terça-feira, julho 10, 2012

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA - II




Foi na QA 09.07.1980, completaram-se ontem 32 anos: morreu, com 67 anos, Vinícius de Moraes, compositor e poeta brasileiro, diplomata, dramaturgo e jornalista.
Continuação…

Em 1944, com 31 anos, Vinícius dirige o suplemento literário de O Jornal onde lança, entre outros, Oscar Niemeyer e onde dá espaço a artistas plásticos até aí pouco conhecidos, como Arpad Czenes e Maria Helena Vieira da Silva.

Ia com 36 anos e em 1949 João Cabral de Melo Neto dá à estampa, na sua prensa de Barcelona, cinquenta exemplares do seu poema “Pátria Minha”.

Sete anos depois, em 1956, com um pé no Brasil, outro em Paris, colabora no quinzenário Para Todos a convite de seu amigo Jorge Amado, em cujo primeiro número publica o poema "O operário em construção". E trabalha, então, também, na produção do filme “Orfeu Negro” que lhe proporcionaria a Palme d’Or (Cannes) e o Óscar (Hollywood) do melhor filme estrangeiro do ano, três anos depois.
E o ano anterior, de 1958 (ia ele nos 45), nasce a bossa nova: sai o LP Canção do Amor Demais, com letra sua e música de António Carlos Jobim, na voz de Elizete Cardoso, com o violão de João Gilberto fazendo ouvir, pela primeira vez, as características batidas da bossa nova.

E o desfile do seu nome ao lado dos mais consagrados músicos da época já havia começado. Para prosseguir em 1961 com Carlos Lyra e com Pixinguinha. Em 62, com Baden Powell. Nesse mesmo ano, depois de espectáculos que deu na boîte Au Bon Gourmet com António Carlos Jobim e com João Gilberto, onde lançaram alguns sucessos internacionais (Garota de Ipanema, vg) e onde seria lançada Nara Leão.

Os mais novos ficaram surpreendidos com o “palavrão” boîte… Mas eu explico: é o que eles hoje chamam, indiscriminadamente, de discoteca. Com nuances: boîte… era mais aconchegante! Bom, em boa verdade, mais aconchegante era a maneira de dançar… Embora já então também se “abanasse o capacete”.

Em 1963 começa a compor com Edu Lobo.

Em 1964, vai com 51 anos, e faz um show de grande sucesso com o compositor e cantor Dorival Caymmi, na boate Zum-Zum, onde lança o Quarteto em Cy.

Em 1966, o seu (e de Baden Powell) Samba da Bênção é incluído, numa versão de Pierre Barouh, no filme Un homme et une femme de Claude Lelouch, com Anouk Aimée e Jean-Louis Trintignant (lembram-se?)

Estava com 54 anos, em 1967, quando a Editora Sabiá lança a 6ª edição da sua Antologia poética e é estreado o filme Garota de Ipanema.

Em 1970, vai nos 57 anos, inicia uma parceria com Toquinho.

Em 1972 grava com Toquinho em Itália o LP Per Vivere un Grande Amore.

Em 1976 escreve as letras de "Deus lhe pague", em parceria com Edu Lobo.

Não sei se os seus casamentos tinham fim, mas sei que começou nove. Que não foi apenas 9 vezes um homem enamorado, mas uma vida inteira.

Em 77 grava com Toquinho em Paris e faz o show no Canecão – que era (e creio que se mantém, ainda) o Templo dos concertos - com Toquinho, Miúcha e Tom.

Em 1979, aos 66 anos, diz poemas no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, a convite do líder sindical, futuro Presidente da República, Luís Inácio da Silva.

Nada o faria imaginar, mas o seu ocaso estava aí, em 1979, finando-se (pagando caro alguns excessos), aos 67 anos, nessa QA 09.07.1980.

Deixo algumas das melhores pérolas da sua vasta e multifacetada obra

Com o seu amadurecimento, legou-nos uma experiência importante, como um dos seus mais conhecidos e celebrados sonetos (que integrou a canção “Eu Sei que Vou te Amar”) atesta:



De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Dois anos mais tarde, aos 49 anos, em 1962, corre mundo o mais conhecido “ex libris” do Rio de Janeiro: A garota de Ipanema

Vinícius de Moraes e Tom Jobim juntaram seus saberes. E dedicaram-se ao seu novo tema. Mas a versão original de Vinícius não foi do agrado de nenhum deles. E era assim:



Vinha cansado de tudo
De tantos caminhos
Tão sem poesia
Tão sem passarinhos
Com medo da vida
Com medo de amar
Quando na tarde vazia
Tão linda no espaço
Eu vi a menina
Que vinha num passo
Cheio de balanço
Caminho do mar

Porém, logo acertaram o passo com o que havia de ser um sucesso. E saiu.


Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela menina
Que vem e que passa
No doce balanço, a caminho do mar
Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar
Ah, porque estou tão sozinho
Ah, porque tudo é tão triste
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha
Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor [Bis]

Hoje todos sabem da verdadeira história acerca da musa inspiradora da letra e música que todo o mundo trauteia. Mas durante bastante tempo foi um facto que não carecia de explicação, como acontece com tantos poemas famosos. Um dia, porém, foi o próprio Vinícius que adiantou a explicação: e da quimérica garota de Ipanema ele não deixou que subsistissem mais dúvidas quanto à sua concretização: Helô Pinheiro, na altura com 16 anos.
E corporizou-a. Assim:

"Revelação: a verdadeira Garota de Ipanema."

"Seu nome é Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto, mas todos a chamam de Helô. Há três anos atrás ela passava, ali no cruzamento de Montenegro e Prudente de Morais, em demanda da praia, e nós a achávamos demais. Do nosso posto de observação, no Veloso, enxugando a nossa cervejinha, Tom e eu emudecíamos à sua vinda maravilhosa.
O ar ficava mais volátil como para facilitar-lhe o divino balanço do andar. E lá ia ela toda linda, a garota de Ipanema, desenvolvendo no percurso a geometria
espacial do seu balanceio quase samba, e cuja fórmula teria escapado ao próprio Einstein; seria preciso um António Carlos Jobim para pedir ao piano, em grande
e religiosa intimidade, a revelação do seu segredo.
Para ela fizemos, com todo o respeito e mudo encantamento, o samba que a colocou nas manchetes do mundo inteiro e fez de nossa querida Ipanema uma palavra mágica para os ouvintes estrangeiros. Ela foi e é para nós o paradigma do bruto carioca; a moça dourada, misto de flor e sereia, cheia de luz e de graça
mas cuja a visão é também triste, pois carrega consigo, a caminho do mar, o sentimento da que passa, da beleza que não é só nossa - é um dom da vida em seu lindo e melancólico fluir e refluir constante."

Anos depois, Helô Pinheiro poderá ter perdido a frescura do seu 16 anos, mas não muitos dos atributos que inspiraram o vate e o compositor. Como aqui se vê.



Foi-se a frescura dos 16?
Foi-se, talvez, o éter, ficou o mosto…
(fonte da imagem: Wikipédia)

É claro que a descoberta da musa inspiradora da canção não se tem traduzido numa pacífica utilização do título por Helô… Muito ao contrário tem-na envolvido em acesa polémica com os herdeiros dos autores.


… continua amanhã, QA 11.07.2012…






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