sexta-feira, agosto 12, 2011

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA


Como sempre, recordo:







Este é o espaço em que,
habitualmente,
faço algumas incursões pelo mundo da História.
Recordo factos, revejo acontecimentos,
visito ou revisito lugares,
encontro ou reencontro personalidades e lembro datas.
Datas que são de boa recordação, umas;
outras, de má memória.
Mas é de todos estes eventos e personagens que a História é feita.
Aqui,
as datas são o pretexto para este mergulho no passado.
Que, por vezes,
ajudam a melhor entender o presente
e a prevenir o futuro.


ESTAMOS NA SEXTA-FEIRA DIA 12 DE AGOSTO DE 2011 (MMXI) DO CALENDÁRIO GREGORIANO

Que corresponde ao

Ano de 2764 Ab Urbe Condita (da fundação de Roma)

Ano 4707 a 4708 do calendário chinês

Ano 5771 a 5772 do calendário hebraico

Ano 1432 a 1433 do calendário islâmico

Mais:
DE ACORDO COM A TRADIÇÃO, COM O CALENDÁRIO DA ONU OU COM A AGENDA DA UNESCO:
De 2003 a 2012 - Década da Alfabetização: Educação para Todos.
de 2005 a 2014 - Década das Nações Unidas para a Educação do Desenvolvimento Sustentável.

de 2005 a 2015 - Década Internacional "Água para a Vida".

Por outro lado

2011 é o

ANO EUROPEU DO VOLUNTARIADO

ANO INTERNACIONAL DA QUÍMICA

ANO INTERNACIONAL DAS FLORESTAS

Hoje é o
DIA INTERNACIONAL DA JUVENTUDE




Monumento aos heróis da
Guerra Peninsular em Lisboa (Entrecampos)



Foi na QA 12.08.1812, faz hoje 199 anos: decorria a Guerra Peninsular e o duque de Wellington entra em Madrid.

Guerra Peninsular: guerra de 1807 a 1814, provocada pelas invasões francesas de Portugal e Espanha, envolvendo Portugal, Espanha, Grã-Bretanha e França, com repercussões além da Europa, na independência da América Latina. Em Espanha chama-se Guerra da Independência Espanhola.

A Guerra Peninsular tem como causa mais remota a Campanha do Rossilhão (1793–95), quando tropas de Portugal reforçam as da Espanha, integrando a primeira aliança liderada pela Inglaterra contra a França revolucionária.

Rossilhão é um dos cantões históricos do Principado da Catalunha, correspondente ao actual Sul da França, ao département de Pyrénées-Orientales (Pireneus-Orientais). É também chamado Catalunha Francesa ou Norte da Catalunha.

Mas, ao invés, a partir da ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder (1799), a Espanha alia-se à França para, por meio da invasão e da divisão de Portugal entre estes, atingir indirectamente os interesses comerciais do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda. E aí temos a causa próxima: a não adesão de Portugal ao bloqueio continental decretado em 1806 por Napoleão à Inglaterra. Nessa sequência, a França e a Espanha estabeleceram pelo Tratado de Fontainebleau (1807) as condições de partilha de Portugal. Mas logo depois, Napoleão, e em clara violação ao acordo com a Espanha, ordena a invasão de Portugal em 1807 pelo exército francês, comandado por Junot: assim se inicia a Guerra Peninsular.


Este facto é que está na base da fuga da corte portuguesa para o Brasil e da abdicação de Carlos IV de Espanha e de seu filho Fernando VII, sendo o trono espanhol ocupado por José Bonaparte, irmão de Napoleão.


Mas na iminência da (1ª) invasão francesa, Portugal estabeleceu uma Convenção secreta com a Inglaterra: nela se estabelecia a manobra de, com segurança, se pôr a salvo, no Brasil, a família real, a corte e o governo português (15 mil pessoas, com seus teres e haveres e com boa parte do património nacional – como móveis, preciosidades e bibliotecas inteiras) tudo numa frota de navios que, escoltada por naus britânicas, zarpou, rumo ao Brasil, na madrugada de 30 de Novembro de 1807.


Entretanto, sob o comando do General Junot, as tropas francesas entraram na Espanha em 18 de Outubro de 1807, cruzando o seu território em marcha acelerada em pleno inverno, e alcançando a fronteira portuguesa em 20 de Novembro. Sem encontrar resistência militar atingiu Abrantes em 24 de Novembro. Faminto e desgastado pela marcha e pelo rigor da estação, o exército francês teve dificuldade para ultrapassar o rio Zêzere, entrando em Santarém em 28, de onde partiu no mesmo dia, rumo a Lisboa, onde entrou em 30, à frente de dois regimentos em muito mau-estado.


A 2 de Dezembro, entra em Lisboa o general Laborde, com mais efectivos, mas reduzidos e extenuados, com muitos homens montados em burros, mal podendo estar de pé. Três semanas depois de chegar a Lisboa, Junot tinha apenas um efectivo de 10 mil dos 28 mil soldados franceses que tinham invadido Portugal, distribuindo-os ao redor de Lisboa.



UM PAÍS EM GRAVE CRISE.
UM ZOOM DO DESENLACE BURLESCO

As invasões francesas não foram, apenas, o resultado da sede do despotismo napoleónico e das suas ambições imperialistas. Foram, igualmente, a consequência de pactos internacionais que visavam a partilha e o completo domínio deste pequeno País arruinado e destroçado, governado por inábeis, incompetentes, corruptos, ambiciosos e parasitas. (Imagine-se um bando de abutres à disputa de uma carcaça de animal apodrecido!).


Portugal, durante grande parte dos anos de 1700 e as primeiras décadas de 1800 era essa carcaça de animal sucumbido pelas suas próprias chagas.


Quando em 1807 Napoleão ordena a ocupação militar de Portugal, a família real, Corte, Clero e altos funcionários... não esqueceram o seu patriotismo... Qual quê? Não: tomaram, antes, uma atitude altamente patriótica: puseram-se a salvo, embarcando em vários navios, no Tejo, rumo ao Brasil com os seus e “com o seu”.


Levaram tudo o que puderam, que não apenas as suas riquezas, comodidades e luxos. Deram eles mesmos início ao grande saque do espólio nacional, que se seguiria nos próximos anos. Arte, livros (bibliotecas inteiras) e outros tesouros mudaram de ares, foram transportados para o Brasil!



Não resisto a trazer para aqui um relato da tragicomédia que foi esse embarque de suas majestades e de suas reverências, de tantas "irmandades" e de montes de excelências - todos gente prendada, tudo quanto era pestilência -, relato magistralmente feito por Oliveira Martins, (esse "desenlace burlesco" - como ele próprio escreveu) na sua História de Portugal:
"Três séculos antes, Portugal embarcara, cheio de esperanças e cobiça, para a Índia; em 1807 (Novembro, 29[DM]) embarcava um préstito fúnebre para o Brasil. A onda da invasão varria diante de si o enxame dos parasitas imundos, desembargadores e repentistas, peraltas e sécias, frades e freiras, monsenhores e castrados. Tudo isso a monte, embarcava, ao romper do dia, no cais de Belém. Parecia o levantar de uma feira, e a mobília de uma barraca suja de saltimbancos falidos: porque o príncipe-regente para abarrotar o bolso, com louras peças de ouro, seu enlevo, ficara a dever a todos os credores, deixando a tropa, os empregos, os criados, por pagar.


Desabava tudo a pedaços; e só agora, finalmente, o terramoto começado pela natureza, continuado pelo marquês de Pombal, se tornava um facto consumado. Os cortesãos corriam pela meia-noite as ruas, ofegantes, batendo às lojas, para comprarem o necessário; as mulheres entrouxavam a roupa e os pós, as banhas, o gesso com que caiavam a cara, o carmim com que pintavam os beiços, as perucas e rabichos, os sapatos e fivelas, toda a frandulagem do vestuário. Era um afã, como quando há fogo; e não havia choro nem imprecações: havia apenas uma desordem surda. Embarcavam promiscuamente, no cais, os criados e os monsenhores, as freiras e os desembargadores, alfaias preciosas e móveis toscos sem valor, nem utilidade. Era escuro, nada se via, ninguém se conhecia. Os botes formigavam sobre a onda sombria, carregando, levando, vazando bocados da nação despedaçada, farrapos, estilhas, aparas, que o vento seco do fim dispersara nessa noite calada e negra.


Muita gente, por indolência, recusava ir; outros preferiam o invasor ao Bragança, que fugia miserável e cobardemente: ao herdeiro de reis, que jamais tinham sabido morrer, nem viver. Mais de um regimento desobedeceu aos chefes que o mandavam embarcar; e muitos, vendo a debandada, se dissolveram, deixando as armas, dispersando. Outros embarcavam: chegavam ao portaló dos navios já repletos e voltavam para terra, aborrecidos e enjoados de tanta desordem, de tão grande vergonha.


O príncipe-regente e o infante de Espanha chegaram ao cais na carruagem, sós: ninguém dava por eles; cada qual cuidava de si, e tratava de escapar. Dois soldados da polícia levaram-nos ao colo para o escaler. Depois veio noutro coche a princesa Carlota Joaquina com os filhos. E por fim a rainha, de Queluz, a galope. Parecia que o juízo lhe voltava com a crise. "Mais devagar! gritava ao cocheiro; diria que fugimos!" A sua loucura proferia com juízo brados de desespero, altos gritos de raiva, estorcendo-se, debatendo-se às punhadas, com os olhos vermelhos de sangue, a boca cheia de espuma. O protesto da louca era o único vislumbre de vida. O brio, a força, a dignidade portuguesa acabavam assim nos lábios de uma rainha doida!


Tudo o mais era vergonha calada, passiva inépcia, confessada fraqueza. O príncipe decidira que o embarque se fizesse de noite, por ter a consciência da vergonha da sua fuga; mas a notícia transpirou, e o cais de Belém encheu-se de povo, que apupava os ministros, os desembargadores, toda essa ralé de ineptos figurões de lodo. E - tanto podem as ideias! - chorava ainda pelo príncipe, que nada lho merecia. D. João também soluçava, e tremiam-lhe muito as pernas que o povo de rastos abraçava.


A esquadra recebera 15 000 pessoas, e valores consideráveis, em dinheiro e alfaias. Levantou ferro na manhã de 29 [um Domingo], pairando em frente da barra até o dia seguinte, às 7 horas, que foi quando Junot entrou em Lisboa. Os navios largaram o pano, na volta do mar, e fizeram proa a sudoeste, a caminho do Brasil. Enquanto a esquadra esteve à vista, pairando, os altos da cidade, donde se descobre o mar, apareciam coroados de povo mudo e aflito. As salvas dos navios ingleses que bloqueavam o Tejo troavam lugubremente ao longe. O sol baixava, a esquadra perdia-se no mar, ia-se toda a esperança, ficava um desespero, uma solidão... Soltou-se logo a anarquia da miséria, e na véspera da chegada do Anti-Cristo, Lisboa correu risco de um saque.


Napoleão estava burlado. O príncipe D. João, a bordo com as mãos nos bolsos, sentia-se bem remexendo as peças de ouro: ia contente com a sua esperteza saloia, única espécie de sabedoria aninhada no seu gordo cérebro. Bocejava ainda: mas porque o enjoo começava com os balanços do mar. É o que sucede à história, com os miseráveis balanços do tempo: vem o enjoo incómodo e a necessidade absoluta de vomitar."
(Edição da Guimarães, de Lisboa; 16ª edição, de 1972; pp 516 a 518)


Patético!


E quando se toma consciência disto, uma pessoa até se encolhe de vergonha e cora de raiva!
Mas era assim, tal e qual, essa gente! Eram deste jaez os militantes do Portugal absolutista, intolerante e freirático (ou apostólico).
E já agora (porque vem mesmo a propósito): os governantes desses tempos, eram assim caracterizados, de forma sintética, por esse sociólogo e grande historiador da Idade-Média portuguesa que foi Alexandre Herculano:
"São financeiros e barões, viscondes, condes, marqueses, de fresca e mesmo velha data, comendadores, gran-cruzes, conselheiros: uma turba que grunhe, burburinha, fura, atropelando-se e acotovelando-se na obra de roer um magro osso chamado orçamento e que grita Aqui-del-rei!, quando não pode tomar parte no rega-bofe". (Apud Flausino Torres, "Portugal - uma perspectiva da sua História", edição da Afrontamento, Porto, 1973; p 301)

Mas, mesmo após as invasões, a Corte optou, uma vez mais, "pelo superior interesse nacional" (!?): continuar no Brasil - onde a vida era bem mais agradável, livre de percalços e problemas.


Mais: em 1815, o Brasil foi declarado reino, não colónia. O Rio era agora a verdadeira capital portuguesa e Portugal um território secundário, governado por um regente. Regência inteiramente rendida ao jugo inglês que, a pretexto de garantir segurança (?), comandando o exército, controlava toda a máquina do Estado.


E enquanto as classes dirigentes do velho Portugal absolutista e freirático (ou, na expressão de Oliveira Martins: o velho Portugal Apostólico), gozavam e esbanjavam à tripa forra, lá longe, em terras de Sta Cruz, aqui, sofriam-se vexames de franceses, ingleses e espanhóis... Cá, passavam-se enormes dificuldades...

Ah! Mas enquanto tudo isto acontecia... O vírus da liberdade e da democracia germinava. (Não esqueçamos que a Revolução Francesa acontecera 20, 30 anos antes...).

Foi um século (mais de metade dele) de tremendas lutas políticas e sociais, de confronto permanente dos adeptos dum sistema liberal e dos defensores duma aristocracia musculada, do despotismo iluminado, do absolutismo agonizante.

Vejamos, pois, em traços gerais como foi a primeira metade do séc. XIX.


Durante os primeiros 15 anos, foram as invasões das tropas de Napoleão; foi a deserção réptil e sorrateira, rumo ao Brasil, dos principais responsáveis do estado deplorável a que o País chegou; foi a declaração do mesmo Brasil como reino - o que em si não seria condenável - mas com a prática atribuição a Portugal dum estatuto secundário (de colónia!) - e este abandono, este assumido desprezo é que foi vergonhoso e deplorável.

Mas em Portugal ainda havia um punhado de valentes patriotas. E os democratas não deram tréguas aos defensores do despotismo, do caduco absolutismo.


Daí que, ainda durante a primeira metade do sé. XIX, se tenham desencadeado as lutas entre os liberais e os absolutistas, com a clara derrota destes.

Junot instala-se no palácio do barão de Quintela. As tropas, nos conventos de S Francisco e de Jesus. O reino está ocupado pelos franco-espanhóis. Roubos. Violências. Despotismo do invasor.

Chegada da família real ao Brasil (21JAN1808)
Pedido apoio aos aliados britânicos, esse apoio tardou um pouco, mas chegou a 01AGO1808: desembarque em Lavos, no estuário do rio Mondego, do exército aliado inglês, comandado por Arthur Wellesley. A rainha D. Maria I ainda era viva, mas afastada do poder por incapacidade, pelo que presidia à regência do reino seu filho, D. João (VI).


As tropas inglesas tinham como objectivo auxiliar os portugueses a combater a invasão francesa.


Em duas ou três semanas as forças luso-britânicas defrontaram as tropas napoleónicas, com sucesso: a 17AGO1808: batalha de Roliça (concelho do Bombarral). Quatro dias depois, aos 21AGO, na batalha de Vimeiro (perto da Lourinhã).


Nestes dois combates sucessivos, Junot era rechaçado, não tardando em pedir um armistício.


30AGO1808: convenção de Sintra (Junot, e as suas tropas, têm de abandonar Portugal: "Covém notar que nela se entendiam a Inglaterra e a França, por via dos seus generais: nem Portugal, nem a Regência figuravam em coisa alguma" (História de Portugal, Oliveira Martins, 524).

Em FEV1809: 2ª invasão francesa (comandada por Soult, um dos generais de Napoleão) por Trás-os-Montes.


As forças anglo-lusas, sob o comando de Wellesley retomam o Porto obrigando Soult e o seu exército a retirarem dessa cidade e do país. A menos sangrenta das invasões francesas


JUL1810: terceira invasão napoleónica: Almeida, Viseu, Coimbra – comando de Massena (com Junot, Ney, etc, todos generais de Napoleão).


SET1810: batalha do Bussaco (com muitas baixas): Massena retira para Coimbra. Mas prosseguindo sempre no vandalismo e nas violências.


Em 1811 (MAR/MAI) Massena bate em retirada pela Beira, vencido e perseguido pelos aliados Luso-ingleses.

Derrotados na batalha do Buçaco, os franceses iniciaram a retirada em 1811. Wellington ficou na defensiva e em 1812 conseguiu nova vitória em Salamanca, ocupou Madrid e obrigou os franceses a retirar do sul de Espanha. No ano seguinte os franceses foram expulsos de Espanha por Wellington na batalha de Vitoria (entre Maio e Agosto de 1813). As forças britânicas invadiram o sul de França, em 1814, obrigando os franceses a assinarem o armistício em 14 de Abril. A guerra terminou com a abdicação de Napoleão. (fonte básica: BU)


«REFLEXOS (LOCAIS) DAS INVASÕES FRANCESAS»

Nem só dos anais oficiais se faz a História de um país. Também dos registos paroquiais se podem extrair informações corroborando ou corrigindo aqueles.


É o que se segue relativamente a duas pequenas freguesias do concelho de Ferreira do Zêzere, Dornes e Igreja Nova do Sobral, assim como de Tomar, concelho vizinho daquele.

Como já antes foi dito, um dos factos que mais agitou a sociedade portuguesa do princípio do séc XIX foram as invasões francesas. Os franceses entraram no termo de Dornes em 19 de Novembro de 1810 e saíram em princípios de Março de 1811: "... Os lavradores ficaram totalmente destituídos de sementes e gados com a passagem, demora e assolação do exército inimigo" - como se lê num ofício do procurador da comenda de Dornes (reflexo dum sentir mais geral... ) (cfr António Baião, A VILA E CONCELHO DE FERREIRA DO ZÊZERE, pág 331)

E de uma pesquisa minha, na Torre do Tombo, aos livros de registos paroquiais da referida freguesia de Igreja Nova do Sobral, colhi, entre muitos outros, com diverso objectivo, elementos respeitantes a esta matéria, integrantes de uma nota pessoal, ainda inédita, que se segue:


Em 1807, 1809 e 1810 deram-se as invasões francesas. Que acabaram por não ser o "passeio" e a consagração triunfal que Junot, Soult, Massena e Ney – e o próprio Napoleão Bonaparte - imaginaram.


Estas invasões trouxeram, no entanto, graves consequências políticas, económicas e sociais para Portugal.


As tropas napoleónicas fizeram, por aquela zona centro, em que se insere a Igreja Nova, muita "desgraça"!


Por exemplo, as crianças expostas, por essa época, na roda da Santa Casa da Misericórdia de Tomar, ou até à porta das pessoas, eram num número apreciável. E é provável que muitas delas tenham sido "obra" dos invasores.


Além de que destruíam, de facto, tudo por onde passavam.


Acerca dessa época, para ilustrar o que acabo de dizer (quanto às invasões francesas), peguemos, por exemplo, no livro de registos de baptismos da freguesia relativo aos anos de 1805-11. Que, na capa, exteriormente, diz:

Este livro serve para nelle se [lançarem?] os Assentos dos Baptizados desde 1805, athe 1811, cujos se perderão pella Invazão dos Francezes em 1810, e por Ordem Superior lançada neste mesmo livro, se mandarão aqui lançar precedendo Inquerição de Testemunhas, v. gª. O vigrº a) Godinho

O que, em grafia actual, equivale a: “Este livro serve para nele se [lançarem?] os assentos dos baptizados desde 1805 até 1811, os quais se perderam com a invasão dos franceses em 1810 e, por ordem superior lançada neste mesmo livro, se mandaram aqui lançar precedendo inquirição de testemunhas, por exemplo. O vigário a) Godinho”

Mas, mais precioso e interessante - até porque suponho que mais raro - é o seguinte documento onde, curiosamente, se define com grande precisão de datas, o período pelo qual se arrastou a presença da tropa invasora na Igreja Nova, e em que se faz o balanço das baixas por ela provocada.


A fls 127 do livro F3, e na sequência de três assentos de óbito, respectivamente de 1810.10.20, 1810.11.18 e 1811.04.05, e antes de prosseguir com os mais de 1811, pode ler-se:

No entervallo de tempo que discorre de dezoito de Novembro do prezente anno de mil, oito centos, e dez, athe Quatro de Marso de mil, oito centos, e onze esteve esta freguezia, e mais com vezinhas envadida com o innimigo Francez e nesta mesma freguezia matou o mesmo innimigo as pessoas seguintes = Homens (menciona 8) = Mulheres = (menciona duas) ------------------ Para que a todo tempo conste esta clareza (*) que é verdadeira a faço e asigno Mourº Cinco de Abril de i8ii
O Vigº Fr Antº Ribº da Sª
Lº 3F/fls 127

Portanto, de acordo com esta clarificação ("clareza") feita pelo pároco Fr António Ribeiro da Silva (que não era propriamente um mestre na língua pátria, nem dela um bom exemplo de utilizador), em 5 de Abril de 1811, os franceses estiveram na Igreja Nova de 18.11.1810 a 04.03.1811(**). Onde mataram 8 homens e 2 mulheres. Assim, “no intervalo de tempo que decorre de dezoito de Novembro do presente ano de mil oitocentos e dez, até quatro de Março de mil oitocentos e onze, esteve esta freguesia, e mais com vizinhas, invadida com o inimigo francês, e nesta mesma freguesia matou o mesmo inimigo as seguintes pessoas; homens:(…); mulheres: (…). Para que a todo tempo conste esta clareza, que é verdadeira, a faço e assino: Mourº (Mourolinho) Cinco de Abril de i8ii; O Vigº Fr Antº Ribº da Silva”.

(*) Termo que surge com alguma frequência [vg, num documento de 1796: "fiz a prezente Clareza"]. Clareza: documento justificativo dum acto... [ou contrato...], declaração.
(**) Em Tomar os invasores – comandados pelo general Ney - estiveram de 7 de Outubro de 1810 a 7 de Março de 1811. E já lá tinham estado antes tropas napoleónicas comandadas por Junot, de 27NOV de 1807 a 11AGO de 1808.

Estamos a falar da terceira invasão francesa: a de Julho/Agosto de 1810, em que o marechal Massena comandou um forte exército (85 000 homens), "onde participavam alguns generais franceses famosos, tais como Ney".


O exército invasor "foi forçado a deter-se nas linhas de Torres, após ter já sofrido uma primeira derrota no Buçaco que o não impedira de prosseguir no avanço.


Os dois exércitos observaram-se um ao outro durante cinco meses, Massena à espera de reforços, Wellington à espera da fadiga geral do inimigo.

Nos começos de Março de 1811, cansados de esperar e abatidos no moral, os Franceses iniciaram a retirada", sempre seguidos de perto (e derrotados, de novo) pelas tropas comandadas por Wellington, até para além da nossa fronteira. "Em Espanha, o exército inglês, com alguns contingentes portugueses, e ajudado pelos Espanhóis, continuou a empurrar os Franceses à sua frente, até Toulouse. – (Cfr A H de Oliveira Marques, História de Portugal, I, Edições Ágora, 3ª edição/1973, pág 580.)

Bom, mas para trás os rapazes de Massena deixaram morte, destruição, violações, atrocidades, pilhagens...

Nos anos 30, ainda de 1800, é frequente registar-se o baptizado de uma criança cuja mãe (quase sempre elas) aparece identificada como exposta, da roda da Misericórdia de Tomar. O que, penso, terá a ver (talvez), com a convulsão que se viveu no princípio do século - aliás, por toda a primeira parte dessa centúria - mas sobretudo com a época das invasões francesas - sabido, que é, que "os franceses" andaram muito por essas bandas, onde deixaram marcas de má recordação...








1 comentário:

Manuela André Silva disse...

Seria interessante que a Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere pusesse uma lápide na igreja da Igreja Nova do Sobral com os nomes das pessoas que foram mortas pelos francesas aquando das invasões francesas. Segundo relato dum familiar já falecido os franceses estiveram abrigados com os cavalos dentro daquela igreja. Não devemos menosprezar a «história» da nossa terra!

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