segunda-feira, março 12, 2012

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA


Como sempre, recordo:

Este é o espaço em que,
habitualmente,
faço algumas incursões pelo mundo da História.
Recordo factos, revejo acontecimentos,
visito ou revisito lugares,
encontro ou reencontro personalidades e lembro datas.
Datas que são de boa recordação, umas;
outras, de má memória.
Mas é de todos estes eventos e personagens que a História é feita.
Aqui,
as datas são o pretexto para este mergulho no passado.
Que, por vezes,
ajudam a melhor entender o presente
e a prevenir o futuro.

.
ESTAMOS NA SEGUNDA-FEIRA DIA 12 DE MARÇO DE 2012 (MMXII) DO CALENDÁRIO GREGORIANO

Que corresponde ao
Ano de 2765 Ab Urbe Condita (da fundação de Roma)
Ano 4709 do calendário chinês
Ano 5772 do calendário hebraico
Ano 1434 da Hégira (calendário islâmico)

Mais:
DE ACORDO COM A TRADIÇÃO, COM O CALENDÁRIO DA ONU OU COM A AGENDA DA UNESCO:
De 2003 a 2012 - Década da Alfabetização: Educação para Todos.
de 2005 a 2014 - Década das Nações Unidas para a Educação do Desenvolvimento Sustentável.
de 2005 a 2015 - Década Internacional "Água para a Vida".

Por outro lado
2012 é o
ANO EUROPEU DO ENVELHECIMENTO ACTIVO E DA SOLIDARIEDADE ENTRE GERAÇÕES
ANO INTERNACIONAL DA ENERGIA SUSTENTÁVEL PARA TODOS
ANO INTERNACIONAL DA AGRICULTURA FAMILIAR
ANO INTERNACIONAL DAS COOPERATIVAS


Aut Caesar aut nihil.
(Ou César ou nada)
Divisa de César Bórgia


Foi na SX 12.03.1507, há 505 anos: morreu Cesare Borgia, eclesiástico, militar e político italiano.

Nessa altura era Rei dos Romanos, Maximiliano I, da Casa Real europeia dos Habsburgo, filho do Sacro Imperador Frederico III e de D. Leonor de Portugal, filha de D. Duarte. Ora Frederico III foi o último Sacro imperador a ser coroado pelo papa - Nicolau V (208º) -, trono que Maximiliano viria a ocupar no ano seguinte (1508). Além de vários outros títulos, ambos, pai e filho, cumulavam com o do Sacro Império o de rei dos Romanos (vinha ainda longe a unificação do mosaico de reinos e cidades-estados da península itálica que se converteria no reino de Itália, em 1861, e na República de Itália em 1946).

Rei de Inglaterra (43º) era Henrique VII, da Casa de Tudor, que subiu ao trono devido à Guerra das Duas Rosas à qual pôs termo ao casar-se com Isabel de Iorque, filha de Eduardo IV. Foi o pai do famoso Henrique VIII, que havia de romper com a Igreja Católica e fundar a Igreja Anglicana, que separara daquela em 1534, tomando a sua chefia.

A Guerra das Duas Rosas foi uma série de longas e intermitentes lutas dinásticas pelo trono da Inglaterra, ocorridas ao longo de trinta anos de batalhas esporádicas (1455 e 1485), durante os reinados de Henrique VI (39º), Eduardo IV (40º) e Ricardo III (42º). Em campos opostos encontravam-se as casas de York e de Lancaster. As lutas pelo trono de Inglaterra entre famílias rivais dos descendentes de Eduardo III (35º) devem o seu nome aos símbolos das duas facções: uma rosa branca para a Casa de York, uma vermelha para a Casa de Lancaster (ambas de ascendência Plantageneta). O desfecho foi a vitória da Casa de Tudor, união da Casa de Lancaster e Casa de York.

Em França decorria o reinado de Luís XII (38º). Este tornou-se rei por ter casado com a viúva do seu primo e antecessor (Carlos VIII). Luís XII foi também Rei de Nápoles.

Rainha de Castela era Joana I, A Louca, da Dinastia de Trastâmara. Até 1506, governa conjuntamente com o marido, Filipe I, O Belo. Após a morte deste, fica como regente até 1516 e, finalmente, governa conjuntamente com o filho, Carlos I, até à sua própria morte, em 1555.

Era Catarina I a rainha de Navarra, da Casa de Foix.

Rei de Aragão era Fernando II, o Católico. A união de Fernando com Isabel I de Castela (Isabel I, filha de João II de Castela e de Isabel, infanta de Portugal, neta materna de Isabel de Bragança e de João, duque da Beja) implicou a união de Castela e Aragão. A filha de ambos, popularmente conhecida como Joana a Louca, através de um matrimónio com Felipe de Habsburgo, chamado "o Belo", abriu espaço à implantação de uma nova Casa Real em Aragão, os Áustrias, pondo fim definitivamente a uma consciência de Casa de Aragão. Isabel de Portugal, ou Isabel de Avis, foi infanta de Portugal e rainha de Castela e Leão, de 1447 até à sua morte. Filha do Infante D. João de Portugal (1400-1442) e de D. Isabel de Bragança, era por isso neta materna de Afonso, 1º duque de Bragança (filho bastardo de D. João I de Portugal e de Inês Pires Esteves) e de Beatriz Pereira de Alvim (filha de Leonor de Alvim e de D. Nuno Álvares Pereira, condestável de Portugal) e neta paterna de Filipa de Lencastre e de D. João I. Era também irmã de Beatriz, infanta de Portugal (mãe de D. Manuel I de Portugal). Em 1447 casou com D. João II, rei de Castela e Leão.

Em Portugal reinava D. Manuel I (14º).

Pontificava o dinâmico Júlio II (216º), de quem se escreveu: "Ocupando-se menos dos negócios espirituais do que competia à sua missão, teve este Papa as qualidades de um grande político e general, e foi também um patrono esclarecido das artes que liberalmente ajudou.” Registe-se, ainda, que ele concedeu ao nosso D. Manuel a Rosa de Ouro.

A Rosa de Ouro é um ornamento precioso, feito de ouro puro, matizada ligeiramente com vermelho, criada por hábeis ourives, que são abençoadas todos os anos pelos papas, no quarto domingo da quaresma, e, depois, oferecidas como símbolo permanente de reverência, estima e afeição paterna a monarcas, personalidades ilustres, igrejas notáveis, governos e cidades que tenham demonstrado seu espírito de lealdade para com a Santa Sé, da qual é considerada, digamos, uma condecoração.
A Rosa de Ouro surgiu no início da Idade Média. A mais antiga das ‘’rosas de ouro’’ conhecida foi oferecida pelo Papa Urbano II ao conde Fulque IV de Anjou, em 1096.
Em Portugal a Rosa de Ouro foi atribuída a: D. Manuel I, duas rosas (Júlio II – 1506 e Leão X – 1514); D. João III, (Clemente VII – 1527); Príncipe D. João de Portugal, filho de D. João III, (Júlio III – 1551); D. Maria II, (Gregório XVI – 1842); rainha D. Maria Pia de Sabóia, no dia de seu baptismo, cujo padrinho foi o papa, (Pio IX – 1849); Basílica de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal, duas rosas (Paulo VI - 1965 e Bento XVI - 2010); Basílica de Nossa Senhora da Conceição do Sameiro, em Portugal, (João Paulo II – 2004);




César Bórgia era um general italiano, filho do cardeal Rodrigo Bórgia, que foi papa de 1492 a 1503, com o nome de Alexandre VI (214º) e de Vanozza Cattanei. Rodrigo Bórgia era espanhol, de Xátiva (ou Játiva), Valência. A mãe de Rodrigo era Isabel de Bórgia, irmã do papa Calisto III, nascido Afonso de Bórgia. E foi este papa, seu tio, mas quando ainda era cardeal, que levou Alexandre VI para Roma, para estudar. Alexandre VI fez do filho César cardeal, aos 17 anos, e comandante dos exércitos pontifícios [!!!], depois da morte do seu irmão mais velho.

Como a maioria dos secundogénitos da nobreza italiana, César foi educado para se tornar um homem da Igreja, como seu pai. Mas o facto é que a sua índole não era de um religioso. Tal como o pai, «César foi um sensual, e suas ligações femininas são amplamente reconhecidas desde a sua adolescência.» (Wiki)

Desvinculou-se da carreira eclesiástica, para a qual sentia pouco pendor, com o pretexto do «assassinato do irmão João, o qual deveria substituir nos assuntos temporais (João era capitão das forças militares do papado).» (Wiki). Como militar bateu-se «com sucesso contra as repúblicas da Itália. Implacável e traiçoeiro na guerra, déspota mas eficiente como governante (serviu de modelo para o Príncipe de Maquiavel), viu o seu poder esfumar-se após a morte do seu pai.» (BU)
Déspota, calculista, violento e implacável, tentou, com o apoio do pai, constituir um principado na Romanha, em 1501

A Romanha é uma região histórica da Itália setentrional, formada pelas actuais províncias de Ravenna, Forlì-Cesena, Rimini e partes da província de Bolonha. Uma pequena parte da Romanha encontra-se também na região das Marcas e da Toscana. (Wiki)

No dia 31 de Dezembro de 1502, para se livrar de alguns inimigos (entre eles, Oliverotto de Fermo), convidou-os para seu palácio de Senigallia (uma comuna italiana da região das Marcas, na Itália central), depois prendeu-os e assassinou-os.
Com a morte do pai (1503), foi encarcerado sucessivamente pelo Papa Júlio II e pelo rei de Castela [Fernando V, de Castela, o Católico, também Fernando II, como rei de Aragão. Governa em Castela conjuntamente com a esposa, Isabel I (que ficaram para a História como os Reis Católicos, com os quais começou a unificação da Espanha)]. Escapando do reino de Castela, serviu como soldado no exército de Navarra.

César foi feito Duque de Valentino em 1498 por Luís XII de França, que queria, através dele, ter (no pai) um papa aliado.
Distinguiu-se, também, no campo do mecenato, tornando-se «patrono de diversos artistas, entre eles de Leonardo da Vinci» (id).
Foi, pois, um verdadeiro príncipe da Renascença europeia.

César era ainda irmão da não menos celebrada Lucrécia Bórgia, que, apesar dos seus crimes e depravações, parece ter sido um mero instrumento da política do pontífice, seu pai, e do cardeal, seu irmão. Consta que César e Lucrécia mantiveram entre si uma relação incestuosa. As fontes não o garantem, mas que ambos eram uns devassos, isso sim, parece ter sido demonstrado pela História.

César morreu aos trinta e um anos, no dia 12 de Março de 1507, em Viana, um município de Navarra, na Espanha.

Mas falar de César Bórgia é falar de Maquiavel.
Nicolau Maquiavel, escritor e poeta italiano, viveu numa altura em que se assistia ao nascimento do absolutismo régio.

Foi ao conversar com Bórgia que Maquiavel encontrou nele o seu ideal de príncipe. Donde a obra principal de Maquiavel, “O Príncipe”.

Eis algumas das muitas frases lapidares de Maquiavel: “É tão difícil e perigoso querer libertar um povo disposto a viver escravo, como reduzir à servidão um povo que queira ser livre”.    
“Não se pode governar com palavras”.     
“Quando os homens não são forçados a lutar por necessidade, lutam por ambição”.
Mas a frase mais conhecida que lhe é atribuída é a de que “os fins justificam os meios” que os defensores do autor do Príncipe atribuem a uma “maquiavélica” deturpação do seu pensamento, já que, sustentam, ele queria dizer era que “os fins determinam os meios”.

“Em O Príncipe, Maquiavel faz uma referência elogiosa a César Bórgia, que após ter encontrado na recém-conquistada Romanha, um lugar assolado por pilhagens, furtos e maldades de todo tipo, confia o poder a Dom Ramiro d'Orco. Este, por meio de uma tirania impiedosa e inflexível põe fim à anarquia e torna-se detestado por toda parte. Para recuperar sua popularidade, só restava a Bórgia suprimir seu ministro. E um dia em plena praça, no meio de Cesena (cidade da Romanha), mandou que o partissem ao meio. O povo por sua vez ficou, ao mesmo tempo, satisfeito e chocado. Para Maquiavel, um príncipe não deve medir esforços nem hesitar, mesmo que diante da crueldade ou da trapaça, se o que estiver em jogo for a integridade nacional e o bem do seu povo.” (site da Net sobre O Príncipe)

Falar nos Bórgia é falar na igreja católica da época da Renascença. E é falar, ainda, de Maquiavel.


A revista cultural brasileira VEJA, da editora Abril, na sua edição online, publicou um número especial, presumo que em 01.07.2001, onde começa por alertar: “para ler este especial é preciso entrar no túnel do tempo. Imagine-se (em Lisboa) cinco séculos atrás. O dia é o 1º de Julho de 1501. (…)

As transcrições que se seguem serão
todas feitas em português europeu,
sem atender ao último Acordo Ortográfico.

E o referido especial começa, exactamente, com uma entrevista imaginária a Nicolau Maquiavel (de seu nome completo Niccolò di Bernardo dei Machiavelli) cujos título e subtítulo são:
«A realidade crua do poder        
O pensador florentino aponta erros dos governos fracos e diz como funciona a política por dentro». E, antes da imaginada entrevista deixa uma nota introdutória:
«Aos 32 anos e há três ocupando o cargo de secretário do conselho de segurança do governo de Florença, Nicolau Maquiavel é hoje mais que um personagem-chave da diplomacia europeia. Tem-se revelado um fenomenal pensador dos problemas de Estado. "É impossível que uma república permaneça tranquila, gozando de liberdade dentro de suas fronteiras. Se não molestar as demais, será molestada por elas", sustenta.»
Não esqueçamos que toda a acção deste Especial decorre no séc. XVI, com referência ao dia 01.07.1501.
E a apresentação de Maquiavel prossegue:
«Alguns analistas detectam nas ideias do florentino o embrião de uma nova ciência, na qual a teoria política, baseada na realidade dos factos, existiria como disciplina autónoma, separada da moral e da religião. Outros vêem nesse praticante polemista sem meias palavras não mais que um oportunista, cujo talento serve para fornecer aos governantes ferramentas que garantam sua manutenção no poder. Com tanta controvérsia, suas ideias, expostas nesta entrevista, estão destinadas a alimentar discussões acaloradas por muito tempo.» E segue-se a congeminada entrevista a Nicolau Maquiavel.

E numa das secções desse número especial genericamente intitulada “Roma: Os pecados do papa” escreve-se (não perder de vista que nos situamos imaginariamente a 01.07.1501):
«Cobiça, corrupção e libertinagem na cúpula da Igreja assustam fiéis e ameaçam a unidade do cristianismo

A Igreja Católica vem perdendo sua autoridade de redentora dos pecados dos homens para converter-se, ela própria, num antro de perdição. Isso é o que se vê em Roma em nossos dias e, talvez mais do que nunca, no papado actual. Os últimos papas desviaram-se da tarefa pastoral para viver como chefes de Estado, movidos a cobiça, corrupção e libertinagem. Mas o grande exemplo desse descalabro, que amedronta a cristandade e ameaça a mais coesa religião da Europa, vem do alto do trono de São Pedro pela figura de Alexandre VI, eleito papa em 1492. Alexandre VI usa como nenhum outro a influência da coroa papal em benefício de suas paixões terrenas. Famoso por coleccionar amantes e nomear parentes para cargos eclesiásticos com a facilidade de quem distribui hóstia na missa, Alexandre VI empenha-se em um único objectivo: concentrar poder nas mãos de sua família. Prova disso é o modo como protege e ao mesmo tempo manipula os filhos, sempre visando a conquistas políticas. 

Os celebrados Bórgia: ao centro o pai, nascido Rodrigo Bórgia, pela graça de Deus feito Papa Alexandre VI;
                                  Em cima: César; em baixo: Lucrécia (imagens retiradas da rede)


A prole do papa espanhol, em si, não é propriamente motivo de escândalo no ambiente de liberalidade de costumes que se vive em Roma desde meados do século passado[século XV], quando pontífices passaram a assumir os filhos bastardos nascidos antes da coroação papal. O que torna a crónica religiosa de nossos dias espantosa é a incansável ambição de Alexandre VI, papa que coloca a Igreja e a família a seu serviço. No próximo mês [Agosto de 1501], o sumo pontífice abrirá os salões da fortaleza de Sant'Angelo, seu castelo em Roma, para um baile grandioso. Segundo o mestre de cerimonial do Vaticano, o papa ordenou que vários edifícios da Cidade Eterna sejam embandeirados e iluminados. Escadarias e muradas serão cobertas por tapetes. Espera-se o troar de canhões e bombardas desde as primeiras horas do dia. O festim foi organizado para comemorar o anúncio oficial do terceiro casamento de Lucrécia Bórgia, a filha do papa, com o jovem Alfonso D'Este, herdeiro do ducado de Ferrara

(…)

Sob o pretexto de proteger a cristandade da expansão muçulmana, Alexandre VI criou um exército católico, chamado Santa Liga, do qual seu filho César foi nomeado comandante. A utilidade prática da milícia dos Bórgia não é defender os domínios cristãos, e sim invadir, saquear e intimidar cidades que pareçam hostis a seu desígnio. César tem-se tornado soberano dessas cidades. Conquista pela força as possessões territoriais que Alexandre VI não obtém por decreto do Vaticano. Já não é segredo em Roma que o papa pretende fazer de seu filho rei da Itália. César Bórgia, fascinado pelo poder que o pai representa, não dissimula sequer suas acções criminosas. "[Todas as noites], quatro ou cinco pessoas assassinadas são encontradas em Roma", escreveu o embaixador veneziano Paolo Capello, insinuando que César Bórgia estaria por trás de cada uma das mortes.     

(…)

O clã do papa espanhol é merecidamente temível, mas os analistas costumam reconhecer que parte de sua má fama decorre da rejeição do clero italiano, que tradicionalmente controla a Igreja e não gosta de vê-la nas mãos da família Bórgia, de origem espanhola. Os melhores empregos da Santa Sé têm sido ocupados por espanhóis desde a investidura cardinalícia de Alfonso Borja, tio do actual pontífice e primeiro membro do clã a ser sagrado papa, sob o nome Calisto III. Entre outros postos de confiança, até a polícia de Roma foi entregue aos espanhóis. Não é de estranhar, portanto, que o então cardeal Rodrigo Borja só tenha conseguido ser eleito papa, há nove anos, elevando a níveis nunca vistos a venda de benefícios eclesiásticos, artimanha amplamente conhecida pelo nome de simonia.     

Há muito que práticas assim vêm abalando o prestígio da Igreja, com consequências ainda imprevisíveis. Não se pense, contudo, que Alexandre VI seja a ovelha negra entre aquelas que têm dominado o Vaticano nas últimas gerações. Houve escândalos semelhantes anteriormente. Inocêncio VIII (papa entre 1484 e 1492) teve seu pontificado marcado pela hostilidade com que facções antagónicas disputavam cargos importantes no Sacro Colégio. Para se ter uma ideia, Inocêncio atribuiu o título de cardeal a Giovanni de Medici, filho de Lourenço, o Magnífico, então com apenas 13 anos e provavelmente ainda sem sequer ter recebido o sacramento da crisma. Seu predecessor, Sisto IV (papa entre 1471 e 1484), fez cardeais quatro membros de sua família, entre sobrinhos e primos. Autoridades do governo de Roma também eram nomeadas pelo papa, que dava prioridade aos seus familiares. O nepotismo e o comércio de cargos eclesiásticos não são, portanto, privilégios de Alexandre VI. Como ele, os papas que o antecederam também ambicionavam fazer do Vaticano uma corte sumptuosa. Diga-se a favor de Sisto IV, no entanto, que ele empenhou dinheiro da Igreja na construção da Capela Sistina [A Capela Sistina é uma capela situada no Palácio Apostólico, residência oficial do Papa na Cidade do Vaticano. É famosa pela sua arquitectura, inspirada no Templo de Salomão do Antigo Testamento, e sua decoração em afrescos, pintada pelos maiores artistas da Renascença, incluindo Michelangelo, Rafael, Bernini e Sandro Botticelli. A capela tem o seu nome em homenagem ao Papa Sisto IV, que restaurou a antiga Capela Magna, entre 1477 e 1480. Hoje é o local onde se realiza o conclave, o processo pelo qual um novo Papa é escolhido], um marco arquitectónico de nossos tempos, decorada com obras de pintores como Sandro Boticcelli.

O que se observa, porém, é um incremento nas más qualidades. Instalado no centro de uma opulenta corte inspirada nos moldes franceses, onde até a sola dos sapatos de seus privilegiados frequentadores é feita de brocados preciosos, Alexandre VI sofre acusações bem mais graves do que as que pesaram sobre outros papas. Além de manter uma ligação amorosa estável com a bela Giulia Farnese, o papa seria dono de um verdadeiro harém, desfrutado em conjunto com os próprios filhos. Entre as fantásticas histórias que se contam sobre a devassidão na casa dos Bórgia, uma é especialmente rica em detalhes. Depois de um jantar oferecido no Vaticano para cerca de cinquenta cortesãs, estas se teriam entregado, nuas, a todos os presentes. O papa e Lucrécia acompanhavam tudo, estimulando as cortesãs (…). Orgias assim seriam rotina nos luxuosos apartamentos dos Bórgia no Vaticano.        

(…)

E num destaque, intitulado «A reacção puritana», prossegue o texto:


a península itálica durante o 'Renascimento'

Ainda são recentes na memória dos povos da península italiana os excessos radicais que o repúdio à dissolução de costumes e à corrupção protagonizadas em Roma pelo papa Alexandre VI pode provocar. Há apenas três anos [1498], depois de liderar um movimento puritano e reformista na opulenta Florença, o frei dominicano Jerónimo de Savonarola foi excomungado, torturado, enforcado com correntes e queimado por ordem do papa. Savonarola insurgiu-se contra o clero corrupto em geral e o papa em particular. "A Igreja está atolada, dos pés até a cabeça, na vergonha e no crime. Além dos outros vícios de Alexandre VI, que são conhecidos de todos, afirmo que ele não é cristão, não acredita na existência de Deus", dizia.

(…)

Savonarola enfrentou o papa, mas não poderia vencê-lo. Tentou formar um concílio com poderes para depor Alexandre VI por depravação notória e não obteve apoio. Terminou executado em praça pública, mas lançou uma semente, que talvez venha a germinar, de uma Igreja mais comprometida com os ideais cristãos de fraternidade e solidariedade. Se a sua advertência insistente – "A igreja deve ser reformada e renovada" – continuar ignorada, certamente outras insurreições virão.»



Quando Calisto III (209º na ordem sequencial dos papas) já era papa, nomeou Rodrigo (seu sobrinho) prefeito de Roma, vice-chanceler da igreja romana, governador do ducado de Spoleto, além de que lhe conferiu o bispado de Valência, em 1458 (ano em que Calisto morreu), cuja mitra tinha conservado em simultâneo com a tiara papal. No pontificado seguinte, Pio II (210º) incumbiu-o da administração das igrejas de Maiorca e de Cartagena. E Sisto IV (212º) - que sucedeu a Paulo II (211º) - nomeou-o legado a latere em Espanha. Inocêncio VIII (213º), seu antecessor no sólio pontifício, elevou-o a arcebispo de Valência.

Legatus a Latere é o mais alto posto de legado (representante) do papa,
que significa literalmente "legado ao lado (do papa)".
Confidente do pontífice, poder-se-ia chamá-lo de o alter ego daquele,
uma forma de marcar a sua presença como se ele estivesse presente.
Foi atribuído a cardeais, sempre a nível excepcional
e geralmente por muito pouco tempo. (Wiki)

Já papa, Alexandre VI (214º) (já não Rodrigo) "governou a Igreja durante onze anos e sete dias. A sua eleição suscitou descontentamentos e envolveu-o na difamação mais desenfreada, frisando os desregramentos da sua vida passada. Quando Rodrigo Bórgia tomou o pontificado viviam ainda quatro filhos seus dos cinco que houvera de Vanozza Cattanei, uma amante segundo uns, sua mulher segundo outros, que afirmam haver-se ele casado antes de ser ordenado padre. Alexandre VI promoveu os seus filhos nos melhores cargos de que pôde dispor, sendo este empenho uma das notas características do seu pontificado. Aos quatro fez doação dos Estados da Igreja." A um deles, César, fê-lo cardeal e arcebispo de Valência. Os filhos envolveram-se, porém, em lutas fratricidas, uns com os outros. Alexandre VI, contristado, confessou as suas faltas aos cardeais, com promessas de corrigir-se e começar vida nova. "O que não cumpriu."
Odiado pelos monarcas e pelos grandes do seu tempo, era amado pelo povo, "de que era protector generoso". "Foi um político habilíssimo e protector das artes e das letras."

Canaveira [Manuel Filipe Canaveira, trabalho publicado num destacável d’ “O Jornal”, de 10.05.1991], em síntese, descreve-o assim: «pouco se pode dizer de bom de um homem que teve dois filhos tão perversos como César Bórgia e Lucrécia Bórgia. Para nós, ibéricos, foi um bom papa, pois ratificou o Tratado de Tordesilhas e aceitou as doutrinas do 'Mare Clausum'».

“O Tratado de Tordesilhas, assinado na povoação castelhana de Tordesilhas em 7 de Junho de 1494, foi um tratado celebrado entre o Reino de Portugal e o recém-formado Reino da Espanha para dividir as terras "descobertas e por descobrir" por ambas as Coroas fora da Europa. Este tratado surgiu na sequência da contestação portuguesa às pretensões da Coroa espanhola resultantes da viagem de Cristóvão Colombo, que ano e meio antes chegara ao chamado Novo Mundo, reclamando-o oficialmente para Isabel, a Católica. (…) O tratado definia como linha de demarcação o meridiano 370 léguas a oeste da ilha de Santo Antão no arquipélago de Cabo Verde. Esta linha estava situada a meio-caminho entre estas ilhas (então portuguesas) e as ilhas das Caraíbas descobertas por Colombo. (…) Os territórios a leste deste meridiano pertenceriam a Portugal e os territórios a oeste, à Espanha. O tratado foi ratificado pela Espanha a 2 de Julho e por Portugal a 5 de Setembro de 1494.” (Wiki)

Mare clausum (do latim: "mar fechado") é um termo legal usado no direito internacional. Refere-se a qualquer mar (ou oceano) que esteja sob a jurisdição de um país, sendo vedado a outras nações. Mare clausum é uma excepção ao mare liberum (do latim: "mar livre"), ou seja, um mar que está aberto à navegação por navios de todas as nações. (…) Historicamente, Portugal e Espanha defenderam uma política de "Mare clausum" nos oceanos durante a era dos descobrimentos e expansão colonial. O que viria a ser contestado por outros países europeus. (…) Da controvérsia gerada entre estas duas visões, encontrou-se uma base sustentável, limitando o domínio marítimo à distância de um tiro de canhão a partir da costa. Este seria universalmente adoptado e estabelecido como o limite das três milhas marítimas da costa. (Wiki)

Por último é oportuno referir D. Jorge da Costa (então conhecido por Cardeal de Alpedrinha, por ser daí natural), que nasceu em 1406. Feito Cardeal pelo Papa Sisto IV (212º), em 18 de Dezembro de 1476, foi o 9º cardeal português.
Por se ter incompatibilizado com D. João II, exilou-se em Roma a partir de 1483, onde acabou por passar o resto da sua vida. Morreu em 1508 na “Cidade Eterna” (assim designada pela sua história milenar), onde está sepultado num túmulo magnífico, na Igreja de Santa Maria del Popolo.
Foi, por certo um dos 23 cardeais que elegeram Rodrigo Bórgia, em 10 de Agosto 1492, como Alexandre VI (214º), mas desconhecemos se foi um dos subornados pelo novo papa que sabemos ter usado a sua fortuna para comprar a maior parte dos votos dos cardeais.








Fontes referidas no texto








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