terça-feira, maio 29, 2012

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA - II




Foi na SX 28.05.1926, fez ontem 86 anos: deu-se o golpe de Estado liderado pelo general Gomes da Costa, com Mendes Cabeçadas e Óscar Carmona.
Continuação…


A propósito das “várias conspirações” que conduziram ao golpe, é de salientar a análise de António da Costa Pinto, investigador no Instituto de Ciências Sociais, que as sintetiza assim: "O 28 de Maio acaba por ser um triplo golpe de Estado. É uma coligação negativa no sentido em que republicanos, monárquicos e fascistas derrubam a hegemonia do Partido Democrático (a facção maioritária do PRP), mas têm projectos muito diferentes. Uns pensam num regime republicano reformado, como Cunha Leal, outros, como os integralistas lusitanos, na restauração da monarquia, outros, poucos, no exemplo de Mussolini, que tinha tomado o poder em 1922. É por isso que a ditadura militar instaurada em 1926 vai ser atravessada por múltiplos conflitos até à institucionalização de uma ordem autoritária estável, dirigida por Salazar a partir de 1930". [Público]

Por seu turno, Fernando Rosas desmonta assim essa complicada teia de interesses: "havia três grupos conspiratórios principais. Primeiro, os generais e coronéis decididos a "pôr isto na ordem" e "nada de civis". O líder estava para ser o General Alves Roçadas mas acabou por ser Gomes da Costa" (…). "O General Sinel de Cordes, o Coronel Passos e Sousa, o General Carmona - que adere tardiamente ao movimento do 28 de Maio -, e o comandante Filomeno da Câmara eram alguns dos nomes mais destacados deste grupo".
Um segundo grupo, que tinha criado a União Liberal Republicana, "era mais constitucionalista, pretendia fazer uma mudança dentro da Constituição de 1911", sublinha Rosas, que acrescenta: "Este grupo estava ligado ao engenheiro Cunha Leal e tinha como braço direito o comandante Mendes Cabeçadas, o rosto militar dos políticos da direita republicana".
Por último, um terceiro grupo, "de jovens tenentes, radicais da esquerda e da direita, do Partido Radical Republicano ao Integralismo Lusitano". "É este grupo que quer empurrar o General Gomes da Costa para a frente". [Id]

E Isabel Braga avança uma explicação para o enredo e recorda pormenores dos bastidores: «Mas, em relação a Gomes da Costa, havia desconfianças. "O grupo de Sinel de Cordes pensava que Gomes da Costa não era fiável. Depois de ele arrancar com o movimento, em Braga, esperam 24 horas para lhe dar apoio. Ao princípio ninguém adere de tal forma que, ainda no dia 28 de Maio, Gomes da Costa manda telefonar para Lisboa, a render-se, e António Maria da Silva [o chefe do Governo] faz uma declaração a dizer que a situação está controlada".
Porém a 29 de Maio as unidades militares pronunciam-se todas a favor do movimento e Mendes Cabeçadas, que tinha participado no 5 de Outubro e tinha respeitabilidade republicana, com unidades em Lisboa e no Algarve, pede ao Presidente da República, Bernardino Machado, que lhe passe os poderes, conforme estava combinado. "Bernardino Machado não cede e o Governo dá ordem de prisão a Mendes Cabeçadas. O que significa que, quando as unidades militares se pronunciam, aquelas mais próximas da República estão paralisadas, com o chefe preso. Quem liberta Cabeçadas é o Presidente da República, que entende passar-lhe os poderes, mas Sinel de Cordes empurra Gomes da Costa contra ele", lembra Fernando Rosas.
Depois do pronunciamento de Braga, Gomes da Costa não tem pressa de chegar a Lisboa. Viaja entre as duas cidades a angariar apoios, pelo que só a 3 de Junho entra em Lisboa, desfilando em triunfo, montado no seu cavalo branco, pela Avenida da Liberdade. Manda então desmobilizar as tropas de Mendes Cabeçadas, que não aposta no confronto e se demite, e autonomeia-se Presidente da República. Instala-se em Belém, com a família, incluindo os netos, abrindo um período de apenas três semanas, que ficou conhecido como "balbúrdia belenense".»
[Id]

É nessa data de 03.06.1926 que Salazar é nomeado Ministro das Finanças. Cargo que abandona 13 dias depois por achar o governo (de Cabeçadas) fraco.

Realmente, a meteórica passagem de Gomes da Costa pelas altas esferas do poder acaba a 9 de Julho quando o grupo de Sinel de Cordes o demite e o substitui, no Governo, pelo General Carmona. Gomes da Costa é deportado para os Açores, onde morre no ano seguinte.

Salazar, em saudação nazi, e Carmona

«Entre 1926 e 1932 decorre o período de transição para o Estado Novo. "É em 1932 que os militares, finalmente, deixam Salazar ser nomeado chefe do Governo", lembra Fernando Rosas, que caracteriza este período como "longo, complexo e incerto quanto ao seu destino". Isto porque "havia uma luta dentro da ditadura entre os liberais conservadores que defendem uma república ordeira, bicamaral, e uma plataforma de direitas católicas, conservadoras, nacionalistas, corporativas, em que Salazar avulta como líder indiscutível".
"Com Salazar no poder" - acrescenta o historiador -, "os militares regressam aos quartéis, embora ainda desempenhem durante muitos anos um papel importante (…) no aparelho de Estado (…), mas abandonam a primeira linha da política. Em contrapartida, Salazar reconhece as Forças Armadas como tutoras da Revolução nacional, pelo que até ao fim do regime os Presidentes da República serão sempre generais ou almirantes".»
[Id]

Salazar assume efectiva e definitivamente o poder com a posse, em 27.04.1928, do IV Governo da Ditadura Militar, presidido pelo General Vicente de Freitas, em que ele é o ministro das Finanças. 
E em 05.07.1932 sucedeu no cargo de Presidente do Conselho ao seu antecessor, general Domingos de Oliveira, que presidira ao governo desde 21.01.1930, e de quem Salazar também era o ministro das Finanças. É nesta altura que “os militares, finalmente, deixam Salazar ser nomeado chefe do Governo”, como acima recorda Fernando Rosas.

As crises que sobrevieram à II Grande Guerra estão na origem de várias ditaduras, incluindo os regimes nacionalistas do turco Atatürk e do polaco Pilsudski: “Mussolini, Hitler, Primo de Rivera, Franco e Salazar (todos de direita); e Estaline (comunista)” [BU: Ditadura].

Mas o “alfobre” propício ao nascimento e evolução de tais regimes foi, sem dúvida, o período que medeia entre a I e a II Grande Guerra/GG, ou seja, o que vai do fim da I GG, 11.11.1918, e começo da II GG, 01.09.1939, período marcado pela Grande Depressão e pelas consequentes graves convulsões e tensões político-económicas e sociais que conduziram ao assalto do poder por parte dos regimes totalitários em todo o mundo assim como despoletaram a II GG. Aliás, foi no período entre-guerras que se “pôs fim à hegemonia do capitalismo” e que nasceram as primeiras experiências socialistas. Com o fim da I GG dá-se a ascensão dos EUA a “grande potência mundial”, até que, arrancada a recuperação dos países europeus envolvidos no conflito, estes foram saindo da esfera de influência dos norte-americanos, afectando-os grandemente e provocando a Grande Depressão [Wiki: entre-guerras].

Mas os regimes “democráticos” musculados ou as ditaduras tout cour só surgem no séc. XIX. Uma das primeiras experiências dessa natureza, e anterior ao séc. XIX, deve ter sido a de Oliver Cromwell (e seu filho Richard), na história da Inglaterra, Escócia e Irlanda, onde a instituição da Commonwealth da Inglaterra, Escócia e Irlanda sob o governo de um Lord Protector (os Cromwell), no período 1653-1659 recebeu o nome de O Protectorado, Ditadura Cromwell ou República Puritana.
Mais tarde tivemos a ditadura de Napoleão III: a Segunda República Francesa nasce da Revolução de 1848 e da abdicação Luís Filipe I (55º) subindo Napoleão III ao poder como presidente. Este, que era sobrinho de Napoleão Bonaparte, tornou-se imperador em 1852 e viria a ser deposto em 1870, com a proclamação da Terceira República Francesa.

No Ancien Régime não havia, na estrutura orgânica do Estado, nenhum “órgão limitador do poder real” pelo que, “apesar das semelhanças” as monarquias absolutistas dos séculos anteriores não devem, em bom rigor, ser confundidos com ditaduras [BU: Ditadura].

É assim que em Portugal, por exemplo, “a ditadura só a partir das revoluções liberais de 1820 começou a desenvolver contornos definidos, com a instauração do constitucionalismo”. A primeira aconteceu durante a regência de D. Pedro IV (entre 1832 e 1834), seguindo-se-lhe, em curto espaço de tempo, a ditadura de Passos Manuel com a revolução de 1836.

O constitucionalismo nasce, em Portugal, com a promulgação, em 23.09.1822, da Constituição de 1822, elaborada pelas Cortes Constituintes de 1821.
No SB 29.04.1826, D. Pedro IV outorga a Carta Constitucional de 1826 – compromisso entre o velho sistema absolutista e a nascente onda liberal.
Segue-se a guerra civil (Lutas Liberais) em que o regime de força de D. Pedro se opõe ao miguelismo absolutista. Assim temos a partida da expedição liberal de S. Miguel para o continente (27.06.1832), o desembarque furtivo da armada liberal em Arenosa do Pampelido ou Mindelo ("os bravos do Mindelo") (08.07.1832); o cerco do Porto, já ocupado pelos liberais, pelos miguelistas a que os pedristas ou liberais opõem heróica resistência (OUT-NOV-DEZ1832).
Em 24.07.1833: o Duque da Terceira (também Conde de Vila Flor), atravessando o Tejo, vindo do Algarve, entrou em Lisboa, evacuada pelos miguelistas à pressa, e derrotou as tropas de D. Miguel.


O evento, que recorda um dos episódios das lutas civis travadas entre liberais e absolutistas, ficou perpetuado através da toponímia de Lisboa - Avenida Vinte e Quatro de Julho – por deliberação camarária de: 18.10.1928; e por Edital de: 22.10.1928, da mesma instituição.
Denominações Anteriores: Por deliberação da Câmara de 09.09.1878 e edital de 13 do mesmo mês e ano, foi dada a denominação de Rua 24 de Julho à parte do aterro ocidental construída no prolongamento daquela Rua, que começando na praça de D. Luís terminava no caneiro de Alcântara. Rua Vinte e Quatro de Julho.
Historial:
O arruamento recorda as lutas civis travadas entre liberais e absolutistas. 24 de Julho de 1833 é a data em que o Duque de Terceira atravessando o Tejo, vindo do Algarve, entrou em Lisboa e derrotou as tropas miguelistas. (Departamento de Toponímia da CML).


Seguem-se as últimas vitórias e ocupações dos liberais e a assinatura da Convenção de Évora-Monte, pondo fim à guerra civil (nos termos da qual D. Miguel tem de exilar-se definitivamente) (26.05.1834)
ABR1836: novo ministério presidido pelo duque da Terceira (ou conde de Vila Flor).
09.09.1836: os liberais ("vintistas"), liderados por Manuel da Silva Passos (Passos Manuel), desencadeiam um movimento revolucionário que força o regresso do regime da constituição (de 22): revolução de Setembro. Este movimento fora precedido de uma consulta eleitoral, onde se destacaram: Passos Manuel, o irmão José Passos, José Estêvão e Costa Cabral.
10.09.1836: vitória do "Setembrismo": é publicado o decreto que restabelece a Constituição de 1822 (passando a chamar-se Constituição de 1836). Novo Governo: Conde de Linhares na presidência e no ministério da guerra; Passos Manuel, ministro do reino. Mas a reacção a este movimento não se faz esperar, e logo nesse ano os cartistas manifestam-se contra Passos Manuel: a rainha transfere-se do Palácio das Necessidades para o de Belém (o protectorado inglês sob que vivíamos era uma realidade e os canhões das naus inglesas, ali mais perto, ofereciam-lhe maior segurança), e para aí convoca o ministério, para o demitir. E nomeia novo Governo (ficou conhecido pelo governo "de finados" (atendendo à data em que os factos se desenrolavam). A tensão cresce entre setembristas e cartistas. Desenrolam-se negociações. Passos Manuel (sempre ele, esse "nobre tribuno") é chamado a Belém, e perante a rainha, na frente do rei (agora já D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gota, desde Maio último), na presença dos diplomatas, dos pares do reino, dos conselheiros de Estado, da infanta D. Isabel Maria e da imperatriz viúva, faz a sua alegação. No seguimento desta conferência, é constituído novo ministério, presidido por Sá da Bandeira e onde ficaram incluídos, imediatamente, Vieira de Castro e Passos Manuel, de novo como ministros do reino e da justiça (como antes). E a pequena revolução popular que antecedeu este desfecho é que ficou a chamar-se Belenzada;


Passada esta fase, e até 1908, houve diversos actos ou episódios ditatoriais, em que, como sempre acontece, não conseguindo os golpistas a sua legitimação por parte da câmara baixa (dos deputados), dissolviam-na, tal como a dos Pares, fazendo as suas nomeações por forma a garantir as necessárias maiorias.

Foi assim que ocorreu a ditadura de Costa Cabral, de 1842 a 1846, que gerou a corrupção, a compra de consciências e a traficância eleitoral, o cinismo político [Maltez] e que culminou na guerra civil iniciada com a revolução da Maria da Fonte, e entre 1907 e 1908 a de João Franco, que conduziu ao regicídio do primeiro de Fevereiro de 1908.


João Franco ocupou vários cargos na magistratura judicial, assim como várias pastas ministeriais até chegar à presidência do ministério. Dissidente do Partido Regenerador de Hintz Ribeiro, formou o Partido Regenerador Liberal (ou franquista).

Combatendo energicamente o gabinete progressista, que esteve no poder de 1886 a 1890, o seu nome logo foi indicado para fazer parte do primeiro ministério que o Partido Regenerador (em alternativa) organizasse. Em Maio de 1906 o país, cansado, exigia que subisse ao poder um grupo político que, sem compromissos anteriores, pudesse resolver as importantes e urgentes questões pendentes. É assim que cai o terceiro governo de Hintze Ribeiro, ao cabo de, apenas, 57 dias no exercício do poder, e os regeneradores-liberais surgem como a alternativa.

O novo ministério, como não podia deixar de ser, era liderado por João Franco. O ministério regenerador-liberal foi apoiado pelo partido progressista (a designada concentração-liberal). Porém, face à greve académica de 1907 na Universidade de Coimbra e à crescente agitação social, o apoio parlamentar dos progressistas é retirado e os ministros progressistas demitem-se: “ao contrário do que prometera no ano anterior, em vez de governar à inglesa, João Franco passa a governar à turca (02.05.1907) passando a uma situação de efectiva ditadura”. [Wiki: Franco]. Em consequência, a agitação social cresce e surge a ameaça, concretizada, de uma conspiração envolvendo republicanos e dissidentes progressistas (28.01.1908). A 01.02.1908 dá-se o regicídio, com o rei D. Carlos I e o príncipe herdeiro Luís Filipe a serem assassinados à chegada a Lisboa, vindos de Vila Viçosa. João Franco, responsabilizado pelas posições extremadas e pela falta de segurança pública, demite-se, sendo substituído três dias depois (04.02) por um governo suprapartidário (governo de aclamação) presidido pelo almirante Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, que vigorou de 04.02 a 26.12.1908.

O Partido Progressista foi um dos partidos históricos portugueses do rotativismo da Monarquia Constitucional de finais do século XIX. Alternava no poder com o Partido Regenerador. Este partido e o Partido Regenerador dividiram os portugueses criando perturbações psicológicas e sociológicas.


Um bom exemplo disto existe, ainda hoje, no Seixal, entre duas Sociedades Filarmónicas, em que uma apoiava o partido Regenerador (a Timbre Seixalense, fundada em 1848) e, havendo pessoas que não apoiavam este partido, criaram a Sociedade Filarmónica União Seixalense (em 1871), também conhecida por “Os Prussianos”, apoiando assim o Partido Progressista. [Wiki: progressista]


Foi João Franco, na sua campanha para a fundação dos regeneradores liberais, que adoptou a expressão rotativismo, utilizada em sentido pejorativo, para a qualificação de um acordo entre dois partidos, entendidos como clientelas de dois homens para ludibriarem o país, feita a partir da ditadura eleitoral de 1901.


As leis eleitorais promulgadas dentro dos sistemas multipartidários a partir de Napoleão III (“o moedeiro falso do sufrágio”), que se seguiam aos golpes ou movimentos ditatoriais, constituindo o seu primeiro acto normativo, geralmente beneficiavam os respectivos vencedores, o partido que não estava no governo.
Isto até à lei eleitoral de 1901. Esta lei foi promulgada pelo governo hintzáceo numa altura em que o rotativismo se não limitava a dois partidos, unicamente. Como é óbvio, “os outros membros da oposição, percebendo a manobra, logo protestaram, principalmente João Franco que, num dos seus rasgos de baptismo verbal, logo acusou o diploma [o Decreto de 08.08.1901] de ignóbil porcaria, visando o estabelecimento de uma ditadura eleitoral.” [Maltez]


E ainda a propósito de rotativismo João Franco considerou que, com esse sistema apenas existia um parlamento falsificado, porque, em vez de um sistema representativo, viveríamos num regime presidencial, dado que nenhum deputado representaria o corpo eleitoral, mas apenas o "placet" [concordância, aprovação] do presidente do conselho. Num discurso pronunciado em 16.05.1903, por ocasião da inauguração do Centro Regenerador Liberal de Lisboa, defendeu a promulgação de uma lei eleitoral que garanta a possibilidade de representação de todas as vontades e interesses gerais ou locais, ainda que não tenham o beneplácito das clientelas partidárias; e a genuinidade e verdade dos actos e operações eleitorais. Isso conseguir-se-á com uma lei de pequenas circunscrições eleitorais, entregando as operações de recenseamento e acto eleitoral exclusivamente ao poder judicial e seus agentes. [Wiki: Franco]


… continua amanhã, QA 30.05.2012…





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