quinta-feira, outubro 05, 2006

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA

El Greco, O enterro do Conde de Orgaz (1586/1588)
Igreja de S. Tomé, Toledo, Espanha




Este é o espaço em que,

habitualmente,

faço algumas incursões pelo mundo da História.

Recordo factos, revejo acontecimentos,

visito ou revisito lugares,

encontro ou reencontro personalidades.

Datas que são de boa recordação, umas;

outras, de má memória.

Mas é de todos estes eventos e personagens que a História é feita.

Aqui,

as datas são o pretexto para este mergulho no passado.

Que, por vezes,

ajudam a melhor entender o presente

e a prevenir o futuro.

Respondendo a uma interrogação,

continuo a dar relevo ao papado.

Pela importância que sempre teve para o nosso mundo ocidental.

E não só, nos últimos séculos.

Os papas sempre foram,

para muitos, figuras de referência,

e para a generalidade, figuras de relevo;

por vezes, e em diversas épocas, de decisiva importância.

Alguns

(muitos)

não pelas melhores razões.

Mas foram.

.

.

DE ACORDO COM O CALENDÁRIO DA ONU:

1997/2006 - Década Internacional para a Erradicação da Pobreza.

2001/2010 - Década para Redução Gradual da Malária nos Países em Desenvolvimento, especialmente na África.

2001/2010 - Segunda Década Internacional para a Erradicação do Colonialismo.

2001/2010 - Década Internacional para a Cultura da Paz e não Violência para com as Crianças do Mundo.

2003/2012 - Década da Alfabetização: Educação para Todos.

2005/2014 - Década das Nações Unidas para a Educação do Desenvolvimento Sustentável.

2005/2015 - Década Internacional "Água para a Vida".

2006 Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação.

Semana Mundial do Espaço Sideral.

Dia Internacional do Professor (UNESCO)

Dia da Implantação da República em Portugal.

.

.

Completam-se hoje 863 anos, foi na TR 05.10.1143: realiza-se a Conferência de Zamora, na cidade do mesmo nome (reino de Leão), pela qual é reconhecida pelo rei Afonso VII de Leão e Castela a independência de Portugal.

No Vaticano pontificava, desde dois dias antes, DM 03OUT, o papa Celestino II (165º).

Em 4 e 5 de Outubro deste ano de 1143, encontram-se em Zamora, na presença do cardeal Guido de Vico, Afonso VII e D. Afonso Henriques: neste encontro os dois primos e políticos assinaram um tratado de paz e deu-se o reconhecimento, pelo monarca castelhano-leonês, do título de rei ao príncipe português (reconhecimento da independência).

O Tratado de Zamora é, pois, como que uma espécie de certidão de nascimento de Portugal. Confirma, nesta data, o que ocorreu um dia, cerca de quatro anos antes, em 1139, quando, depois de uma retumbante vitória em Ourique contra uma forte formação moura, D. Afonso Henriques se proclama Rei de Portugal, apoiado e vitoriado pelas suas tropas.

.

O imperador Afonso VII era primo direito de Afonso Henriques

(as mães eram irmãs),

e ambos eram netos de Afonso VI de Leão e Castela.

.

No imenso mosaico de reinos e nacionalidades

que, então, integravam a península,

Afonso VII era rei de Leão, de Castela, de Toledo e da Galiza.

Proclamando-se, em 1127, Imperador de Toda a Espanha.

.

Nesse ano da Cimeira (como diríamos hoje) de Zamora, Guido de Vico estava em Portugal como legado do papa Inocêncio II (que morreu uns 10 dias antes, a 24.09), para tratar de diversos diferendos eclesiásticos.

E foi ainda, então, que recebeu, na qualidade de que vinha investido, o juramento de vassalagem à Santa Sé, prestado por D. Afonso Henriques.

[Fonte principal: História Eclesiástica de Portugal, Pe Miguel de Oliveira, pág 115]

.

.

Por vezes, quando acima refiro Portugal, claro que pretendo dizer Condado Portucalense. Constituído cerca de 1095 em feudo do rei Afonso VI de Leão e Castela, O Condado Portucalense foi oferecido a Henrique de Borgonha (1066-1112), em recompensa de serviços militares prestados na Reconquista, o qual viria a casar-se (1093) com sua filha, a infanta Teresa de Leão. O Condado Portucalense abarcava também o antigo condado de Coimbra, suprimido em 1091, partes de Trás-os-Montes e ainda do Sul da Galiza (mormente da zona de Tui).

.

Com D. Afonso Henriques (o mais novo dos vários filhos de D. Henrique de Borgonha e da infanta D. Teresa de Leão, mas o único que “vingou”) começou a existência de Portugal e iniciou-se a dinastia Afonsina ou de Borgonha.

Mercê de circunstâncias várias que se conjugaram, e, segundo respeitáveis autores, em resultado duma especial força anímica e independentista dum pequeno povo, Portugal quebra o elo que o submetia ao reino de Leão e Castela.

“Portugal constituiu-se, e parece ser esta a primeira característica fundamental, rasgando a homogeneidade de uma região peninsular [...]. A primeira característica fundamental da nossa cultura e do nosso País é este processo de formação, de ruptura com o homogéneo e de integração do que é heterogéneo, daquilo que é diferente”[ Vitorino Magalhães Godinho, Reflexões sobre Portugal e os Portugue­ses na sua História (1985), apud Portugal como Problema, ..., vol I, 21, Público/Fundação Luso-Americana, 2006 ]

O reconhecimento diplomático foi o aludido Tratado de Zamora.

Internamente, fala-se de umas míticas cortes de Lamego (mesmo ano), que terão confirmado a independência e em que formalmente D. Afonso Henriques terá recebido a coroa real das mãos de D. João Peculiar, arcebispo de Braga.

Alexandre Herculano, porém, demonstrou nunca terem existido estas cortes.

.

.

Mas perante a comunidade internacional, e de acordo com o circuito do peso e das influências de então, o processo de independência de Portugal e o reconhecimento de D. Afonso Henriques como seu soberano, ainda não haviam chegado a seu termo.

O Pacto foi assumido e assinado entre as partes.

Dera-se, com aquela intervenção do legado pontifício, o primeiro passo nesse mais complicado reconhecimento pelo direito internacional da época.

Finalmente, mais de 35 anos volvidos, Alexandre III (170º) confirmou o direito de D. Afonso Henriques à coroa portuguesa, confirmando-lhe o título de rei e reconhecendo-lhe o domínio de todos os territórios conquistados aos Mouros (bula Manifestis Probatum de 23.05.1179).

Portugal nem sempre teve dirigentes que correspondessem aos seus anseios.

E sempre teve muitos sonhos...

“(...) o sonho português foi, sobretudo um rosário de sonhos menores que desenharam, não um Portugal fora de tempo e do espaço, mas uma sucessão de tempo-seres que nada predestinava para o sonho maior que nós chamamos imperial” –

[ O Sonho Português, Eduardo Lourenço, in EGOÍSTA, dedicada à diáspora, volume exactamente intitulado Sonho Português, Setembro de 2006]

.

.

.

Há 465 anos, aos 05.10.1541, numa QA, nasceu em Iráklio, capital da (hoje) ilha grega de Creta, então pertencente à “Sereníssima República de Veneza”, Domenikos Theotokópoulos, que ficou conhecido – e usava - El Greco.

Nesta época a Grécia peninsular e algumas das suas ilhas estavam sob o domínio dos Turcos Otomanos. Outras – como Creta – sob o domínio de Veneza, como acima se diz. Até ao séc. XVIII. Veneza era governada, pois, por um doge. Em França, ao tempo, reinava Francisco I, primo e genro de Luís XII. Em Inglaterra reinava Henrique VIII. Rei de Aragão e regente de Castela era Carlos I, que era, simultaneamente, Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano Germânico, que foi casado com a infanta Isabel de Portugal, filha de D. Manuel I, de quem teve sete filhos, entre eles, Felipe II de Espanha (Filipe I de Portugal, que foi genro de D. João III, por ter casado com sua prima, a infanta Maria Manuela de Portugal, filha d’O Piedoso). Em Portugal reinava, exactamente, D. João III (15º), O Piedoso. Na igreja de Roma pontificava Paulo III (220º).

El Greco foi um grande pintor. Mas foi também escultor. E consta que, ainda, arquitecto. Mas foi, sobretudo, um grande retratista, especialmente de clérigos e nobres.

Não obstante a sua origem, foi em Espanha que desenvolveu a maior parte da sua carreira. Como foi em Espanha, Toledo, que viria a finar-se, com 72 anos, a 07.04.1614.

Aos 19 anos, em 1560, transferiu-se para Veneza onde trabalhou com o famoso pintor Ticiano

.

“Tiziano Vecellio ou Vecelli (1490-1576)

foi um dos principais representantes

da escola veneziana no Renascimento

antecipando diversas características do Barroco e até do Modernismo”.

.

El Greco privou ainda com outros grandes nomes da pintura, como Tintoretto, Veronèse e Bassano.

.

“Tintoretto,

como era conhecido Jacopo Robusti (c. 1518-1594),

foi provavelmente o último grande pintor da Renascença Italiana”.

.

Paolo Veronese (c. 1528-1588)

foi um destacado pintor maneirista da Renascença italiana,

cujo verdadeiro nome era Paolo Cagliari, ou Caliari.

(Veronese – como era hábito e logo se deixa ver - por ser de ali bem perto, de Verona)

.

Bassano ou Il Bassano

(como, então e tradicionalmente, alcunha de origem toponímica)

era como era conhecido um dos mais influentes pintores da Renascença veneziana,

Jacopo da Ponte,

nascido em Bassano del Grappa, uma comuna italiana (c. 1510-1592).

.

A marca de alguns destes seus mestres ou contemporâneos é sublinhada pelos entendidos, como a de Ticiano, cuja “total e solene influência”, se pode observar no seu quadro A Cura do Cego, ou a de Tintoretto, no respeitante “à composição de figuras e à utilização do espaço”.

Em 1570, pouco antes de rumar a Espanha, foi para Roma, onde tomou contacto com obras de Michelangelo (1475-1564), falecido pouco antes, que marcou profundamente a sua carreira.

Curioso, no entanto, é que El Greco, “perante a capela sistina de Miguel Ângelo, exclamou que este poderia ser uma óptima pessoa, mas não percebia nada de pintura (...) - [ BU, da Texto Editores ].

Chegado a Espanha, é aí que realiza as sua “obras mais maduras”. Teve inclusivamente o apoio de Felipe II (Filipe I de Portugal), mas o monarca não gostou do trabalho do pintor.

Mas as suas telas mais célebres, as suas obras-primas, são O Enterro do Conde Orgaz (1586-1588) e O Baptismo de Cristo (1608-1614).


O seu mais famoso quadro, O Enterro do Conde de Orgaz, foi feito de encomenda para a igreja de S. Tomé, de Toledo. Baseia-se numa lenda local que afirma terem comparecido ao funeral do virtuoso cavaleiro cristão Santo Agostinho e Santo Estêvão, eles mesmos.

“O quadro divide-se em duas cenas: uma terrena e outra divina. Na parte inferior, os santos mencionados enterram o conde, na presença da nobreza toledana e de destacados eclesiásticos. Na superior, onde está a corte celestial, um anjo eleva a alma do defunto”, obra em que claramente “se evidenciam o alongamento das figuras e o horror vacui, traços típicos de El Greco, que seriam acentuados nos anos posteriores”.

Ou, noutra e mais pormenorizada leitura, “na metade inferior, Santo Estêvão e Santo Agostinho sustentam o cadáver do senhor de Orgaz; atrás deles, uma série de personagens vestidos de negro e com cabeção, com rostos cheios de espiritualidade, contemplam a cena ou olham para o céu. Estas figuras são retratos de personagens toledanos da época; a criança que aparece em primeiro plano é Jorge Manuel, filho do pintor. O fundo brilha pela sua ausência: não há paisagem nem cenário arquitectónico. Na metade superior, sobre um fundo de anjos e santos figura Nosso Senhor flanqueado por S. João Baptista e a Virgem, que recebem a alma do defunto em forma de criança levada por um anjo. [Vidas Lusófonas, coordenação de Fernando Correia da Silva]

.

O Baptismo de Cristo é um dos que faz parte da exposição permanente do Museu do Prado de Madrid.

Na sua época, El Greco teve apenas dois seguidores do seu estilo, entre eles o seu filho Jorge Manuel Theotocópoulos. Além disso, terá passado pelo menos trezentos anos ignorado pela crítica.

Hoje, contudo, é geralmente reconhecido como um dos grandes nomes da pintura mundial.

El Greco “foi um artista pragmático e cuja obra revela um carácter pouco compassivo com as regras estabelecidas. Pintor de grande importância no contexto do maneirismo. El Greco, aparentemente, não deu qualquer importância às proporções ou à caracterização da textura. A figura humana, aparece sempre distorcida, salientando a sua verticalidade. Tanto o corpo como os tecidos aparecem indiferentemente como manchas de cor, e o traço é sempre contorcido e impaciente - [BU, da Texto Editores].

Muitas das sua telas, para além das que fazem parte do fabuloso recheio de vários museus e outros espaços expositivos (como o Museu do Prado, de Madrid, a Catedral de Toledo, o Escorial, a National Gallery, de Londres, o Museu Metropolitano de Arte, de Nova Iorque e a National Gallery, de Washington), integram a grande colecção privada e rara do médico e filantropo alemão, de Estugarda, Dr.Gustav Rau, falecido aos 03.01.2002, “avaliada, numa estimativa conservadora de 2001, em 600 milhões de dólares (hoje, 470 milhões de euros) -, a segunda maior do mundo, dizem os peritos, depois da Thyssen (Madrid)”.

Destaque, ainda, para a exposição temporária no nosso MNAA, às Janelas Verdes, em Lisboa.

[Fontes: para além de outras pontualmente mencionadas, basicamente: Wikipédia, a enciclopédia livre]

.

.

.

Aconteceu há 424 anos: nalguns países europeus (entre eles, em Portugal, França, Espanha, Itália Luxemburgo, Polónia, Hungria e Holanda), e também no Brasil (e, naturalmente, noutros países da América do Sul) em lugar de nesse dia ser (SX) Sexta 05.10.1582, foi, antes, SX, sim, mas 15 do mesmo mês de Outubro: era o primeiro dia do novo calendário gregoriano, já que na véspera, QI 04.10.1582, fora o último dia do velho calendário juliano. Oficialmente (legalmente, ao fim e ao cabo), e para acertar o calendário, deixaram de existir 10 dias desse mês, os dias 05 a 14 (ambos incluídos).

De entre os aderentes ao novo calendário, o Luxemburgo, que fora um condado independente do Império Romano até 1354, passou a ducado, que entretanto se extinguiu (porque a família, a dinastia, se extinguiu) e passou às mãos dos Habsburgos e a província da Holanda. A Itália, como hoje a conhecemos, era um puzzle complicado: a península era constituída por uma infinidade de estados (nacionalidades) – reinos e repúblicas - independentes, até que, iniciada a unificação (forçada, em muitos casos, está bem de ver) em 1861 foi concluída em 1870. (O reino de Nápoles, por exemplo, pertencia à coroa de Aragão e Veneza constituía a Sereníssima República de Veneza - como acima se recorda -, e Milão integrava, então, também, o domínio espanhol). Em França reinava Henrique III. Portugal e Espanha eram governados pelo mesmo rei - Filipe I (18º) (Felipe II em Espanha). O pontífice romano, como de seguida vamos ver, era Gregório XIII (226º).

Em tempos mais recuados, as datas referidas pelos cronistas peninsulares respeitavam à era de César ou hispânica ou gótica. A partir, no entanto, de D. João I (lei de 15.07.1422), é estabelecido que se passem a referir os anos da era cristã. Para tanto, e sendo necessário fazer a conversão daqueles (era de César) a estes (era cristã), essa conversão faz-se subtraindo 38 anos à era de César, encontrando-se, assim o correspondente ano da era cristã.

No entanto vigorava o calendário juliano.

Antes do calendário juliano, o calendário romano era constituído por dez meses e o ano começava em Março. Julho era, portanto, o quinto mês, sendo por isso chamado Quintilis (do latim quintus).

Com a reforma de Júlio César, em 45 a.C., e a introdução do calendário Juliano, foram acrescentados dois meses ao ano - Janeiro e Fevereiro - o que tornou Quintilis no sétimo mês, sendo rebaptizado como Julius (Julho, em português) em honra de Júlio César.

O Calendário Gregoriano, utilizado actualmente na maior parte dos países ocidentais, foi promulgado pelo papa Gregório XIII a 24 de Fevereiro do ano de 1582, para substituir o calendário Juliano. E Julho manteve-se como sétimo mês...

"A era hispânica, ou de César, ou safarense, como os árabes diziam, foi abolida em 1422 em Portugal, adoptando-se oficialmente a era de Cristo pelo cálculo pisano, que faz coincidir o ano I com o 39 da era hispânica, de forma que a redução das datas da moda antiga faz-se eliminando trinta e oito anos. A reforma cronológica data de 1422 da era de Cristo (ou 1460 da era de César).

A era cristã fora já anteriormente adoptada em outros estados da Espanha: em 1350 no de Aragão, em 1383 no reino unido de Castela-Leão. Havia, porém, várias eras cristãs; a da Encarnação, a do Nascimento e a da Ascensão; havendo além disso o cálculo pisano e o florentino. Pelo primeiro, o nascimento de Cristo é o primeiro dia do ano I; pelo segundo, o ano I só começa um ano depois do mesmo nascimento. Para a concordância das datas os dois cálculos diferem pois de um ano. [ Cfr Oliveira Martins, Os Filhos de D. João I, nota 14, pág 21 - que neste passo se socorre de J. P. Ribeiro ]

De todo o modo (e atenta outra referência) o ano I da era cristã era o ano 753 da fundação (de Roma, que, como é sabido, foi fundada em 753 a.C., segundo a nossa contagem do tempo).

Voltando a Oliveira Martins, continua ele: "Eis aqui o texto da lei nas Orden. afon., VI, 66.

«ElRey Dom Joham de famosa e excellente memoria em seu tempo fez Ley em esta forma que se segue:

I - Manda ElRey a todolos Taballiaães e Escripvaães do seu Regno e Senhorio que daqui em diante todolos contrautos e escripturas que fezerem ponham Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo, assi como ante soyam a poer Era de César: e esto lhes manda que façam assi sob pena de privaçom dos Offícios.

II - Poblicado foi assi o dito Mandado do dito Senhor na Cidade de Lixboa per mim Philipe Affonso Loguo-Tenente do Escrivam de Chancellaria nos Paaços d'ElRey perante Diego Affonso do Paão ouvidor na sua Corte que sia em audiencia, aos vinte e dous d'Agosto Anno de Nascimento de Nosso Senhor Jesu Christo de mil quatro centos vinte e dous annos.

III - E vista per nos a dita Ley, mandamos que se guarde como em ella, hé contheudo». [ id, id, pág 22]

Isto, no respeitante a eras – já atendendo ao calendário juliano.

Outra era a matéria específica dos calendários.

Gregório XIII, depois de um longo estudo (cinco anos) - em que um dos cientistas consultados foi o nosso matemático e cosmógrafo Pedro Nunes (1502-1578) - decretou, em 1582, a reforma do calendário juliano, adoptando-se, a partir de então, o actual - que, por isso, se diz calendário gregoriano. Em síntese (e de uma forma necessariamente grosseira, já que nós - o vulgo - não entendemos os respectivos fundamentos científicos), a questão a resolver era acertar, o mais possível, a diferença - que se vinha acentuando - entre o ano civil e o ano natural.

Antes de mais, tenha-se em conta que o calendário que se reformava já era velho de muitos séculos: era o calendário Juliano, introduzido em 46 a.C. por Júlio César!

.

.

Os Romanos tinham nomes especiais

para 3 dias específicos, e fixos, em cada mês:

calendas (donde deriva a palavra calendário), o primeiro dia do mês;

nonos, tradicionalmente o dia correspondente ao quarto crescente,

que podia ser o 5º (em Janeiro, Fevereiro, Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro, Dezembro) ou o 7º (em Março, Maio, Julho, Outubro) dia;

idos, por tradição o dia da lua cheia que, podia ser o 13º

(Janeiro, Fevereiro, Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro, Dezembro)

ou o 15º (Março, Maio, Julho, Outubro)

.

.

A equipa designada pelo papa Gregório XIII, para reformar o calendário juliano (e de que fazia parte um importante astrónomo, Clavius), considerou-o baseado num sistema quase perfeito.

O calendário juliano era um calendário solar que procurava sintonizar o calendário com as quatro estações do ano. Assim, César impôs que o ano fosse constituído por 12 meses com duração predeterminada e a adopção de um ano bissexto de quatro em quatro anos.

.

Consta que no ano anterior à introdução do calendário juliano,

foram acrescentados mais dois meses, de 33 e 34 dias,

entre Novembro e Dezembro,

além dum outro que se seguiu ao de Dezembro,

com 23 dias.

Ou seja, aquele ano teve 445 dias, distribuídos por 15 meses.

.

A constatação de que se partia, durante o pontificado de Gregório XIII, traduzia-se, no ano de 1582, no seguinte: o equinócio da Primavera ocorria a 11 de Março (!), o que implicava uma grande antecipação da Páscoa.

Além do mais, os cientistas concluíram que o dia era mais curto do que os supostos 365,25 dias (hoje sabemos que soma, apenas, de 365,242129)

Ora, essa diferença atingia 1 dia a cada 128 anos, sendo que nesse ano já completava 10 dias.

Assim, para a equipa constituída pelo Papa Gregório XIII para reformar o calendário, a questão a resolver, era a seguinte: para facilitar os cálculos, atribuiu-se ao ano (natural) a extensão de 365 dias e 6 horas. Isto é - e de novo para facilitar as coisas - considerava-se que o ano (comum) tinha apenas aqueles 365 dias. Logo, as seis horas que restavam, em cada ano, eram a justificação do acréscimo de um dia, de quatro em quatro anos (ano bissexto).

Porém, constatou-se que o ano natural não tinha mais 6 horas que o ano civil: na realidade aquele tinha a mais que este, apenas 5h 48m 46s. Desta forma, quando, para facilitar cálculos, se entra em linha de conta com aquelas 6 horas, estamos a considerar mais 11m e 14s do que o que deve ser. O que, ao fim de 4 anos, soma quase 45 minutos.

E então, o que a task force nomeada por Gregório XIII concluiu, foi que nesse ano de 1582 a acumulação daqueles 11m e 14s já somava 10 dias completos. Daí que o papa ordenasse que a esse ano se subtraíssem esses 10 dias. Para tanto, mais determinou que ao dia 4 de Outubro desse ano se seguisse o dia 15 do mesmo mês.

E para que o sistema se aproximasse o mais possível da realidade, determinou-se que os anos de 1700, 1800 e 1900 fossem comuns, e não bissextos, como seria natural. E que a partir daí, a cada três anos seculares comuns se seguisse um ano (secular) bissexto. Nesta ordem de ideias, 2000 será bissexto; mas 2100, 2200 e 2300 deverão considerar-se comuns.

Resumindo:

As reformas, publicadas na bula papal Inter Gravissimas em 24.02.1582, foram:

- subtrair 10 dias do ano de 1582, para recolocar o Equinócio da Primavera em 21 de Março. Assim, o dia seguinte a 4 de Outubro de 1582 (Quinta-feira) passou a ter a data de 15 de Outubro de 1582 (Sexta-feira).

- introduziu a regra de que anos múltiplos de 100 (os anos seculares) não são bissextos a menos que sejam também múltiplos de 400.

- o dia extra do ano bissexto passou de 25 de Fevereiro (sexto dia antes de Março) para o dia 28 de Fevereiro

- o ano novo passou a ser o 1º de Janeiro.

Estas modificações foram adoptadas imediatamente em diversos países, já mencionados acima, mas somente em Setembro de 1752 na Inglaterra e Estados Unidos, onde o 2 de Setembro de 1752 foi seguido do 14 do mesmo mês e ano, e, somente com a Revolução, na Rússia, quando o dia seguinte ao 31 de Janeiro de 1918 passou a ser o 14 de Fevereiro de 1918.

Cada país, (e mesmo cada cidade, na Alemanha, por exemplo) adoptou o Calendário Gregoriano em época diferente.

“O ano do Calendário Gregoriano tem 365,2425 dias solares médios, ao passo que o ano tropical tem aproximadamente 365,2422 dias solares médios. A diferença de 0,0003 dias corresponde a 26 segundos (1 dia a cada 3300 anos).”

.

O calendário persa

é considerado mais preciso que o calendário gregoriano,

já que no calendário gregoriano há um erro de 1 dia a cada 3320 anos,

ao passo que no calendário persa, há um erro de 1 dia a cada 3,8 milhões de anos!

.

.

(seria bem menos maçador, individualmente falando,

termos de nos preocupar apenas

com a passagem dos tais 3,8 milhões de anos,

para cada um de nós acertar as nossas vidas e os nossos relógios

com o ano natural...

Do que estarmos com esta preocupação de 3320 em 3320 anos...

Mas vá... Do mal, o menos!)

.

.

Voltando à reforma gregoriana do calendário: ora o que sucede é que, na Sexta-feira (SX) dia 15 de Outubro de 1582 em Portugal e Brasil, era 05 de Outubro em Inglaterra e EUA! O Calendário entre estes países só ficou coincidente, decorridos mais de 170 anos, em Setembro de 1752 quando a Inglaterra e os EUA decidiram (finalmente) fazer a correcção nos seus calendários. E esta aconteceu da QA 02 desse mês, para QI (dia seguinte) que passou a ser 14 do mesmo mês. E nessa data, sim, os calendários voltaram a coincidir.

E note-se que, neste caso, a diferença de dias aumentou para 11, em 1752, em vez dos 10 dias de diferença que vimos existirem no ano de 1582. Por uma razão muito simples: segundo a nova fórmula (gregoriana), 1700 não foi ano bissexto em Portugal e no Brasil, mas foi na Inglaterra e nos EUA. (Nesse ano, houve 365 dias em Lisboa e 366 em Londres...)

Voltando ao grupo de trabalho do calendário gregoriano, no fundo, e em resumo, digamos que a regra a respeitar, a partir de então (1582) é a seguinte: o ano é bissexto se for divisível por 4. Porém, no que aos anos seculares respeita, estes só são bissextos se divisíveis por 400.

Os últimos países a adoptar o calendário gregoriano foram a Turquia, em 1926 e a China, em 1929.

O calendário predominante no mundo é o gregoriano. Por razões óbvias.

Mas não é o único. Subsistem vários outros, como o muçulmano, de acordo com o qual estamos em 1426. (Uma curiosidade: o dia muçulmano começa ao pôr-do-Sol).

Em 21 de Março de 2006 começou o ano 1385 do calendário persa, (o ano persa começa sempre na data do equinócio da Primavera).

O calendário mais bem elaborado das antigas civilizações pré-colombianas foi o maia, e do qual deriva o calendário asteca.

O calendário hebraico creio que é o que vai mais adiantado. Segundo ele, estamos em 5767. Este tem a particularidade de começar a contar o tempo histórico a partir do que os judeus consideram ter sido o dia da criação: 7 de Outubro de 3761 a.C., em termos do calendário gregoriano.

Bom: e o que seria um calendário que contabilizasse os supostos 13 mil e setecentos milhões de anos que são a idade do Universo?

.

.

.

Foi há 293 anos, na QI 05.10.1713, nasceu, em Langres, França, o “pai da Enciclopédia”, Diderot.

Em França reinava Luís XIV, o Rei-Sol, já próximo do seu “ocaso” (morreria em 1715). Na Grã-Bretanha, reinava Ana I, da Casa de Stuart, irmã e cunhada da sua antecessora, Maria II. Em Portugal, reinava D. João V (24º), o Magnânimo, da Casa de Bragança (4ª dinastia), e chefiava o governo (Secretário de estado) Diogo de Mendonça Corte Real, um dos nossos mais notáveis diplomatas do séc. XVIII. Pontífice romano, então, era Clemente XI (243º) – o papa que cumulou a Sé de Lisboa de extraordinárias mercês e muitas dignidades. A tal ponto que, "o patriarcado de Lisboa ficou assim transformado em miniatura da corte pontifícia (...)” - [ Vide Pe Miguel de Oliveira, História Eclesiástica de Portugal, 2ª ed, 1948, pg 308] .

.

.

“Se aquilo a que se chama a essência divina

se combina com a essência material,

Deus e a matéria formam um todo

de que eu sou uma parte”.

- Apud

Diderot - Objecções aos argumentos dum crente

(ver link mais abaixo)

.

.

Denis Diderot, filósofo e escritor, foi uma das figuras emblemáticas do “Século das Luzes“. Foi com D'Alembert que se lançou nessa grande aventura da Enciclopédia. Acontece mesmo que, quando iniciaram o projecto, Diderot era ainda pouco conhecido, enquanto que D'Alembert já era cientista muito prestigiado. Anos depois, creio que, em termos de notoriedade, se terão invertido os papéis.

Na verdade, Diderot converteu-se num dos nomes mais distinguidos do Iluminismo, destacando-se em todo pensamento moderno da filosofia, na política, na literatura, arte e pensamento científico, além de se ter tornado no nome maior do Racionalismo Francês que revolucionou a história da humanidade.

“A primeira peça importante da sua carreira literária é Lettres sur les aveugles à l’usage de ceux qui voient, em que resume a evolução do seu pensamento desde o deísmo até ao cepticismo e o materialismo ateu, o que o leva à prisão” - [ Wikipédia, a enciclopédia livre ] .

Mas a obra da sua vida é a Encyclopédie (1750-1772), de 35 volumes, co-editada com d'Alembert, tendo como colaboradores Rousseau, Voltaire, Montesquieu e outros ensaístas ilustres. “Constituindo uma versão aumentada e politizada da enciclopédia inglesa de 1738, de Ephraim Chambers (c.1680-1740), este trabalho exerceu uma enorme influência no pensamento social contemporâneo com o seu materialismo e o seu anticlericalismo” - [ BU, da Texto Editores].

D’Alembert (Paris, 16.11.1717 - Paris, 29.10.1783) - que alguns referem como Jean Baptiste d'Alembert, outros como Jean le Rond d'Alembert, outros ainda aludem como Jean Baptiste le Rond d'Alembert – foi um insigne matemático, embora tivesse começado por estudar direito e depois medicina. Distinguiu-se em mecânica e astronomia.

É da sua pena que sai o famoso Discurso Preliminar da Enciclopédia. Como escreveu para ela sobre tópicos científicos, entrosando, sobretudo, vários ramos da ciência. A sua colaboração não se limitou, portanto, à matemática.

Curiosamente, em matéria editorial da obra, as predominantes preocupações dos dois sócios tinham as suas nuances: D'Alembert, era mais sensível à necessidade de garantir a colaboração de homens com uma competência específica numa área determinada. Diderot, mais atento à conjugação do espírito de síntese e eloquência. [ Olga Pombo, Depart. de Educação, Faculdade de Ciências da UL ]

São várias as disciplinas sobre que Diderot se debruça, desde teatro (com fraco êxito), à crítica de arte.

Sem alguma vez esquecer a sua qualidade de filósofo, foi no entanto dos primeiros autores a fazerem da letras um ofício.

“Preocupam-no sempre a natureza do homem, a sua condição, os seus problemas morais e o sentido do destino. Admirador entusiasta da vida em todas as suas manifestações, Diderot “situa [a moral e a estética] num contexto humano total, tanto emocional como racional”. E acerca do clero e da nobreza sintetiza a sua acirrada repulsa a ambos na famosa frase: “O homem só será livre quando o último déspota for estrangulado com as entranhas do último padre” - [ Wikipédia, a enciclopédia livre ] .

“O materialismo de Diderot, expresso de uma forma muito articulada em Le Rêve de D'Alembert, publicado após a sua morte, vê o mundo natural apenas como matéria e movimento. O seu relato da origem e desenvolvimento da vida é puramente mecânico”. [ BU, da Texto Editores].

Voltando ao seu texto, no concernente à atitude de Diderot e de D’Alembert em relação aos enciclopedistas ou colaboradores, explica a Prof Olga Pombo: “Ao reclamar a colaboração de sábios com uma competência específica numa determinada área, D'Alembert não está a pensar ainda no especialista enclausurado no seu estrito domínio de conhecimento e ignorante de tudo o mais que o desenvolvimento científico do século XIX irá produzir. Por seu lado, Diderot estaria pronto a recusar a hipótese de que o enciclopedista pudesse ser o generalista mais ou menos diletante que se vai constituir à margem da especialização da ciência, como seu subproduto. Estamos ainda no século XVIII, quer isto dizer, o homem de cultura é uma figura que consegue abarcar com profundidade o essencial do saber do seu tempo”. [ cit Olga Pombo, id, id ] .

Diderot morre em Paris, aos 70 anos, a 31.07. 1784.

Peça interessante é o seguinte comentário de Diderot, dirigido ao filósofo holandês, adversário do materialismo e do ateísmo, Hemsterhuis (1721-1790), encontrado nos Estados Unidos pelo prof Georges May, da Universidade de Yale:

DIDEROT - OBJECÇÕES AOS ARGUMENTOS DUM CRENTE

.

.

.


Naquela TR 05.10.1880, há 126 anos, morreu em Paris, aos 61 anos, Offenbach, compositor francês, de origem alemã. Na Alemanha reinava o imperador (Kaiser) Guilherme I, que também era rei da Prússia. Em França estava em curso a III República, com Jules Grévy na presidência. Em Portugal reinava D. Luís (32º), sendo presidente do Conselho de Ministros Anselmo José Braamcamp de Almeida Castelo Branco, pelo Partido Progressista. Pontificava Leão XIII (256º), autor da encíclica "Rerum Novarum".

Jacques Offenbach nasceu em 20.06.1819, em Colónia, Alemanha, como Jacob Eberst e também era conhecido como Jacques Levy.

Começou por ser um virtuose do violoncelo. Mas depois seguiu a sua verdadeira paixão: a comédia musical, onde foi compositor e maestro.


Irreverente e bem humorado, compõe a
opereta parisiense, parodiando a "Grande Ópera" da “Cidade das Luzes”. “São comédias espirituosas, fazendo brincadeira a respeito de tudo, da mitologia grega ao estilo solene da Comédie Française, e caricaturando as autoridades parisienses”.

A música dessas operetas (designadamente canções, valsas e cancãs) trazem-nos à memória a Paris frívola e elegante do século XIX.

Quando Paris se degrada, ambiental, social e politicamente, “Offenbach começa a lembrar-se da velha Alemanha idílica e dos contos fantásticos de Hoffmann. Escreve, então a sua única ópera seriamente trabalhada, Os Contos de Hoffmann” (1881).

De resto, as “suas obras, cheias de imaginação musical, verve rítmica e humor burlesco, reflectem o ambiente da sociedade do II Império na França”.

Embora Offenbach seja um dos compositores mais representativos da música popular do século XIX, tendo dado especial ânimo à opereta como género musical, a verdade é que a obra que mais o celebriza é a ópera Os contos de Hoffmann, de que existe um fragmento super divulgado: a barcarola.

”A estreia de sua jóia musical só iria ocorrer cinco meses após [o seu passamento]. A opera foi considerada o maior evento da temporada, atingindo um recorde de 101 apresentações”.

Também muito divulgada é a sua opereta Orfeu no inferno (1858), a primeira que compôs, produto e reflexo, exactamente, dessa época de frivolidade e decadência do segundo império. Foi com o Orfeu no inferno que, um dos seus temas musicais, o cancã, adquiriu notoriedade e projecção internacional. Da abertura desta opereta pode recordar agora um pequeno excerto: Cancã”.

.

.

.
Nessa já distante (96 anos) QA 05.10.1910, o republicano José Relvas, em nome de uma vontade colectiva, proclama a REPÚBLICA da varanda dos Paços do Concelho de Lisboa. D. Manuel II (34º), parte, da Ericeira, para o exílio. O papa pontificante era Pio X (257º).

Por outro lado (como acima – 1ª memória desta data – se recorda), completam-se hoje (05.10.2006), precisamente, 863 anos, que Portugal se tornou um país independente relativamente à potência dominante. A maioria deles, 767 anos, viveu-os sob o regime monárquico: foram 34 monarcas em quatro dinastias.

A cibernauta dra Dulce Rodrigues, num sítio seu na Net, faz uma síntese das causas próximas do evento. Passo a transcrever, com a devida vénia, essa parte do seu trabalho que intitulou A IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA EM PORTUGAL:

.

«Há já algum tempo que o descontentamento lavrava no país, fruto da crise moral e financeira do regime monárquico. A crise não era recente, mas agravara-se notavelmente depois do ultimato lançado a Portugal pelo Reino Unido, a 11 de Janeiro de 1890, exigindo a retirada imediata das forças militares portuguesas dos territórios situados entre Angola e Moçambique. Como era de esperar, a "costumada" capitulação do Governo português perante as exigências estrangeiras foi mal vista pela opinião pública. O Partido Republicano aproveitou a situação, e a 31 de Janeiro do ano seguinte, eclodiu no Porto uma revolta republicana, revolta essa rapidamente subjugada pelo Governo.

O ultimato inglês coincidia, além disso, com uma época de grande crise económica e social: o custo de vida era cada vez mais elevado; a taxa de analfabetismo rondava os 75% ; a dívida externa crescia assustadoramente, acompanhada por défices orçamentais permanentes, o que desprestigiava os sucessivos governos e os mergulhava num círculo vicioso de imposto-empréstimo; os escândalos financeiros eram constantes. O descrédito da realeza era total, sobretudo depois de se terem descoberto os adiantamentos de dinheiro feitos à família real pelos sucessivos governos monárquicos, em completa contradição com o legalmente estabelecido. Como se não fosse suficiente toda esta situação, os dirigentes políticos viviam mergulhados em constantes desentendimentos e querelas, pois as suas vaidades e ambições pessoais passavam à frente dos interesses do país. Como disse Raul Brandão nas suas "Memórias": (...) É o momento em que todos à uma querem ser chefes!

A violência da oposição ao Governo aumentava e os meios da comunicação da época - a imprensa - ainda mais contribuiu para alimentar o clima revolucionário em marcha. A 1 de Fevereiro de 1908, o rei Dom Carlos e o príncipe herdeiro Dom Luís Filipe foram assassinados quando se dirigiam ao paço. Somente o infante Dom Manuel escapou com vida, tendo depois acedido ao trono.

Apesar das governações ministeriais durante o reinado de Dom Manuel, até à implantação da República, terem seguido uma linha política liberal, anticlerical e condescendente perante as oposições, a revolução republicana acabou por ganhar causa, na noite de 4 para 5 de Outubro de 1910.»

.

O assassinato, na SG 3 de Outubro, de Miguel Bombarda, médico e militante republicano, precipitou a revolução que tinha sido organizada para daí a dez dias em Lisboa. Os soldados republicanos, com a ajuda de civis armados e dos barcos de guerra que se encontravam ancorados no rio Tejo, tomam conta da capital, pondo termo a mais de sete séculos de regime monárquico. A organização do golpe era difícil e não era perfeita, a tal ponto que, iniciado o levantamento na véspera, a incerteza do seu sucesso levou, nessa TR 04 de Outubro, o almirante Cândido dos Reis ao suicídio.

Mas a página foi virada.

A família real vê-se obrigada a fugir, embarcando na Ericeira rumo a Gibraltar e daí com destino a Londres.

Os republicanos formam um governo provisório sob a presidência do dr Teófilo Braga.

Um conjunto de circunstâncias, porém, não permitiu que todos os ideais republicanos se concretizassem, com a urgência que se impunha: o jaez de muitos dos políticos da nossa praça, já então, oportunistas, petulantes e preguiçosos, e o espírito de revanche dos monárquicos, tudo aliado à difícil conjuntura internacional, não proporcionaram a estabilidade que se impunha a uma ponderada e paciente reforma de mentalidades e de prioridades, conjugando reformas sociais com reformas políticas.

Para cúmulo da infelicidade, surge pouco depois, no segundo quartel do século, a ditadura, que subverte todo aquele ideário, “cega”, “ensurdece” e “emudece” os cidadãos, e transforma a república numa caricatura política de monarquia: absoluta (de primeiro ministro, e este inamovível) electiva e vitalícia, no que à chefia do Estado respeitava. Para a maioria dos portugueses que tiveram consciência da situação, e ou a viveram, este pesadelo durou quase meio século!

.

.

.

Sem comentários:

free web counters
New Jersey Dialup