quinta-feira, outubro 19, 2006

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA

A declaração de Independência dos Estados Unidos

Este é o espaço em que,

habitualmente,

faço algumas incursões pelo mundo da História.

Recordo factos, revejo acontecimentos,

visito ou revisito lugares,

encontro ou reencontro personalidades.

Datas que são de boa recordação, umas;

outras, de má memória.

Mas é de todos estes eventos e personagens que a História é feita.

Aqui,

as datas são o pretexto para este mergulho no passado.

Que, por vezes,

ajudam a melhor entender o presente

e a prevenir o futuro.

Respondendo a uma interrogação,

continuo a dar relevo ao papado.

Pela importância que sempre teve para o nosso mundo ocidental.

E não só, nos últimos séculos.

Os papas sempre foram,

para muitos, figuras de referência,

e para a generalidade, figuras de relevo;

por vezes, e em diversas épocas, de decisiva importância.

Alguns

(muitos)

não pelas melhores razões.

Mas foram.

.

.

DE ACORDO COM O CALENDÁRIO DA ONU:

1997/2006 - Década Internacional para a Erradicação da Pobreza.

2001/2010 - Década para Redução Gradual da Malária nos Países em Desenvolvimento, especialmente na África.

2001/2010 - Segunda Década Internacional para a Erradicação do Colonialismo.

2001/2010 - Década Internacional para a Cultura da Paz e não Violência para com as Crianças do Mundo.

2003/2012 - Década da Alfabetização: Educação para Todos.

2005/2014 - Década das Nações Unidas para a Educação do Desenvolvimento Sustentável.

2005/2015 - Década Internacional "Água para a Vida".

2006 Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação.

.

.

Calcula-se que tenha sido nesta data, há 2208 anos, no ano de 202 a.C., que se deu a Batalha de Zama: batalha decisiva da Segunda Guerra Púnica em que o exército romano mais uma vez derrota os cartagineses.

Talvez mais que guerras entre duas potências da época, choque, mesmo, de civilizações, atendendo ao estado do progresso (nas artes, nas ciências, nos costumes, nas técnicas) e cultura social entre esses dois mundos, a civilização romana e a fenícia.

As Guerras Púnicas foram três guerras que opuseram a República Romana e a República de Cartago, que era uma cidade-estado fenícia, localizada no norte da África, que por volta do século III a.C. dominava o comércio do Mediterrâneo.

.

O adjectivo "Púnico"

deriva do nome dado aos cartagineses pelos romanos

(Punici) (de Poenici, ou seja, de ascendência fenícia).

.

Na base destas guerras estava a rivalidade entre as duas repúblicas, assumindo-se Cartago como o centro económico, político e militar da região do mar Mediterrâneo ocidental. Depois, era secular a luta entre cartagineses e sicilianos.

A decisão de Roma de se expandir pela Itália (leia-se, hoje península itálica) foi o mote para os conflitos que se arrastaram por cerca de 118 anos (de meados do séc. III a. C. a meados do II igualmente a. C.

Todas tiveram como vencedores os romanos.

A Primeira Guerra Púnica teve como pretexto próximo o domínio de Siracusa, uma cidade grega situada no Leste da Sicília, com a qual Cartago mantinha uma inimizade histórica, pretendendo dominá-la. Desenrolou-se entre 264 a.C. e 241 a.C. Os romanos, comandados pelo cônsul Ápio Cláudio, puseram em fuga as tropas de Siracusa, depois forçaram à debandada as de Cartago.

Os romanos, aliados a Siracusa, ocuparam Messina, na Sicília. Os cartagineses reagiram e declararam guerra a Roma – era a Segunda Guerra Púnica (218 a.C. até 202 a.C.). O célebre general cartaginês, Aníbal, partiu de Espanha (cujo Sul seu pai, Amílcar, havia conquistado) fez a célebre travessia dos Alpes (tropas armamento e elefantes) e atravessou a “Itália”, derrotando os romanos em várias batalhas. Porém, em Cartago, o estadista e general romano Cipião Africano (Publius Cornelius Scipio Africanus o Velho) vence, definitivamente, Aníbal, na hoje comemorada batalha de Zama (a que alguns autores modernos chamam a "Batalha de Waterloo" da história antiga).

. O FIM (que se adivinhava) DA VELHA CARTAGO

Entretanto, em Roma, o senador Catão liderava uma feroz campanha contra Cartago, concluindo todos os seus comícios e discursos com a frase: “delenda est Carthago” ("Cartago tem de ser destruída"). E é assim que o general romano Cipião Emiliano desencadeia a Terceira Guerra Púnica, em 149 a.C., para três anos depois, em 146 a.C., com suas tropas, arrasar completamente Cartago, incendiando-a e colocando sal pelo solo, "para que ali nada mais crescesse".

.

.

.

Foi há 225 anos, na SX 19.10.1781, termo da Revolução Americana de 1776: o exército britânico, sob o comando de Lord Cornwallis, rendeu-se em Yorktown, na Virgínia, perante as forças rebeldes americanas lideradas pelo general George Washington, terminando assim a Guerra da Independência da América.

Na Grã-Bretanha reinava Jorge III, tetravô da Rainha Isabel II. Em França reinava Luís XVI, de Bourbon. Na Rússia era detentora máxima do poder Catarina II, a Grande. Em Espanha reinava Carlos III, da Casa de Bourbon. Em Portugal o trono era ocupado por D. Maria I (26º), de Bragança. No Vaticano pontificava o papa Pio VI (250º).

Sem ser necessário “ir aos fenícios”, recuemos um pouco, no tempo, para integrar os factos num mais preciso âmbito, na história.

A Guerra dos Sete Anos, ocorrida entre 1756 e 1763, foi um conflito duplamente assinalável: foi o primeiro a ter carácter e dimensão internacionais e marcou, segundo muitos autores, com as suas consequências, o início da idade moderna.

Consistiu numa série de conflitos internacionais entre a França (reinado de Luís XV), a Áustria e seus aliados (Saxónia, Rússia, Suécia e Espanha), de um lado, e a Inglaterra, a Prússia e Hannover, do outro, e de que um dos principais objectivos era – quanto ao que de momento nos interessa - a supremacia colonial na América do Norte.

A Guerra dos Sete Anos, de que a Grã-Bretanha saiu vencedora sobre a França, e cuja paz foi assinada no Tratado de Paris, de 1763, deixou, assim, a nação britânica na posse de ricos territórios no continente americano.

Daí que A Revolução Americana de 1776 encontre suas raízes na assinatura daquele tratado.

Mas a vencedora Inglaterra, sobretudo por mor de um difícil equilíbrio financeiro, teve de impor severas medidas às treze colónias: Massachusetts, Rhode Island, Connecticut, New Hampshire, Nova Jersey, Nova York, Pensilvânia, Delaware, Virgínia, Maryland, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia.

De medida em medida (como a entrega pelo Parlamento, em 1773, do monopólio do comércio do chá à Companhia das Índias Orientais, de que os principais accionistas eram ingleses), de protesto em protesto dos colonos (como o da “Festa do Chá de Bóston” – na sequência da medida anterior, que consistiu no assalto aos navios da companhia que estavam no porto de Boston e no lançamento da carga do chá no mar), a metrópole reagiu drasticamente, e de imediato, com um conjunto de leis que os americanos chamaram de "Leis Intoleráveis" (1774): encerramento do porto de Boston; indemnização à companhia prejudicada e o julgamento dos envolvidos, em Inglaterra.

Tudo isto acompanhado pelo envio de tropas britânicas para as colónias, no sentido de conter os ânimos.

.

Em vão, logo se viu.

.

O endurecimento das posições dos colonos iam num crescendo, exigindo “ter voz” em matérias discutidas no Parlamento, em Londres, a seu respeito.

De protesto em protesto, de exigência em exigência, passaram ao boicote e à acção directa: em 1774 os representantes das colónias norte-americanas reuniram-se em Filadélfia, num primeiro Congresso Continental, aos 05.09.1774, onde se resolveu acabar com o comércio com a Inglaterra enquanto não se restabelecessem os direitos anteriores a 1763. E começaram, também, os preparativos da guerra que se adivinhava.

.

“O mesmo Congresso também redigiu e divulgou uma Declaração de Direitos. Houve logo depois, um 2º Congresso em que foi reunido em Filadélfia onde se decidiu a criação de um exército que seria comandado por George Washington, fazendeiro e chefe da milícia Virgínia. Nesse Congresso, apesar de se manterem leais ao rei, os colonos pediram a suspensão das "Leis Intoleráveis" e firmaram uma Declaração dos Direitos dos Colonos, no qual pediram a supressão das limitações ao comércio e à indústria, bem como dos impostos abusivos. O rei reagiu, pedindo aos colonos que se submetessem; estes, porém, não se curvaram diante da coroa inglesa” – [Wikipédia, a enciclopédia livre].

Inevitável, a guerra eclodiu em 1775 em Lexington e Concord.

De derrota em derrota, os ingleses tiveram de recuar e de ceder.

E em 04.07.1776, as 13 colónias reunidas no Congresso Continental declararam a independência, declaração escrita por Thomas Jefferson.

(Ver imagem no início das memórias de hoje)

O derradeiro recontro deu-se na data que hoje aqui se assinala, e o exército britânico, sob o comando de Lord Cornwallis, rendeu-se em Yorktown, na Virgínia, perante as forças rebeldes americanas lideradas pelo general George Washington, terminando assim a Guerra da Independência da América.

O conflito teria o seu epílogo em 1783, quando a independência dos Estados Unidos foi reconhecida pelo Reino Unido no Tratado de Paris de 1783, em que os EU estavam representados por Benjamin Franklin, John Adams e John Jay.

Entretanto é aprovada a Constituição de 1787 (de apenas sete artigos), ainda hoje vigente, embora contando com vinte e sete Emendas.

Veja, pois, A CONSTITUIÇÃO DOS EUA E AS RESPECTIVAS EMENDAS.

A Revolução Americana foi o rastilho e o incentivo de outras revoluções liberais que se desencadearam na Europa. Como a Revolução Francesa.

.

.

.

Foi a noite dessa QA, 19.10.1921, há 85 anos, que ficou conhecida como a “Noite Sangrenta”, em que foram assassinados o chefe do governo, António Granjo, e ainda Machado dos Santos, Carlos da Maia e outros fundadores da República. Na PR estava António José de Almeida. Bento XV (258º) era, então, o líder supremo da igreja de Roma.

Mais, 1921 foi o ano em que:

- se realizou o I Congresso da Confederação Patronal Portuguesa (09 e 10.03);

- morreu, em Lisboa, a escritora e poetisa Maria Amália Vaz de Carvalho (24.03);

- Norton de Matos chegou a Luanda e assumiu as funções de alto-comissário de Angola (Abr);

- é decretada a reforma do ensino secundário (18.06);

- António Sérgio, Jaime Cortesão, Raúl Proença, Raúl Brandão, Aquilino Ribeiro, Câmara Reis e Augusto Casimiro fundam a revista, “de doutrina e crítica”, Seara Nova, que perduraria até 1982. Nela colaboraram também Teixeira Gomes, Hernâni Cidade, João de Barros e, mais tarde, José Rodrigues Miguéis, Álvaro Salema, Adolfo Casais Monteiro e Jorge de Sena (sai o primeiro número em 15.10);

- se realizou o nos Estados Unidos se realiza a primeira emissão pública de rádio;

- são fundados os partidos comunistas de Portugal, Espanha, França e Itália;

- De Valera, pela Irlanda, e Lloyd George, pela Grã-Bretanha, acordam que a Irlanda do Sul se torne autónoma;

- é criado o Partido Nacional Fascista em Itália;

- Sun Yat-Sen é eleito presidente da República Chinesa;

- Mao Tsé Tung é um dos fundadores do PC chinês;

- o censo fixa a população portuguesa em 6 milhões de habitantes;

- é descoberta a vacina anti-tuberculose, o BCG;

- de Wittgenstein sai o Tratado Lógico-Filosófico;

- e de Jung, Tipos Psicológicos;

- se inicia a publicação do Diário de Lisboa.

E eram ainda figuras destacadas dessa época: Le Corbusier, Weber, Sinclair Lewis, James Joyce, Bergson e Freud, entre tantas outras.

António Granjo foi cruelmente assassinado na sequência da revolução de cariz radical que o levou a pedir a demissão do cargo de primeiro ministro que então desempenhava. Os seus assassinos foram marinheiros e soldados da GNR integrantes do movimento revolucionário em curso comandados pelo Cabo Olímpio, o “dente de ouro”. António Granjo foi levado de casa de Cunha Leal, afecto ao Partido Democrático, onde tinha tentado obter protecção, e levado para o Arsenal da Marinha. À sua chegada foi ferido com dois tiros no pescoço, tendo sido tratado na enfermaria e recolhido a um quarto. Um grupo de revolucionários entrou no quarto onde se encontrava gravemente ferido crivando-o de balas. Depois disso um corneteiro da GNR ainda lhe cravou um sabre no ventre” - [Wikipédia, a enciclopédia livre].

Semiramis, um blogue da nossa praça, baba-se de regozijo com tais feitos, herdeiros que devem ser os seus autores dos bárbaros algozes da República nascente.

E compraz-se carregando as cores do cenário que tanto o diverte: «O 19 de Outubro de 1921 foi o fim da 1ª República. Formalmente ela continuou até 28 de Maio de 1926. Pelo meio, alguns episódios grotescos de um regime em degenerescência (...).

(...) vencida a débil resistência de alguns oficiais, marinheiros e soldados da GNR invadiram o quarto onde estava António Granjo e descarregaram as suas armas sobre ele. Caiu crivado. Um corneteiro da Guarda Nacional Republicana cravou-lhe um sabre no ventre. Depois, apoiando o pé no peito do assassinado, puxou a lâmina e gritou: «Venham ver de que cor é o sangue do porco!»

A camioneta continuou a sua marcha sangrenta, agora em busca de Carlos da Maia, o herói republicano do 5 de Outubro e ministro de Sidónio Pais. Carlos da Maia inicialmente não percebeu as intenções do grupo de marinheiros armados. Tinha de ir ao Arsenal por ordem da Junta Revolucionária. Na discussão que se seguiu só conseguiu o tempo necessário para se vestir. Então, o cabo Abel Olímpio, o Dente de Ouro, agarrou-o pelo braço e arrastou-o para a camioneta que se dirigiu ao Arsenal. Carlos da Maia apeou-se. Um gesto instintivo de defesa valeu-lhe uma coronhada brutal. Atordoado pelo golpe, vacilou, e um tiro na nuca acabou com a sua vida.

A camioneta, com o Dente de Ouro por chefe, prosseguiu na sua missão macabra. Era seguida por uma moto com sidecar, com repórteres do jornal Imprensa da Manhã. Bem informados como sempre, foram os próprios repórteres que denunciaram: «Rapazes, vocês por aí vão enganados... Se querem prender Machado Santos venham por aqui...». Acometido pela soldadesca, Machado Santos procurou impor a sua autoridade: «Esqueceis que sou vosso superior, que sou Almirante!». Dente de Ouro foi seco: «Acabemos com isto. Vamos». Machado Santos sentou-se junto do motorista, com Abel Olímpio, o Dente de Ouro, a seu lado. Na Avenida Almirante Reis, a camioneta imobiliza-se devido a avaria no motor. Dente de Ouro e os camaradas não perdem tempo. Abatem ali mesmo Machado Santos, o herói da Rotunda.»

Semiramis é um blogue ultraconservador que a si própria se descreve de “Irreflexão política, social e económica”.

Assim é.

.

.

Noutra mais completa versão, José Brandão, um dos autores do óptimo site VIDAS LUSÓFONAS, de que é coordenador Fernando Correia da Silva, põe o oficial da marinha, co-fundador da República, José Carlos da Maia, como narrador imaginário da Noite Sangrenta.

«Eram duas horas da madrugada. A Camioneta Fantasma estava parada junto ao n.º 14 da Rua de José Estêvão, no Bairro da Estefânia. António Maria de Azevedo Machado Santos, o Machado Santos do 5 de Outubro de 1910, tem a sinistra viatura à sua espera. No segundo andar do prédio que habita, está já cabo Olímpio, o Dente de Ouro.

À ordem dos marinheiros, o guarda-nocturno abrira a porta da escada aos invasores. As coronhadas nos degraus acordam todo o prédio sob sono da madrugada. Um cunhado de Machado Santos, a ler na cama, ouve a barulheira. Pressentindo desgraça, apressa-se em proteger a família.

Na casa de Machado Santos, a esposa do almirante acorrera ao toque da campainha, procurando saber quem é àquelas horas da madrugada:

— Marinheiros! — Respondem de fora, com arreganho. — Queremos o Sr. Machado Santos. Tem de ir falar com o capitão Procópio de Freitas!

O almirante, já ao lado da esposa, vestido como calha, segreda que é melhor ela dá-lo por ausente de Lisboa.

— Ou abrem ou bombardeamos o prédio — ameaçam os intrusos, face à desculpa que os pretende iludir.

Seguidamente, um enorme fragor estremece a porta do almirante, ressoando por todo o prédio. Um tiro disparado no patamar era aviso de que o grupo do Dente de Ouro não se ralaria nada em fazer aquilo que ameaçava.

Machado Santos abre a porta, decidido a enfrentar a horda. A esposa treme em soluços de aflição.

— O que me querem?

A única resposta à vista são as armas engatilhadas dos marinheiros.

Pergunta de novo o que lhe querem.

Dizem-lhe que têm de o levar ao Arsenal, onde o capitão Procópio de Freitas pretende falar-lhe.

— É de mais! — protesta Machado Santos, já sem paciência. — Vocês esquecem-se de que sou vosso superior! De que sou almirante!

Um dos marinheiros começa a bufar de irritação:

— Ai... ai...

O Dente de Ouro, sem cerimónia e já experiente neste tipo de situações, toma a iniciativa de levar, fosse de que maneira fosse, a sua nova vítima. Arrogante, sabendo tudo o que pode fazer, bate com a coronha no sobrado, reforçando a ordem de marcha.

O almirante verifica ser inútil e perigosa qualquer resistência, em especial para as pessoas da família ali presentes. Um filho de Machado Santos estava, de pijama, no corredor, de pistola em punho e disposto a defender o pai.

Depois de acabar de se vestir, o distinto oficial da Marinha de Guerra Portuguesa mete tabaco no bolso, abeirando-se da esposa, que chora convulsivamente. Aperta-a numa última despedida e beija-a com veemência. Ela, em desespero, agarra-o pelos braços e pede-lhe que não vá. As lágrimas correm-lhe a fio, os soluços mal deixam perceber as suas palavras:

— Ai que mo vão matar! Ai que mo matam!

— Qual matar! Olha que ideia! — comenta cinicamente o Dente de Ouro.

— Nós levamo-lo ao Arsenal e trazemo-lo já — afirma outro dos criminosos.

— Não! Não o levem!

— Acabemos com isto. Vamos! — atalhou o Dente de Ouro, determinado em acabar com a conversa.

Faltavam alguns minutos para as duas da madrugada. Machado Santos entra na camioneta que tem à porta. Senta-se ao lado do condutor. O cabo Olímpio ajeita-se e senta-se ombro a ombro com o almirante.

A menos de 50 metros situa-se o Quartel de Cabeço de Bola, cuja porta de armas fica mesmo no enfiamento directo da casa de Machado Santos. As sentinelas desta unidade da GNR, onde se encontravam bem armadas duas companhias de Infantaria e um esquadrão de Cavalaria, assistem a tudo sem esboçar qualquer vontade de intervir.

A Camioneta Fantasma leva mais um condenado à traiçoeira morte que desde o princípio da noite espalhava o terror sobre Lisboa.

Pela Avenida Almirante Reis abaixo rola em direcção ao Arsenal da Marinha, transportando o mais famoso oficial da Armada republicana para a derradeira viagem da sua vida de pouco mais de quarenta e seis anos cheios de grandeza e de glória.

— Desça, almirante, que vai ser fuzilado!

Junto ao Largo do Intendente, uma avaria súbita no motor da camioneta impedira-a de continuar a marcha com destino ao Arsenal.

Os facínoras não perdem tempo:

— E se a gente o matasse já aqui? Temos de voltar cá a trazê-lo— adianta um dos marinheiros, aludindo às proximidades da morgue. Machado Santos não se deixa impressionar com as ameaças. Fala, discute, protesta: «E a voz daquele ingénuo, que quis ser político, jornalista, revolucionário e vai ser, de encontro a uma parede, um farrapo humano a escorrer sangue por todas as feridas, responde:

— Veja — diz ele para o bandido que lhe fala — que as minhas pulsações não aumentaram.»

No silêncio e solidão da Noite Sangrenta, um carro de aluguer, cedido pelo seu ocupante — um empresário de teatro que, mais tarde, aparecerá envolvido num famoso crime de estrangulamento —, leva para o necrotério o corpo do almirante. Os marinheiros que o transportam, ao apeá-lo do carro, sentem gemer e estrebuchar. Antes de entregarem o moribundo aos maqueiros da morgue, dão-lhe o golpe de misericórdia, acabam a obra cruenta à coronhada e a tiro.

Era manhã de mais um dia de Outubro de 1921. Neste mês fazia onze anos que o destemido oficial subalterno da Marinha gravara o seu nome na mais brilhante página da história republicana portuguesa.

Na verdade, não podia o destino reservar-lhe pior sorte. Um movimento revolucionário comandado pelo principal herói da que tinha sido, em 1891, a primeira grande revolta pela República, acabava, agora, em 1921, com a vida daquele que tinha conseguido levar aos apogeus do triunfo essa mesma República.

Nota final sobre o autor imaginário desta biografia

Poucas horas antes da morte de Machado Santos, José Carlos da Maia é também assassinado pelo bando do Dente de Ouro.»

.

Os republicanos, pese embora o seu denodo, o seu patriotismo e a nobre causa que entusiasticamente abraçaram e defenderam, não conseguiram pôr cobro à situação calamitosa em que a monarquia deixara o país. Aliás, a instabilidade e as dificuldades prolongaram-se. Agravaram-se mesmo. Por inépcia de uns, por impossibilidade de outros, pelas constantes perturbações provocadas pelos “destronados”. Os tiranos têm sempre, por perto dos acontecimentos adversos, um bando liderado por um dente de ouro.

.

Um dia, desencadeia-se a aventura de Sidónio, que ele quereria republicana, mas que só congregava apoios monárquicos (!). Mas a sua impiedosa repressão não demoraria muito, já que o seu autor tinha a morte a prazo: “primeiro presidente de um autoritarismo que começou com ele e continuará para além dele, o destino garante-lhe a frieza de um túmulo que as balas de um desconhecido lhe reservam nessa noite de 14 de Dezembro de 1918” - [VIDAS LUSÓFONAS, Sidónio Pais, coordenação de Fernando Correia da Silva, autor José Brandão]

.

Daí ao golpe do 28 de Maio, passando pela noite sangrenta, foi um instante.

Do 28 de Maio à reconquista da Liberdade, pareceu um século, mas foi quase meio século. Em que se repetiram horas, anos, semanas, dias, meses sangrentos...

.

.

.

Decorreram 65 anos, foi no DM 19.10.1941: morreu, com cerca de 66 anos, o escritor Carlos Malheiro Dias. Em Portugal decorriam os anos de ouro do salazarismo, com Carmona, formalmente como figura principal da estrutura do Estado, mas, na verdade, figura de segundo plano, depois do líder e chefe do Governo Oliveira Salazar. Em Roma, a direcção da igreja cabia a Pio XII (260º).

romancista, dramaturgo, historiador, memorialista, ensaísta e jornalista, é um dos mais importantes prosadores do século XX.

Filho de pai português e mãe brasileira, Malheiro Dias nasceu no Porto em 1875.

Atendendo à sua ascendência, ou talvez também por isso, repartiu entre os dois países a sua vocação literária, «desde o romance, A Mulata, 1896,

.

De cujo manuscrito se pode ver aqui uma cópia

.

que a crítica brasileira hostilizou violentamente, até à monumental História da Colonização Portuguesa do Brasil, 1921, que dirigiu com reconhecida mestria, em que confluíram o realismo historicista e o neo-romantismo nacionalista.» - [Biblioteca Nacional (BN)/Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea (ACPC)]

Dizia: “A Mulata... que a crítica brasileira hostilizou violentamente”. Veja-se um caso:

«Carlos Maul, em O Globo (11 de Setembro de 1957), ainda desabafava: "Livro infame, em que nada do Brasil escapou ao insulto: povo, magistratura, exército, imprensa, literatura, recebem nessa novela enxurradas de lama."» [in site IPLB/Instituto Português do Livro e das Bibliotecas]

Monárquico, a implantação da República, em 1910, fê-lo regressar ao Brasil, em 1913, para aí se exilar.

Os pergaminhos da sua estatura intelectual são diversos: sócio da Academia das Ciências, da Academia Brasileira de Letras, membro fundador da Academia Portuguesa de História e director da revista Ilustração Portuguesa.

Foi deputado nos últimos 13 anos de existência da monarquia. Foi dele o projecto de lançamento da revista brasileira Cruzeiro, porém, por falta de meios financeiros, teve de desistir dele. Interessa-se, então, pelo projecto Assis Chateaubriand, mas perante as mesmas dificuldades com que Malheiro Dias se debateu, Chateaubriand conseguiu reunir as necessárias condições.

Regressado a Portugal, Carlos Malheiro Dias foi nomeado por Salazar, em 1935, nosso Embaixador em Madrid – mas não chegou a tomar posse do cargo.

«Como escritor, Malheiro Dias está ligado ao naturalismo, sendo considerado, na sua época, o continuador de Eça de Queirós. Escreveu romances históricos, dramas, contos e ensaios políticos. As suas crónicas jornalísticas, valiosas para o conhecimento da vida da capital na época, encontram-se reunidas nos três volumes de Cartas de Lisboa (1905-1907), que contêm igualmente textos de crítica política e histórica ao regime republicano» - [ BU/Texto Editores ].

«Conheci o nosso escritor em páginas que ouvi ler a meu pai e não mais esqueci. Que páginas eram essas, que tanto e tão perduravelmente me impressionaram? Eram as que descreviam, com a emoção de um testemunha que dir-se-ia presencial, o naufrágio do paquete Titanic. Nesses serões em que a televisão ainda não viera usurpar o gosto de conversar e de ler, quando ouvia as páginas emotivas de Carlos Malheiro Dias eu naturalmente só apreendia o que elas tinham de movimentado e dramático (...)» - [ Bigotte Chorão, “Carlos Malheiro Dias na ficção e na história” – BB/Biblioteca Breve – ICLP/Instituto de Cultura e Língua Portuguesa - IC/Instituto Camões ]

.

.

.

Completam-se hoje 34 anos, foi na QI 19.10.1972: Amílcar Cabral, dirigente do PAIGC, anuncia na ONU a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau a concretizar em Setembro de 1973.

O regime ditatorial saído do golpe do 28 de Maio desse já longínquo ano de 1926 estava no estertor final. Podre, desfazia-se.

O triste e inábil Américo Tomás, muito contra sua vontade e com enorme pesar, teve de substituir o moribundo Salazar por Marcelo Caetano, anos antes. Mas os ultras faziam a cabeça em água ao conservador Caetano.

O Homem: a sensibilidade, o sonho:

.

ILHA

.

Tu vives — mãe adormecida —

nua e esquecida,

seca,

fustigada pelos ventos,

ao som de músicas sem música

das águas que nos prendem…

.

Ilha:

teus montes e teus vales

não sentiram passar os tempos

e ficaram no mundo dos teus sonhos

— os sonhos dos teus filhos —

a clamar aos ventos que passam,

e às aves que voam, livres,

as tuas ânsias!

.

Ilha:

colina sem fim de terra vermelha

— terra dura —

rochas escarpadas tapando os horizontes,

mas aos quatro ventos prendendo as nossas ânsias!

.

(Amílcar Cabral

- Praia, Cabo Verde,

1945)

[VIDAS LUSÓFONAS, coordenação de Fernando Correia da Silva, autor Carlos Pinto Santos]

.

Historiadores afirmam existirem provas abundantes de que o líder histórico do PAIGC, traiçoeira e barbaramente assassinado, por dois membros guineenses do seu próprio partido, em Conacri aos 20.01.1973, sempre tentara a via da negociação com as autoridades portuguesas. Em vão.

.

Estava, então, em trabalho, em NY,

e foi lá que eu soube do assassinato,

através dos media e, nomeadamente,

através de uma manifestação,

bastante significativa (mais do que se imaginaria),

acerca do acontecimento, em plena 5ª Avenida.

- trata-se, apenas, de um testemunho

.

Nesse mesmo ano de 1972:

- já Amílcar Cabral discursara uma vez, em 01.02, perante o CS da ONU, reunido em Adis Abeba;

- pouco depois, em Abril, desloca-se uma Missão da ONU à Guiné;

- e em Junho seguinte é a OIT que condena a política colonial portuguesa;

- o general Costa Gomes é nomeado CEMGFA (Setembro);

- na data que hoje se comemora, Amílcar Cabral anuncia na ONU a proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau a concretizar em Setembro de 1973;

- Marcelo Caetano, em Novembro, nega a possibilidade de negociações com os movimentos de libertação africanos (“terroristas” na designação oficial do governo português);

- em Dezembro dá-se o Massacre de Wiryamu, em Moçambique, com centenas de vítimas civis inocentes. Em Janeiro desse ano, na sua mensagem de “Boas Festas (a ironia das situações e das palavras!...) Kaúlza de Arriaga, comandante militar da colónia, anuncia que a «vitória final» sobre a FRELIMO está próxima;

- nesse mesmo mês de Dezembro, na noite de passagem do ano para 1973, um grupo de católicos progressistas fazem uma vigília na Capela do Rato, designadamente, contra a guerra colonial;

Amílcar Cabral, um jovem de 32 anos, funda, em Bissau, o PAIGC a 19 de Setembro de 1956, juntamente com Aristides Pereira, Luís Cabral e Júlio de Almeida. E menos de sete anos volvidos, em 23.01.1963, o movimento de libertação inicia a luta armada contra a metrópole colonialista, na Guiné, com o ataque ao quartel de Tite, no Sul da colónia, a partir de bases na Guiné-Conacri.

Mas o líder não teria a felicidade de ver a sua terra livre e independente. É que, entretanto, chegaria a

.

«NOITE DE FACAS LONGAS EM CONACRI

.

O cenário: uma casa branca, isolada, de um só piso,

um largo terreiro à volta, uma enorme mangueira em frente da casa, um telheiro que serve de garagem;

em Conacri, capital da República da Guiné,

de que é Presidente Séku Turé.

O tempo: três da madrugada do dia 20 de Janeiro de 1973.

A acção: um carro, um Volkswagen,

que o condutor arruma no telheiro.

Dois faróis projectam a luz para os ocupantes do veículo

que são Amílcar Cabral e a sua segunda mulher, Ana Maria.

Uma voz ríspida vem da noite e ordena que amarrem Amílcar.

Este resiste. Não deixa que o atem.

O comandante do assalto dispara. Atinge-o no fígado.

Amílcar, sentado no chão, propõe que conversem.

A resposta é uma rajada de metralhadora

que acerta na cabeça do fundador do PAIGC.

A morte é imediata.

Os autores do atentado:

Inocêncio Kani, que dispara primeiro, um veterano da guerrilha, ex-comandante da Marinha do PAIGC;

membros do Partido, todos guineenses.»

.

[VIDAS LUSÓFONAS, id, id]

.

«Ficará, contudo, para a história como um dos mais importantes líderes nacionalistas das antigas colónias. A Cabral se deve o essencial das doutrinas e das estratégias da luta contra o regime colonial. A sua morte não afectou a caminhada da Guiné-Bissau para proclamação da independência, mas comprometeu a sua maior ambição juntar as suas duas pátrias, Guiné e Cabo Verde.» [DN, 24.07.05, Página Internacional]

.

«Aos 28 anos desembarca em Bissau um engenheiro agrónomo que tem em mira outros fins que não só os da sua profissão (onde, aliás, será sempre de grande competência). O principal desses fins: consciencializar as massas populares guineenses. (...) Isto obedeceu a um cálculo, a um objectivo, à ideia de fazer qualquer coisa, de contribuir para o levantamento do povo, para lutar contra os portugueses. É isso que temos feito desde o primeiro dia em que chegámos à Guiné". O "Engenheiro", como lhe chamarão os compatriotas, está na melhor das posições para levar a cabo a tarefa de consciencialização. No posto agrícola de Pessubé, que dirige, contacta com os trabalhadores rurais entre os quais cabo-verdianos. É difícil a unidade entre estes e os guineenses para a constituição de uma luta comum. Será difícil até ao fim, apesar de alguns cabo-verdianos (Aristides Pereira, Fernando Fortes, Abílio Duarte, entre outros) se unirem à sua volta. O trabalho político segue a par da actividade profissional. Encarregado da planificação e execução do recenseamento agrícola da Guiné, o relatório que elabora continua a ser hoje o primeiro dado valorizável para o conhecimento da agricultura guineense. A princípio, Amílcar Cabral procura agir na legalidade. Redige os estatutos de um Clube desportivo e cultural ao qual podem aderir todos os guineenses. As autoridades portuguesas não o autorizarão a funcionar porque a maioria dos signatários não possui bilhete de identidade. Bissau, a 19 de Setembro de 1959, Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, Júlio de Almeida, Fernando Fortes e Elisée Turpin criam o Partido Africano da Independência/União dos Povos da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Obviamente, um partido clandestino, que só deixará de o ser quatro anos mais tarde, quando instalar a sua delegação exterior em Conacri. Nesse período, a actividade de Amílcar Cabral é esgotante. Continuando os seus estudos fitossanitários e agrológicos, viaja frequentemente entre Portugal, Angola e Guiné. Em Novembro de 1957 participa em Paris numa reunião para o desenvolvimento da luta contra o colonialismo português, mantém contactos com os anti-colonialistas em Lisboa, está em Accra num encontro pan-africano e vai a caminho de Luanda quando ocorre o massacre de Pidjiguiti. Em Janeiro de 1960 vai à II Conferência dos povos africanos, em Tunis, em Maio está em Conacri. Ainda neste ano, em Londres, denuncia numa conferência internacional, pela primeira vez, o colonialismo português. Mas aí, como durante todos os anos de luta, sublinha com ênfase não estar contra o povo português. O seu combate é, em exclusivo, contra o sistema colonial. Hoje, as investigações históricas e os depoimentos de muitos intervenientes da época mostram que líder do PAIGC sempre se disponibilizou para negociações com o Governo português, nunca aceites pelo regime da ditadura. Entre 1960 e 1962, o PAIGC actua a partir da República da Guiné. (...) Em 1962, desencadeia-se a luta armada contra o Estado Português. De facto, o Exército Português nada lucra com o assassínio. A guerrilha intensifica a acção. Em Março de 1973, dispõe dos mísseis terra-ar "Stella" que retiram a supremacia aérea às forças portuguesas. Em Maio, Spínola, governador da Guiné, avisa o ministro Silva Cunha: "Aproximamo-nos, cada vez mais, da contingência do colapso militar". A 24 de Setembro, nas matas de Madina do Boé, o PAIGC declara, unilateralmente, a independência da Guiné-Bissau.»

[VIDAS LUSÓFONAS, id, id]

.

.

.

Sem comentários:

free web counters
New Jersey Dialup