quarta-feira, abril 20, 2011

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA

Recordo:



Este é o espaço em que,

habitualmente,

faço algumas incursões pelo mundo da História.

Recordo factos,
revejo acontecimentos,
visito ou revisito lugares,
encontro ou reencontro personalidades.
Relembro datas que são de boa recordação, umas;
outras, de má memória.
Mas é de todos estes eventos e personagens que a História é feita.
Aqui,
as datas são o pretexto para este mergulho no passado.
Que, por vezes,
ajudam a melhor entender o presente
e a prevenir o futuro.



ESTAMOS NA QUARTA-FEIRA DIA 20 DE ABRIL DE 2011 (MMXI) DO CALENDÁRIO GREGORIANO


Que corresponde ao

Ano de 2764 Ab Urbe Condita (da fundação de Roma)
Ano 4707 a 4708 do calendário chinês
Ano 5771 a 5772 do calendário hebraico
Ano 1432 a 1433 do calendário islâmico

Mais:

DE ACORDO COM A TRADIÇÃO, COM O CALENDÁRIO DA ONU OU COM A AGENDA DA UNESCO:

De 2003 a 2012 - Década da Alfabetização: Educação para Todos.
de 2005 a 2014 - Década das Nações Unidas para a Educação do Desenvolvimento Sustentável.
de 2005 a 2015 - Década Internacional "Água para a Vida".


Por outro lado
2011 é o ANO EUROPEU DO VOLUNTARIADO
e
é, também, o ANO INTERNACIONAL DA QUÍMICA

Além disso

hoje é DIA DO TURISTA
como é DIA DA COMUNIDADE LUSO-BRASILEIRA

.


.
Efeméride cuja comemoração sublinho nesta data:

foi há 505 anos, na Segunda-feira 20.04.1506 (de acordo com o actual calendário): verificou-se o massacre de cristãos-novos de Lisboa. Em Portugal reinava D. Manuel I (14º rei de Portugal) e na Igreja pontificava Júlio II (216º pontífice romano).


O episódio é relatado por essa grande figura do renascimento em Portugal, pelo historiador e humanista Damião de Góis, na Crónica de D. Manuel. A perseguição acaba por atingir “cristãos e não cristãos”. Morrem muitas centenas de pessoas.


Damião de Góis (1502-1574), «de mente enciclopédica, foi um dos espíritos mais críticos da sua época, verdadeiro traço de união entre Portugal e a Europa culta do século XVI.»

De entre as suas obras destaque para “Urbis Olisiponis descriptio” (Évora, 1554; Frankfurt, 1603; Coimbra, 1791), e “Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel” (Lisboa 1566–67) “da qual um crítico disse que é antes um conjunto de excelentes tratados isolados do que uma história com unidade e sentimento das proporções, e obra de um erudito que gosta de narrar os factos da sua experiência própria e directa. Pela parte do estilo bem pouco vale, mas valoriza-se pela atitude crítica, isenta de amplificações patrioteiras, tendo-se celebrizado a sua atitude perante as violências contra os judeus.” E é, ainda, da sua autoria a “Crónica do Principe D. João” (Lisboa, 1567) «narrativa dos factos ocorridos no reinado de D. Afonso V desde o nascimento do seu filho e sucessor, D. João, depois D. João II»


A propósito recordo que «no Inventario dos Livros e Maços e Documentos, elaborado por João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho em 1776, são descritos Dezasseis livros de marca grande das Chronicas dos Senhores Reys, todas atribuídas a cronistas régios, nomeadamente Fernão Lopes, Gomes Eanes de Zurara, Rui de Pina, Damião de Góis e Duarte Galvão. (Direcção-Geral dos Arquivos/Torre do Tombo/DGARQ/TT)


No massacre ou "pogrom" de Lisboa de Domingo 19 a Terça 21 de Abril de 1506, «um "cristão-novo" (judeu obrigado a converter-se ao catolicismo sob pena de morte) expressa as suas dúvidas sobre as visões milagrosas na Igreja de S. Domingos em Lisboa. Como consequência, cerca de 4000 judeus, homens, mulheres e crianças, foram massacrados pela população católica, incitados por frades dominicanos. Os judeus foram acusados entre outros "males", de deicídio e de serem a causa da profunda seca que assolava o país. A matança durou três dias.»


A palavra de origem russa Pogrom denomina um ataque violento massivo a pessoas,
com a destruição simultânea do seu ambiente
(casas, negócios, centros religiosos).
Historicamente, o termo tem sido usado para denominar actos massivos
de violência, espontânea ou premeditada,
contra Judeus e outras minorias étnicas da Europa.


«No seguimento deste massacre, do clima de crescente Anti-Semitismo em Portugal e do estabelecimento da Inquisição, (o tribunal da Inquisição entrou em funcionamento em 1540 e perdurou até 1821) muitas famílias judaicas fugiram do país.»


Mas, além de Damião de Góis, também Garcia de Resende e Samuel Usque (este, igualmente judeu) deixaram testemunhos sobre este bárbaro acontecimento.


E, já agora, é altura de recordar que já em 1496 havia sido publicado um Édito de judeus. Aliás, de judeus e mouros.


Assim, « Por pressão dos Reis Católicos, com cuja filha pretendia casar, D. Manuel I publicou, no final do ano de 1496, um decreto que obrigava à expulsão de todos os «hereges», não cristãos (judeus e mouros), num prazo de dez meses, sob pena de lhes serem confiscados os bens e serem condenados à morte.

No entanto, como não pretendia que, de facto, deixassem o reino, permitiu àqueles que quisessem converter-se ao cristianismo permanecer em Portugal. A esses recém-conversos deu-se depois o nome de cristãos-novos. O rei mandou mesmo fazer conversões forçadas, e, desse modo, poucos saíram de Portugal.

A comunidade moura era pouco numerosa e quase toda sujeita à escravatura, mas a comunidade judaica tinha um grande peso económico e cultural no país. Eram um escol de mercadores, banqueiros, médicos, economistas, ourives, entre outras actividades.

A conversão forçada permitiu a D. Manuel I aceder ao pedido dos Reis Católicos, podendo afirmar que já não havia judeus em Portugal. Contudo, a confiscação de bens só seria permitida a partir de 1568. Mas essa integração compulsiva depressa teve resistências: da parte dos judeus, porque muitos mantiveram secretamente a sua antiga crença; da parte dos cristãos, porque os antigos judeus, agora cristãos-novos, concorriam em pé de igualdade com eles e facilmente ocupavam posições cimeiras na sociedade. Geraram-se tensões e ódios que culminaram na introdução do Tribunal da Inquisição.»


Este édito teve como consequência o aumento do número dos criptojudeus (os judeus obrigados a praticarem a sua fé em segredo, por receio de perseguições religiosas, ao mesmo tempo que publicamente praticam outra religião. Na Península Ibérica, onde a cultura judaica é uma cultura autóctone, eram designados por Marranos)

(Fonte:"Góis, Damião de", in Grande enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Lisboa – Rio de Janeiro 1935–60, vol 12, pgs 494–97 e Wikipédia)


Por todos, trago a “memória” deixada, a propósito da passagem do quingentésimo aniversário deste facto e dos que lhe estão associados, pelo historiador e colunista do Público Rui Tavares, na edição desse diário de Sábado 15 de Abril de 2006:

«A matança
RUI TAVARES

Na próxima quarta-feira, dia 19 de Abril, cumprir-se-ão quinhentos anos sobre o dia em que dois frades dominicanos percorreram a Baixa de Lisboa incitando o povo contra os "judeus". Quinta-feira, dia 20 de Abril, terão passado quinhentos anos, quase silenciosos, sobre o massacre de quatro mil lisboetas. Sexta-feira, dia 21 de Abril, fechar-se-ão quinhentos anos sobre a página mais vergonhosa e mais esquecida da história de Lisboa.


Era o ano de 1506 e sofria-se com a seca. O rei Dom Manuel estava em itinerância pelo Ribatejo. Da seca vinha a fome; a fome e a peste matavam; em Lisboa morrera já mais de um cento. O povo devoto reunia-se nas igrejas para pedir o fim daquelas penas. As crónicas relatam pouco mais ou menos o mesmo. Era domingo de Pascoela, uma semana depois da Páscoa. Parece que na Igreja de São Domingos se viu um crucifixo iluminado, que alguns tomaram por milagre. Parece que um homem que ali se encontrava sugeriu que aquela luz era coisa natural, provinda de uma das janelas. Parece que este homem era cristão-novo; foi ali espancado, despedaçado e depois arrastado pelas ruas. Os frades saíram também, proclamando que a culpa da fome e da peste estava em tolerar-se a presença de judaízantes entre os cristãos. Correu a notícia de que quem matasse os "judeus" da cidade teria cem dias de absolvição dos seus pecados.

No blogue do jornalista Nuno Guerreiro
lançou-se a ideia de ir ao Rossio,
no dia 19 de Abril,
acender quatro mil velas
em memória das vítimas.
Eu vou estar lá.
É o mínimo que se pode fazer.
De facto, seria maravilhoso se a nossa história
fosse sobrenaturalmente isenta
de episódios trágicos como este


Nos dias 19, 20 e 21 de Abril de 1506 chacinaram-se mais de quatro mil lisboetas. Não parou a seca, nem a peste.


Oficialmente já não havia judeus em Portugal. Tinham sido convertidos à força uma década antes, dando origem ao nascimento da categoria de "cristãos-novos" de que se suspeitava que "judaízassem" às escondidas, em casa. Eram os "mal baptizados", como lhes chamava o lisboeta Samuel Usque, nascido pouco antes do massacre, judeu português que (ao contrário do que sucedera durante séculos) só pôde continuar a ser judeu e português fugindo para o estrangeiro.


O escritor e cronista Garcia de Resende, que viveu durante os reinados de D. Afonso V, D. João II, D. Manuel e D. João III, foi contemporâneo dessa fase crucial em que Portugal deixou de ser um reino multirreligioso. Conta como no reinado de D. João II os judeus e mouros participavam da vida da comunidade, por exemplo organizando festas quando havia boda real: "Sempre nas festas reais / festa de mouros havia / tão bem feita se fazia / que não podia ser mais." Com palavras de cristão devoto, aprova a conversão forçada dos judeus e a expulsão quase completa dos muçulmanos portugueses: "Os judeus vi cá tornados / todos num tempo cristãos / os mouros então lançados / fora do reino passados / e o reino sem pagãos." E horrorizado descreve a matança de Lisboa, menos de dez anos depois: "Mais de quatro mil mataram / dos que houveram às mãos / uns deles vivos queimaram / meninos despedaçaram."


Para quê comemorar a matança de Lisboa?


Há uma história multiétnica e multirreligiosa de Portugal que os portugueses não conhecem. Para o mal e para o bem: poucos sabem que houve em Lisboa a matança de 1506, como poucos sabem que era em Lisboa o maior bairro negro da Europa, o Mocambo, que se estendia para lá dos olivais de São Bento em direcção aos actuais bairros da Madragoa, da Lapa e de Santos-o-Velho.


Comemorar não é festejar; é "lembrar em conjunto". Há poucos anos acabou o ciclo das comemorações dos Descobrimentos e parece que o país ficou sem história para recordar. Entretanto, já passaram os 250 anos do Grande Terramoto, lamentavelmente desaproveitados no seu potencial pedagógico e preventivo. E agora? Passarão vergonhosamente esquecidos os 500 anos daquela que foi, na história de Lisboa, a pior manifestação de violência colectiva em tempo de paz?


No blogue do jornalista Nuno Guerreiro (http://ruadajudiaria.com, cuja consulta recomendo para mais informações sobre a matança de 1506) lançou-se a ideia de ir ao Rossio, no dia 19 de Abril, acender quatro mil velas em memória das vítimas. Eu vou estar lá. É o mínimo que se pode fazer, e mesmo assim houve na blogosfera quem reagisse com desconforto. De facto, seria maravilhoso se a nossa história fosse sobrenaturalmente isenta de episódios trágicos como este. Não é. Estavam antepassados nossos entre os assassinos e entre as vítimas; isso deveria bastar-nos.


Amanhã é Domingo de Páscoa. Os jornais vão assinalar o facto, o cardeal-patriarca vai rezar missa; as televisões não vão parar de transmitir filmes sobre um homem morto há dois mil anos.


Para sermos inteiros, convinha que não esquecêssemos outros quatro mil, assassinados cruel e estupidamente em seu nome, há quinhentos anos. Historiador

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