente, os textos:


Obama News
- 20080602 –

Vice-Presidente?!...


Caros amigos,
Um de vós pediu-me para escrever sobre a hipótese Clinton a Vice-Presidente.
Não é solução que me agrade.
Mas não sou eu que decido.
Como não é fácil explicar, segue em anexo um texto com algumas considerações...
Um abraço,
Fernando




Clinton Vice-Presidente?


Caros amigos,

1

Há umas semanas atrás um de vós enviou-me um email com perguntas de carácter pessoal do tipo: Se, por alguma razão que não vem ao caso, a Clinton for nomeada pela Convenção como a candidata do Partido Democrático às eleições de Novembro, participarás na Campanha? Votarás nela?... E acrescentou, “certamente compreenderás porque te coloco estas (e outras) questões”.
Respondi-lhe, com a minha sinceridade de sempre. E disse-lhe que, daquela vez, não enviaria a resposta para o universo habitual das minhas Obama News. Eram opiniões muito pessoais, porventura carregadas com alguma imponderada subjectividade, emoção e, até, agressividade, que talvez não fosse correcto enviar para todos, pelo menos naquele momento.
A campanha das Primárias é longa e dura e o Obama tem sido vergastado, não só pelos meios mais conservadores e pelo Partido Republicano, o que era expectável, mas também, por vezes, dentro da própria candidatura dos Clinton (uso o plural por razões óbvias) pela candidata, ela própria, e, mais até, pelo marido que, em inúmeras ocasiões, mais parece estar a fazer a sua própria campanha eleitoral do que a participar na da sua mulher.
Desde o início da campanha que decidi tomar partido e participar num movimento que, penso, é necessário para os EUA e para o mundo. Não sou neutro. Nunca fui. Mas, simultaneamente, tenho sempre procurado ser objectivo e honesto nas informações que vos envio.
A razão fundamental porque não enviei a minha resposta para todos tinha a ver com as minhas emoções e com o receio de não ser compreendido a esse nível. Estava a falar de mim, de dentro de mim, não reflectindo a posição pública que poderia vir a tomar, mas apenas o meu instinto e a minha inteligência, as minhas forças e os meus desejos.
Na Política, como na vida, temos, por vezes, de ceder, de conceder, de decidir diferente do que queremos decidir. Principalmente quando o que interessa não é este, ou aquele, ou cada um de nós, ou a afirmação das nossas opiniões, mas os outros, uma nação, um país, ou o mundo. O que respondi ao meu amigo era o que me ia na alma…

2

Hoje recebi outro email, de outro amigo, a pedir-me que falasse da hipótese Clinton como Vice-Presidente do Obama.
Respondi pedindo uns dias para reflectir.
Para observarmos o que se irá passar amanhã, terminadas as Primárias, noite dentro, quando aí já o sol tiver nascido e aqui ainda se estiverem a contar votos e a arrumar bandeiras e cartazes. Não se esqueçam que Montana fica na costa oeste e South Dakota quase lá e que a diferença de horas para Portugal não é de 5, como daqui da Florida, mas de 8…
Para verificarmos as reacções, principalmente, dos candidatos, as suas atitudes e discursos, as suas eventuais propostas ou silêncios.
Para contarmos os super delegados que definirão a composição da Convenção e a respectiva correlação de forças e que, até agora, ainda não se definiram.
Mas também para “me defender”, para não arriscar prognósticos ou opiniões, porventura errados, ou que ferissem a sensibilidade “política” de cada um de vós.

3
Tenho andado todo o dia a magicar nisto.
Decidi enviar-vos, desde já algumas reflexões.

4

A candidatura dos Clinton começou mal porque foi mal preparada, mal dirigida, mal coordenada e mal programada.
Tudo isto tem a ver, não com incompetências ou falta de experiência política, mas com uma atitude, baseada em paradigmas, que lhes obliterou a visão e lhes fez perder a perspectiva de um país em sofrimento e a ansiar por uma mudança que eles não estavam capazes de oferecer.
O país do trabalho e da inteligência não queria mudar as moscas, não queria tirar um por ser vermelho e pôr lá uma que era azul, não queria a guerra em vez da diplomacia, não queria promessas sem mudar o poder dos lóbis, não queria as mesmas famílias de sempre e todo o seu poder e arrogância, não queria coroar uma presidente, queria eleger um Presidente. Desta vez iria ser diferente.
Os Clinton só perceberam isso muito tarde.
O discurso dela era centrado no “EU”. EU sou a melhor. EU é que tenho experiência. EU é que sei de saúde. EU é que tenho propostas e soluções. EU farei história porque EU sou mulher…
Foi assim que começou a perder.
O discurso dele começou de mansinho. “Toda a minha vida sonhei votar num Presidente que fosse mulher ou afro-americano. Agora estou nesta situação…” As pessoas até gostaram, até acharam bem; ele que até tinha sido chamado, um dia, graciosamente, num encontro com a comunidade afro-americana, “o primeiro presidente preto dos EUA”…
Obama falava de nós e para nós. Esperança Para Mudar… acabar com a guerra… Esperança Para Mudar… resolver os problemas da economia… Esperança Para Mudar… acabar com a crise da habitação… Esperança Para Mudar… cuidados de saúde para todos… Esperança Para Mudar… melhorar o ensino e a educação… Esperança Para Mudar… alterar a política externa, usar a diplomacia… Esperança Para Mudar… lutar contra o racismo e todas as formas de exclusão… Esperança Para Mudar… mudar Washington DC…
Quando Obama ganhou o primeiro acto eleitoral, no dia 3 de Janeiro, em Iwoa, um Estado de larga maioria branca, um Estado do centro do país, um Estado que oscila entre ter maioria republicana ou democrata (swing State), a comunidade afro-americana percebeu que Obama poderia ganhar. A América percebeu que poderia ganhar. Não era só discurso. Entrava dentro das pessoas, de qualquer raça, de qualquer idade. Falava de esperança e de mudança. Num país em que os sucessivos poderes têm querido que impere o medo e a guerra. A esperança contra o medo. A mudança contra a desgraça. A diplomacia contra a guerra.
No mês de Janeiro sucederam-se os desastres da candidatura Clinton. Depois da derrota em Iwoa (3 de Janeiro), um empate técnico em New Hampshire (8 de Janeiro) mas que deu mais delegados a Obama, uma vitória em Nevada (19 de Janeiro) que não deu para aquecer, porque, de seguida, sofreram uma profundíssima (e decisiva) derrota em South Carolina (26 de Janeiro).
Nada disto importava. Porque, dizia-se, depois da super terça-feira (a super Tuesday, em 5 de Fevereiro), a Clinton poderia cantar vitória. Seria a previsível nomeada! Poderia reforçar o sonho de vir a ser coroada!
Quando os resultados da super Tuesday começaram a chegar confirmou-se o terramoto eleitoral a deitar por terra ambições pessoais que não permitiram avaliar, previamente, a situação: Obama tinha mais delegados, mais vitórias eleitorais, mais Estados, mais votos… só não tinha mais super delegados (o aparelho ainda estava, aparentemente, sob controlo da família Clinton)…
O discurso do EU manteve-se, a agressividade relativamente a Obama aumentou, o Clinton começou por jogar a cartada da raça, a candidatura jogou a da igreja e do reverendo Wright. Finalmente a Clinton jogou com o medo. Havia eleições em Ohio. Dois dias antes, lançava um anúncio em que mostrava crianças a dormir e a brincar, uma explosão nuclear e uma voz a dizer que, para evitar isso, era preciso um presidente que tomasse a decisão certa quando recebesse uma chamada telefónica às 3 da manhã. Ficou conhecido como o telefonema das 3 da manhã, acerca do qual já se contaram as mais diversas histórias e anedotas.
Tudo isto acabou no dia 6 de Maio, em que a Clinton ganhou Indiana, com uma curtíssima margem, com o apoio e o voto de republicanos e perdeu rotundamente em North Carolina.
Aí perceberam que era tarde. De facto era.

5

Se conto isto é para que se perceba que durante estes 5 meses aconteceu, todos os dias, muita coisa.
Limitei-me a referir pormenores…

6

No campo do Partido Democrático há feridas por sarar. Não as provocadas pelo adversário político comum. As outras. As que mais doem. As que têm origem nos companheiros de jornada. Sabemos como custam.
Não há grandes diferenças entre os programas económicos das duas candidaturas. Embora a Clinton tenha votado de forma a permitir a Bush a invasão do Iraque e de Obama se ter oposto a essa guerra, desde a primeira hora, as propostas de retirada do Iraque não são muito diferentes. Em matéria de política externa há diferenças: as mesmas que têm a ver com a utilização da diplomacia para manter o policiamento do mundo, ou a de uma diplomacia activa para encontrar soluções políticas e não militares. Em matéria de programa de saúde há pequenas diferenças: um projecto mais realista por parte de Obama e outro mais despesista por parte da Clinton. etc.
A maior diferença está na personalidade dos dois candidatos e no seu projecto global. Obama tem uma visão universalista e defende uma mudança radical na forma de fazer política, não permitindo que os lóbis e grandes interesses continuem a dominar o poder político em Washington DC. Clinton tem uma visão mais agarrada à América tradicional e uma grande experiência com os lóbis e interesses. Obama fala de nós, Yes WE can! Clinton fala dela, I am the best!
Como conciliar, se necessário, estas duas figuras políticas? Como impedir que o ex-Presidente se instale nos corredores das imediações da Sala Oval que ele, aliás, tão bem conhece?
É um assunto que tem de ser analisado por cada uma das candidaturas mas que, decididamente, finalizadas as eleições e sabidos os resultados, tem de ser discutido entre os dois candidatos a candidato: Obama e Clinton.
Até lá é preciso saber se a Clinton aceita uma minoria e cumprimenta o presumível vencedor, ou se vai manter o combate até à Convenção. É preciso reconhecer que haverá pressões dentro do Partido, principalmente das figuras mais cotadas e dos voluntários das candidaturas que, durante estes meses, deram o corpo ao manifesto. É preciso avaliar outras hipóteses (a Clinton poderá não vir a ser a Vice-Presidente mas ser nomeada para o Supremo Tribunal, um dos problemas mais importantes, depois da guerra do Iraque e da crise económica; poderá continuar Senadora; poderá ser membro do Governo; Embaixadora; etc).


7

Na minha opinião há dois dilemas.
A Clinton terá de decidir: 1) se quer optar por uma solução negociada com Obama, ou 2) se quer fazer tudo para cumprir o chamado Plano B (esperar por uma derrota eleitoral de Obama em Novembro próximo, para aparecer como a grande candidata do Partido Democrático daqui a 4 anos).
O Obama terá de decidir: 1) se convida Clinton para Vice-Presidente e em que condições (houve um conhecido comentador que afirmou que, nesse caso, o Obama precisava de contratar um “provador”, à boa maneira de tempos passados) e se mantem o seu programa de mudança, ou 2) se terá de fazer concessões nesta matéria em nome da unidade do Partido e da necessidade de derrotar McCain em Novembro.


8
Se a Clinton decidir levar tudo isto até à Convenção e lutar por ser a nomeada, com o argumento de que teve mais votos populares (o que pode ser mentira ou verdade, conforme eles forem contados, como provarei no final das Primarias) e porque é “mais elegível” que Obama, tudo isto estará em causa.
Se a “guerra” for até à Convenção, como o Partido Republicano deseja, poderemos estar perante uma situação interessante e dramática: depois do pior Presidente dos EUA (popularidade pouco superior a 25%), de uma guerra não desejada (mais de 60% dos americanos contra), de uma sondagem (hoje divulgada) que mostra que 70% (!!!) dos americanos é por uma nova política externa que privilegie a diplomacia, de uma crise económica à beira da recessão, do maior desemprego das últimas décadas, de uma crise imobiliária sem memória, de uma situação desgraçada no sistema de ensino, de um aumento de 300% no preço da gasolina nos últimos 3 anos, depois disto e muito mais… as divisões dentro do Partido Democrático, mais o racismo e a intolerância, tudo somado à ignorância e à tradicional fraquíssima participação popular em todos os actos eleitorais nos EUA, poderão dar a vitória a McCain!


9

Shame on us! Tenhamos vergonha!


10

Boa noite e boa sorte!
fernando

PS: Aqui passa das 2 horas da manhã do dia 3 de Junho, dia em que terminam as Primárias; aí passa das 7 e, provavelmente, muitos de vós já estão a pé e a trabalhar…

Bom dia e boa sorte!
fernando

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