quarta-feira, maio 18, 2011

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA




Como sempre, recordo:
Este é o espaço em que,
habitualmente,
faço algumas incursões pelo mundo da História.
Recordo factos, revejo acontecimentos,
visito ou revisito lugares,
encontro ou reencontro personalidades.
Datas que são de boa recordação, umas;
outras, de má memória.
Mas é de todos estes eventos e personagens que a História é feita.
Aqui,
as datas são o pretexto para este mergulho no passado.
Que, por vezes,
ajudam a melhor entender o presente
e a prevenir o futuro.



ESTAMOS NA QUARTA-FEIRA DIA 18 DE MAIO DE 2011 (MMXI) DO CALENDÁRIO GREGORIANO

Que corresponde ao

Ano de 2764 Ab Urbe Condita (da fundação de Roma)
Ano 4707 a 4708 do calendário chinês
Ano 5771 a 5772 do calendário hebraico
Ano 1432 a 1433 do calendário islâmico

Mais:

DE ACORDO COM A TRADIÇÃO, COM O CALENDÁRIO DA ONU OU COM A AGENDA DA UNESCO:

De 2003 a 2012 - Década da Alfabetização: Educação para Todos.
de 2005 a 2014 - Década das Nações Unidas para a Educação do Desenvolvimento Sustentável.
de 2005 a 2015 - Década Internacional "Água para a Vida".

Por outro lado

2011 é o ANO EUROPEU DO VOLUNTARIADO
e
é, também, o ANO INTERNACIONAL DA QUÍMICA

Além disso
hoje é o DIA INTERNACIONAL DOS MUSEUS



uma imagem da vaga em que se transformou
a candidatura do general Humberto Delgado em Lisboa


Completam-se hoje 53 anos (18.05.1958), foi num DM: realizou-se o comício de Humberto Delgado, candidato da Oposição Democrática às presidenciais (expressão que provocava um complacente sorriso aos pides, aos legionários e a toda a bufaria das hostes salazaristas), no liceu Camões, em Lisboa, que decorreu – de tão triunfal - sob apertada vigilância da PIDE, da polícia de choque, da PSP e da GNR, a cavalo e a pé.

O general Craveiro Lopes, designado pela União Nacional (o partido único), que o mesmo é dizer por Salazar (o chefe é que decidia, autoritariamente, nesta como em todas as matérias), estava a terminar o seu primeiro mandato de PR.
O normal, como sempre acontecera até aí, era que Craveiro Lopes se recandidatasse, que Salazar determinasse a sua recandidatura. Mas não o fez. A personalidade do general revelara-se menos moldável (!),e “apesar de ter sido julgado um candidato capaz de suscitar consensos, cedo viria a revelar a sua frieza nas relações com o Presidente do Conselho e a demonstrar até, uma certa simpatia pelos oposicionistas. Por isso mesmo, não foi proposto para um segundo mandato presidencial”. Daí que Salazar nomeasse em seu lugar uma das mais conhecidas e caricatas figuras públicas de submissão e subserviência, o seu ministro da Marinha, o “sempre atento, venerando e muito obrigado” Américo Tomás: um presidente muito frequentemente ridicularizado, não só a nível popular como por alguma imprensa.

A maioria dos seus discursos era o prato favorito do anedotário nacional, dada a retórica frouxa e simplória. Mas o que importava era que, deste jeito, o ditador tinha facilitado o seu ascendente normal, já que escolheu desta vez o mais apagado (não por modéstia, mas por incapacidade), o mais fiel, o mais submisso dos seus fiéis servidores e cegos seguidores

Muito a propósito convém recordar:
O Chefe de Estado que, nos termos da Constituição (1933), era a figura principal da hierarquia do Estado, o representante máximo da República, perante o qual “respondia” o Primeiro-ministro, curiosa e anomalamente, e na efectiva prática, aquele encontrava-se subalternizado por este. Realmente, a confiança politica efectivava-se ao contrário do que dispunha a Constituição: na prática, era o Presidente da República que respondia perante o Presidente do Conselho, Oliveira Salazar!

E para evitar os problemas que estas eleições de 1958 trouxeram e antes que as coisas se complicassem, nada melhor que alterar o modo de eleger o PR:
uma apressada revisão da Constituição de 1933 foi “cozinhada” pela Lei nº 2100, de 29.08.59, cujo artº 7º dava nova redacção ao artº 72º daquela, alterando aquele processo de eleição presidencial directo, que passou a assentar num colégio eleitoral de notáveis do regime.

Assim, tudo aconteceria no melhor, no mais pacífico dos mundos…

Mais a mais, havia ainda o facto de o recenseamento eleitoral ser altamente restritivo, discricionário, manipulado e discriminatório (deve lembrar-se que chegámos ao 25 de Abril apenas com cerca de 800 000 eleitores inscritos, entre vivos e falecidos, conforme constava) até, por efeitos de apatia e desinteresse sabiamente provocados pela intimidação das autoridades afectas ao regime.

As presidenciais aproximavam-se (DM 08.06.1958) - a data das eleições encontrava-se a cerca de vinte e tal dias, ou três semanas, mais ou menos.

Para o regime, tudo era um faz de conta. Mas o cerco da oposição apertava-se.

As manifestações sucediam-se. E a estas respondiam, com a prontidão, a indiscriminação e a violência costumadas, as forças policiais.

também em Coimbra, no Largo da Portagem, a vaga se fez sentir

Uma semana antes (no Sábado 10.05.1958), Humberto Delgado proferiu a frase que o celebrizaria e que lhe ditaria a sentença de morte: “obviamente, demito-o”, referindo-se ao ditador, ao chefe do regime.

uma edição do República, da época, refere a expectativa do general

Nesse DM 18 de Maio de 58, repito, o general fazia uma acção de esclarecimento (era perigoso falar em comício) no Liceu Camões. Como aí não cabia mais nem uma agulha sequer, os manifestantes concentravam-se nas imediações: junto ao liceu, nos cafés Monte Carlo e Monumental, no Saldanha e na Av da República, aguardando que o comício terminasse e para acompanhar o general, depois, em apoteose, como estava planeado.

A enorme manifestação de apoio a Delgado é reprimida, com a habitual violência, pelas forças policiais (nomeadamente pela GNR a cavalo).

Tenho bem vivo na memória esse acontecimento, que presenciei ao vivo, já que fazia parte da manifestação.

Foi a loucura e a confusão total.

A GNR, a pé e a cavalo, perseguia à cacetada, à bastonada ou à coronhada quem quer que estivesse na sua frente. E claro que chegou a invadir aqueles cafés onde alguns manifestantes se encontravam e outros se refugiavam.

Construía-se, então, a linha de metro, o troço entre o Saldanha e Entre Campos, na Av da República, a céu aberto. Um enorme fosso rasgava a avenida, ocupando a totalidade, ou quase, das duas faixas de rodagem centrais. Na fuga descontrolada às fortes cargas policiais, pessoas houve que se esgueiravam e mergulhavam no fosso do metro.

Outras, refugiavam-se na avenida e suas transversais, nos prédios de porta aberta, e até na Av Defensores de Chaves, nos prédios onde se podiam acolher (como eu, que dei comigo num primeiro ou segundo andar de um qualquer edifício, juntamente com mais manifestantes – ou meros passantes, que não escapavam à sanha policial). Toda essa zona – Av da República, transversais e paralelas – estavam pejadas de polícia, a pé ou a cavalo (“capicuas” - como lhes chamávamos a estes: cavalo em cima, cavalo em baixo) e desses dedicados bonzos da ditadura, que eram os bufos da PIDE.

A manifestação fez-se, mas foi fortemente reprimida. Transformando-se num pandemónio.

Só vivido se podia avaliar. Descrito não se imagina.

A bestialidade na reacção das forças do regime à candidatura, ao candidato e seus apoiantes, mais conferiam ao regime a dificuldade de o considerar legítimo.

O que em qualquer regime democrático - uma campanha com dois ou mais partidos - seria um acontecimento natural, aqui, não, aqui é uma perversidade: basta ver e ouvir os comentários e as ameaças do ditador.

Poucos (anos) tempos depois, persistindo a “surdez” do regime, as colónias transformavam-se num barril de pólvora que conduziu a uma grave sangria de meios económicos nacionais e à exaustão das forças armadas e ao seu despertar para a impossibilidade de fazer face aos movimentos de libertação (“terroristas”, na expressão raivosa dos situacionistas) dos respectivos territórios.

Todo o Mundo e as principais instituições internacionais condenavam a acção do governo… Mas o maniqueísmo que melhor convinha à “situação” e o prisma vesgo sob que o chefe do governo, mentor e líder da ditadura, encarava o problema, não podiam já fazer parar a agonia do regime que colapsaria a 25 de Abril de 1974.

Nessa altura a verdura dos meus vinte anos já me permitiam discernir, com bastante clareza, acerca do fenómeno político, em geral, e sobretudo sobre a nossa situação. E foi com o entusiasmo dessa juventude que me entreguei a tal luta. De que, como é óbvio, nunca me arrependi, nunca me desviei e que sempre me comandou intelectualmente.

Mas sem jamais prescindir da minha independência no que a partidos respeita.

Deixo a seguir um pequeno vídeo com imagens célebres e já conhecidas da época, com o estafado discurso do ditador, cheio de insinuações e ameaças, em fundo.

Fala, naturalmente, do papão, invocando uma imaginária “sementeira de ódios” que adviriam, não, como sempre do reduto da situação mas da oposição e suas manifestações. E refere a necessidade de “varrer essa sementeira de ódios”, sublinhando: “mas quero afirmar com a fria serenidade habitual que dessa (?) ou doutra forma se há-de restabelecer, e rapidamente, o ambiente de calma colectiva, quero dizer que o faremos em todas as circunstâncias e pelo emprego de todos os meios ao dispor da autoridade.”

O Chefe prometeu e cumpriu: empregou todos os meios ao dispor da autoridade.

E foi o que se sabe. Até à morte do candidato.

E não me venham dizer que esta campanha não veio mexer com o regime! Que não o sacudiu! Que não o fez tremer!

As últimas imagens do pequeno vídeo são super-repetidas em múltiplas fotografias da época: dois oficiais das Forças Armadas tentam demover o general. Mas sem êxito.

1 comentário:

Amélia disse...

Muitíssimo interessante!
Como vivíamos nos tempos da ditadura!!!
Nesse tempo, eu estava num colégio em Angola e as freiras obrigavam-nos a passar o tempo na capela a rezar pelo ditador!!!!
Quando vim para Lisboa abri os olhos e também levei umas bastonadas nas manifestações que os estudantes organizavam.
Mas eu, que convivia de vez em quando consigo, nem me apercebia qual a sua posição política!!! Era isso: não confiávamos em quase ninguém.
Gosto imenso dos seus blogs.
Parabéns, Zé Luís.
Aquele abraço

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