segunda-feira, outubro 31, 2011

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA


Como sempre, recordo:

Este é o espaço em que,
habitualmente,
faço algumas incursões pelo mundo da História.
Recordo factos, revejo acontecimentos,
visito ou revisito lugares,
encontro ou reencontro personalidades e lembro datas.
Datas que são de boa recordação, umas;
outras, de má memória.
Mas é de todos estes eventos e personagens que a História é feita.
Aqui,
as datas são o pretexto para este mergulho no passado.
Que, por vezes,
ajudam a melhor entender o presente
e a prevenir o futuro.

ESTAMOS NA SEGUNDA-FEIRA DIA 31 DE OUTUBRO DE 2011 (MMXI) DO CALENDÁRIO GREGORIANO

Que corresponde ao
Ano de 2764 Ab Urbe Condita (da fundação de Roma)
Ano 4707 a 4708 do calendário chinês
Ano 5771 a 5772 do calendário hebraico
Ano 1432 a 1433 do calendário islâmico

Mais:
DE ACORDO COM A TRADIÇÃO, COM O CALENDÁRIO DA ONU OU COM A AGENDA DA UNESCO:
De 2003 a 2012 - Década da Alfabetização: Educação para Todos.
de 2005 a 2014 - Década das Nações Unidas para a Educação do Desenvolvimento Sustentável.
de 2005 a 2015 - Década Internacional "Água para a Vida".

Por outro lado
2011 é o
ANO EUROPEU DO VOLUNTARIADO
ANO INTERNACIONAL DA QUÍMICA
ANO INTERNACIONAL DAS FLORESTAS

Hoje é o
DIA MUNDIAL DA POUPANÇA.

A semana de 24Out a 31 Out é a
SEMANA DO DESARMAMENTO/SEMANA MUNDIAL DA PAZ



«Não foi do Rei Duarte tão ditoso
O tempo que ficou na suma alteza,
Que assi vai alterando o tempo iroso
O bem co mal, o gosto co a tristeza.»
Camões, Lusíadas, Canto IV, 51

Símbolo da realeza portuguesa da Casa de Avis e descendência

Foi na TR 31.10.1391, há 620 anos, que nasceu, em Viseu, D. Duarte, 11º rei de Portugal, que sucedeu a seu pai, D. João I, no trono.

Na Europa o poder estava assim distribuído:
Em Portugal reinava D. João I (10º), O de Boa Memória, inaugurador da segunda dinastia, Dinastia de Avis.
Rei de Inglaterra era, na altura, Ricardo II (36º), da Casa Plantageneta, neto de Eduardo III, a quem sucedeu.
Rei de França (34º) era Carlos VI, da Dinastia de Valois.
Rei da Germânia (Alemanha) e da Itália era Venceslau I, da Casa de Luxemburgo.
A Espanha, como tal (unidade política) ainda não existia, daí que:
Rei de Leão e Castela (18º) fosse Henrique III, da Dinastia de Trastâmara.
Rei de Navarra (30º) fosse Carlos III, da Casa de Évreux.
E rei de Aragão (15º), João I, da Dinastia de Barcelona.
Aos destinos da igreja de Roma presidia, então, Bonifácio IX (203º), cujo pontificado decorreu ao tempo do grande cisma do Ocidente, em oposição a Clemente VII (antipapa) de Avinhão. Estabeleceu as anatas perpétuas.

Anata era o nome que se dava, no sistema fiscal da cúria pontifícia, ao imposto que se pagava à autoridade eclesiástica, por quem fosse provido em algum benefício ou mercê. Calculava-se pelo rendimento do primeiro ano - donde o nome.
Desde o séc. VI que os Cânones autorizavam os bispos e abades a cobrar a anata pelos benefícios que conferiam aos sacerdotes por eles ordenados. As verdadeiras anatas, designadas por annatae Bonifacianae, consistiam, em síntese, na metade dos rendimentos do primeiro ano...
"Naturalmente, este tributo, em que se manifestava com clareza a vontade monárquica do papado a partir do séc. XIV, levantou oposição nos cleros dos vários Estados; de maneira que, quando, na primeira metade do séc. XV, se iniciou uma violenta reacção das igrejas nacionais contra a tendência unificadora do papado, a questão das anatas tomou relevo." Daí que Martinho V as tenha reduzido (1418); o concílio de Basileia as tenha abolido (1435); a Pragmática Sanção [nome que se dava ao conjunto de normas, de nível superior - ficavam a fazer parte da lei fundamental -, emanadas do poder civil, na sua maioria relacionadas com a ordem eclesiástica] de Bourges, publicada por Carlos VII, de França, em 1438, as tenha suprimido, pura e simplesmente.

Foi bem curto o reinado de D. Duarte, que em pouco ultrapassou os 5 anos, já que, sucedendo a seu pai em 14.08.1433, aos 42 anos, viria a morrer, em Tomar, aos 09.09.1438, com 47 anos incompletos. Aliás, nada faria prever o desenlace do rei tão prematuramente, saudável que ele era. Porém a peste, que a tantos surpreendeu, vitimou-o também a ele inesperadamente.

O “Rei-Filósofo” ou o “Eloquente”, como foi cognominado, era um homem culto e com obra produzida, pois que foi escritor e poeta.

D. Duarte não foi o primogénito de D. João I, embora tivesse sido o mais velho dos seis filhos (entre 8) que vingaram e chegaram à idade adulta e que ficaram conhecidos como a “ínclita geração [dos] altos infantes” – na expressão de Camões (Lusíadas, Canto IV, 50).
Realmente, D. Duarte foi o 3º filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, depois de Branca (que morreu bebé) e de Afonso (que morreu com cerca de 10 anos). Ou seja, dos filhos varões foi o secundogénito, mas sucessor do pai por ter sobrevivido a seu irmão Afonso, como se viu. A D. Duarte seguiu-se Pedro, Duque de Coimbra (1392-1449), que foi um dos infantes mais esclarecidos do seu tempo e que foi regente durante a menoridade do seu sobrinho, o futuro Rei D. Afonso V, vindo a morrer na Batalha de Alfarrobeira.

«Esta batalha travou-se em 20 de Maio de 1449, junto do ribeiro de Alfarrobeira, em Alverca, entre as tropas do rei D. Afonso V e as do Infante D. Pedro, seu tio [e seu sogro]. Tal batalha é o culminar de uma luta política que vem desde a morte de D. Duarte, em 1438.
D. Afonso V era menor e ficou como regente a mãe, D. Leonor, como D. Duarte pedira. Mas nas cortes de 1439 o Infante D. Pedro fica com a regência e a rainha D. Leonor é exilada em Castela. D. Pedro tem de se impor aos partidários de D. Leonor. Quando D. Afonso V atinge os 14 anos, em 1446, o governo passa para as suas mãos, nas cortes de Lisboa, ficando D. Pedro a auxiliá-lo. Mas a facção contrária, encabeçada pelo duque de Bragança [1º duque de Bragança, D. Afonso, tio bastardo do rei], pelo conde de Ourém e pelo arcebispo de Lisboa, intensifica a sua campanha de intrigas contra D. Pedro, o que leva a que, em 1448, D. Afonso V dispense os serviços do tio. O Infante D. Pedro retira-se para as suas terras de Coimbra, e os seus apoiantes começam a ser perseguidos. (...)
Em conselho, D. Pedro e os seus apoiantes são declarados rebeldes e desleais ao rei, e este prepara-se para os combater, reunindo 16000 homens em Santarém. Ao mesmo tempo, o Infante D. Pedro, com 3500 homens, sai de Coimbra para se vir justificar perante o rei. Ao chegar a Alfarrobeira, a 20 de Maio, encontra as tropas de D. Afonso V. As tropas reais, em maior número, cercam as tropas do Infante D. Pedro. A luta foi breve e dela resultou a morte do Infante D. Pedro, varado por uma seta. Nesta batalha sobressaiu o exemplo do conde de Avranches, que jurara fidelidade a D. Pedro, lutou até à morte, acabando por ser morto, lançando o célebre: "Ora fartar, rapazes. Vingar, vilanagem." Os seus apoiantes foram desbaratados e depois perseguidos. (...)
O significado da Batalha de Alfarrobeira é o da vitória da facção palaciana e senhorial, que influenciava D. Afonso V, e o da derrota da centralização régia, defendida pelo príncipe D. Pedro, e que só triunfará com D. João II.»
(Infopédia online, Porto Editora, sob entrada Batalha de Alfarrobeira)
Isto é: a batalha representou o triunfo da corrente senhorial sobre os princípios da centralização do poder, anunciadores da Idade Moderna.

Dos “altos infantes” seguiu-se D. Henrique, Duque de Viseu, O Navegador (1394-1460), que investiu a sua fortuna em investigação relacionada com navegação, náutica e cartografia; de seguida D. Isabel, Duquesa da Borgonha (1397-1471) que casou com o francês Filipe III (ou Filipe, o Bom), Duque da Borgonha; em seguida o Infante D. João, condestável do reino e avô de Isabel de Castela (Isabel I), já que filha da Infanta Isabel, sua filha; por fim D. Fernando, o Infante Santo, que morreu no cativeiro, em Fez, Marrocos e cuja divisa era «Le bien me plaît».

É com D. Duarte e com o infante D. Pedro, seu irmão, ambos figuras de elevada estatura intelectual, que a nossa língua assume elevada capacidade de expressão conceptual no plano da filosofia, no despontar do século XV.

Mas ouçamos Oliveira Martins: Em 1387 D. João I casa com D. Filipa de Lencastre. «Os primeiros dois anos [após o casamento] foram estéreis; mas logo em 1390 a rainha começou, com uma pontualidade inglesa, a produzir o seu filho anual. Em 1390 nasceu o infante D. Afonso, que morreu de dois anos. Em 1391 (31.10), D. Duarte, que sucedeu a seu pai no trono. Em 1392, D. Pedro, fadado para melancólicos destinos. Em 1393, falha. Em 1394, D. Henrique, o Cipião português [Públio Cornélio Cipião Africano, o Velho, foi um general, estadista e grande estratega romano], inventor do nosso Império ultramarino. Em 1395, D. Branca, falecida na infância. Em 1396, provavelmente, algum desmancho. Em 1397, D. Isabel, que casou com o duque de Borgonha. Depois, a fecundidade cansa: há intervalos. Em 1400 nasce o infante D. João; em 1402, o pobre mártir de Tânger, o infante D. Fernando, Isaac efectivamente imolado por um Abraão terrível, (...). Depois o manancial esgota-se.
Foi o seu último filho. (...)» (Oliveira Martins “Os Filhos de D. João I” -15). O infante D. Fernando (Infante Santo) morreu em 05.07.1443.

Esta enumeração de Oliveira Martins não coincide com a que vimos anteriormente. Contudo, segundo parece foi mesmo uma primeira infanta D. Branca a primogénita, que morreu ainda bebé, como confirma Maria Helena da Cruz Coelho em D. João I, da Colecção Reis de Portugal do Círculo de Leitores, Lisboa, 2005, pg 119, sendo que esta infanta aparece enumerada por Oliveira Martins fora daquela ordem primeiramente referida.

Uma curiosidade a anotar é que, segundo parece, os reis, por estes tempos, pelo menos, não estavam postos em sossego, num “dolce far niente” no seu Paço, na capital. Antes se deslocavam por todo o país, fazendo justiça ou tratando de negócios do reino, e não era a sós que o faziam, mas com rainha, numa espécie de antevisão do que seriam mais tarde, nos nossos dias, as presidências abertas. Alguns exemplos bastam para o exemplificar: dos filhos de D. João I, D. Duarte nasceu em Viseu, seu irmão D. Henrique no Porto, a infanta D. Isabel, sua irmã, em Évora e o infante D. João, igualmente seu irmão, em Santarém. Já dos filhos de D. Duarte, D. Afonso V nasceu em Sintra, enquanto seu irmão D. Fernando, pai de D. Manuel, nasceu em Almeirim e sua irmã D. Leonor, em Torres Vedras.

Em 19.07.1415, que foi numa SX: morre, com 56 anos, a rainha D. Filipa de Lencastre.

D. Filipa de Lencastre nasceu em Inglaterra, em 1359. Era filha primogénita de João de Gant (ou Gaunt) e de D. Branca, duques de Lancaster, e neta do rei Eduardo III, da celebrada dinastia Plantageneta. Casou a 2 de Fevereiro de 1387 com D. João I, na Sé do Porto.
Educada em Inglaterra, numa das propriedades rurais de seu pai, pouco se sabe da sua vida até aos 26 anos. Em 1386 embarcou com seu pai, sua madrasta e sua irmã, D. Isabel, para Castela, sendo então prometida a D. João I, rei de Portugal.

Por influência de D. Filipa novos hábitos e novos costumes, ingleses, se introduziram na corte portuguesa, o que viria a manifestar-se na conduta, na formação moral e até na actividade literária de seus filhos D. Duarte, D. Pedro, D. Henrique e D. Fernando.
D. Filipa promoveu sempre o fortalecimento das relações com Inglaterra, sendo já o seu casamento, aliás, um contributo para a consolidação da aliança luso-britânica, estabelecida em 1372.
Morreria de peste em Odivelas, nas vésperas da partida para Ceuta, não sem antes entregar a cada um dos infantes, D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique, a espada com que viriam a ser armados cavaleiros por seu pai, D. João I. Foi sepultada em Odivelas, e, posteriormente, trasladada para o mosteiro da Batalha.

Com Inês Pires D. João I teve mais dois filhos naturais: Afonso, que se tornou no 1º duque de Bragança ao casar-se com a filha de D. Nuno Álvares Pereira, Beatriz Pereira de Alvim, e Beatriz.


D. João I era filho ilegítimo de D. Pedro I e da dama galega Teresa Lourenço. Em 1364 foi proclamado Grão Mestre da Ordem de Avis. Daí a cerca de 20 anos dar-se-ia a crise sucessória de 1383-1385: com a morte do último rei da 1ª dinastia, D. Fernando, Portugal parecia em risco de perder a independência já que a sucessão do trono recaía sobre a sua única filha, D. Beatriz que casara com 11 anos de idade com o rei João I de Castela. De facto a sucessão da filha de D. Fernando e da rainha D. Leonor Teles de Meneses, cuja ligação ao nobre galego João Fernandes Andeiro se tornara pública e notória, acarretando sobre si e seus apoiantes, as antipatias e desconfiança de todos (nobres burguesia e povo) não colhia grandes simpatias. Ninguém, porém, se conformava com tal situação, pelo que concorreram ao trono português, contra D. Beatriz e seu estrangeiro marido, um outro D. João, filho de D. Pedro I e de Inês de Castro, supostamente casados, e o filho natural do mesmo D. Pedro I com Teresa Lourenço, Mestre de Avis, também ele D. João. Como já sabemos o desfecho da História, seguida a crise e pouco mais de um ano de guerra, em 6 de Abril de 1385 o Mestre de Avis é aclamado rei de Portugal, como D. João I, nas Cortes de Coimbra dessa data, onde o jurisconsulto português, João das Regras, desempenhou um papel primordial na defesa da aclamação do Mestre de Avis.
Daí o início da segunda dinastia com D. João I, Mestre de Avis, e donde, também, a designação da dinastia como de Avis.
Os traços característicos do seu perfil físico e moral devem-se, sobretudo, a Fernão Lopes, embora se deva também a seu filho Duarte, “no Leal Conselheiro, no sermão das exéquias ou no epitáfio do Mosteiro da Batalha” (referida obra, D. João I, do CL, pg 10)

Já quanto a D. Duarte, embora curto o seu reinado, nele deu seguimento à política expansionista dos descobrimentos, apoiado que era, por seu irmão, D. Henrique que, de Sagres, onde se estabeleceu com a sua escola de navegação marítima, dirigiu as descobertas. Assim, foi no seu reinado que Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador. A passagem do Cabo Bojador tinha quase tanto de mítico e lendário, de maus presságios, como viria ter, mais tarde (1488), a dobragem do Cabo das Tormentas ou da Boa Esperança por Bartolomeu Dias, a passagem do Atlântico para o Índico.

Uma vez que o nome português Duarte é uma variante do Edward inglês, foi em homenagem ao seu bisavô, avô de sua mãe, o rei Eduardo III, que D. Duarte recebeu o seu nome. Aliás, numa pintura representando o rei, na sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, o seu nome, aí, é referido por Eduardus I, rex.

D. Duarte foi mesmo preparado para reinar, pois que desde muito jovem acompanhou o pai nos negócios do reino. Desde 1412 (tinha 21 anos) que assim sucedia, tendo mesmo, D. Duarte, participado na conquista de Ceuta (1415), quando foi armado cavaleiro. Nos preparativos da conquista não participou, pois que estava ocupado com outros afazeres. Mas da operação, sim, participou.
D. Duarte era, porém, menos centralizador que o pai, e como se preocupava em gerar consensos, durante os cinco anos que reinou, cinco vezes convocou Cortes para pôr à discussão assuntos de Estado: Santarém, 1433 e 1434, Évora, 1435 e 1436 e Leiria, 1438.

Das primeiras Cortes, que convocou logo um ano após a sua subida ao trono, em 1434, resultou a promulgação da Lei Mental (assim denominada por já ter andado na mente de seu pai, D. João I) e que “determinava que os bens doados pela coroa só podiam ser herdados pelo filho varão primogénito, o que permitiu à Coroa reaver muitas terras” – Enciclopédia online da Porto Editora, entrada: D. Duarte. Por outro lado, como as Cortes, desde o tempo de seu pai, várias vezes tinham solicitado uma colectânea do direito vigente, D. Duarte incumbe dessa tarefa o jurista Rui Fernandes que conclui o seu trabalho em 1446, já após a morte do rei. Entretanto, o irmão deste, infante D. Pedro, mandou rever a obra de que resultaram as Ordenações Afonsinas, por se tratar de obra editada já no reinado d’O Africano (D. Afonso V).

Em 1437, D. Duarte foi convencido pelo seus irmãos Henrique e Fernando a atacar Marrocos, de forma a consolidar a lusa presença (Ceuta já era portuguesa) no norte de África, onde se pretendia estabelecer uma base para a exploração do Atlântico. Mas aqui não houve consenso já que D. Pedro, duque Coimbra e D. João, seus irmãos, estavam contra tal iniciativa: foi aí que se deu o desastre de Tânger cuja derrota, além de custar grandes perdas levou à captura do infante D. Fernando, que viria a morrer em cativeiro por recusar servir de moeda de troca para a devolução de Ceuta.
D. Duarte morreria no ano seguinte, de peste, em Tomar.

Fora do âmbito político, D. Duarte, homem de elevada cultura, tinha ao seu dispor uma importante biblioteca, que «Aires do Nascimento inventariara: livros para auxiliarem as sua tarefas governativas; livros de espiritualidade – numerosos; livros de oração (incluindo o seu belíssimo Livro de Horas);

"Livro de horas é um tipo de manuscrito iluminado comum à Idade Média. Cada livro de horas contém uma colecção de textos, orações e salmos, acompanhado de ilustrações apropriadas, para fazer referência a devoção cristã. Em sua forma original o livro de horas servia como conteúdo de leitura litúrgica para determinados horários do dia. Os livros de horas estão entre os manuscritos medievais mais belos e ricamente ilustrados."
(Wikipédia, entrada: livro de horas)

seis livros de história e outros de guerra; mais ainda de ficção literária; alguma poesia; tratados práticos (livros sobre a agricultura, a astrologia, a lepra, a medicina de Avicena [célebre filósofo e médico persa da Idade Média], a caça de cetraria [ou falcoaria] e de montaria); alguma filosofia, com Aristóteles, Séneca, Cícero; algum direito.»
Não seria, pois, um homem de saber enciclopédico, mas que manifestava curiosidade e interesse por várias áreas do conhecimento.
Ainda acerca da sua biblioteca, apenas um excerto do seu pormenor: «Merlim [personagem do ciclo Arturiano, como sabemos]; Regimento de Princepes; Segredos de Aristóteles; o livro de Galaaz [outro personagem lendário das histórias do ciclo Arturiano, como também se sabe]; O Livro de Cetaria, per castelão (em castelhano); O Livro das Trovas d’El rey D. Deniz; Livro da Corte Imperial; Livro da Lepra, encadernado em purgaminho… etc.» (cfr Luís Miguel Duarte, D. Duarte, colecção Reis de Portugal, Círculo de Leitores, 2005, pg 202)

Como sabemos, D. Duarte escreveu várias obras de poesia e prosa. Destas últimas sobressaem o Leal Conselheiro (ensaio sobre vários temas com especial destaque para a moral e a religião), obra com prólogo e 103 capítulos, uma compilação ou “recolha de textos, de pensamentos, de notas, até de cartas que o rei foi escrevendo em diversos momentos da sua vida” (cit D. Duarte, do CL, p 204). “A reunião dos seus escritos e o afeiçoamento definitivo destes numa obra com unidade, o Leal Conselheiro, ocorreu no último ano ou até nos últimos meses de vida do rei, entre 1437 e Setembro de 1438, como demonstrou o responsável pela melhor edição das duas obras mais conhecidas de D. Duarte, Joseph M. Piel” (ainda op e loc cit de Luís Miguel Duarte).
A outra obra mais conhecida de D. Duarte é o Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sela (que o próprio rei abreviadamente referia como o Livro de Cavalgar). Curiosamente, há um capítulo do Leal Conselheiro escrito para este Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sela que o cit Joseph Piel refere como “o primeiro tratado de equitação da literatura europeia” (op e loc cit). Começado a escrever – devido à sua paixão pela equitação – ainda quando infante, “nos últimos tempos de vida de D. João I o tempo escasseou-lhe” para tal, e depois de uma paragem na sua escrita, durante 4 anos, após a sua subida ao trono, e “já nos derradeiros meses de vida” – que nada fazia prever, mas que a peste acelerou – resolveu retomar e rematar o trabalho, mas à pressa e sem respeitar o plano que meticulosamente preparara para a obra.
Pode e deve referir-se, ainda, como sua obra, o vulgarmente chamado Livro dos Conselhos, um “Livro de Apontamentos”, “que consigo sempre trazia, de coisas familiares e especiais” na expressão do próprio rei. Tratava-se, assim, de “um caderno em branco de que o rei nunca se separava” e em que anotava uma reflexão, a súmula de uma carta que lhe escrevessem ou quaisquer curiosidades.
Ficou conhecido entre os historiadores, este bloco de apontamentos de D. Duarte, como Livro da Cartuxa, por se tratar de livro cuja cópia manuscrita foi oferecida à livraria do convento da Cartuxa, de Évora.
Se a peste não sobreviesse, precipitando-lhe o fim tão prematuro, por certo que o Livro da Cartuxa forneceria muito mais matéria para nova obra de D. Duarte. O seu apontamento mais antigo data de 1423, e o mais recente do ano 1438, em que o rei se finou, o que tudo soma 97 variadíssimas anotações, sobretudo sobre “temas políticos: pareceres e cartas que D. Duarte recebia [e] logo (as) copiava no seu livro”. (Cit D. Duarte, do CL, pg 207/208)

D. Duarte e sua mulher, D. Leonor de Aragão (1402-1455), tiveram 9 filhos do seu casamento (em 1428), dos quais, apenas cinco sobreviveriam à infância. Entre estes contavam-se D. Afonso, futuro D. Afonso V; D. Fernando Duque de Viseu, pai de D. Manuel I; D. Leonor, que casou com Frederico III, do Sacro Imperador Romano-Germânico; e D. Joana que casou com o rei Henrique IV de Castela e foi mãe de Joana de Trastâmara, a Beltraneja (como era conhecida em Castela) ou a Excelente Senhora (como lhe chamou D. João II e era conhecida em Portugal).

Beltraneja atendendo a que seu pai nem tinha nem podia ter filhos – constava -, e que D. Joana (sua mãe) se teria envolvido num romance amoroso com um tal nobre Beltrán de La Cueva, resultando ela dessa união, o que os historiadores, já nos nossos dias, desmentiram. A verdade é que D. Joana (filha, a beltraneja) não deixou de ser considerada ilegítima pelos nobres de Castela, não a reconhecendo como infanta e sucessora no trono. Viria a casar com D. Afonso V, seu tio (em 1475, em segundas núpcias do rei), que se bateu pelos direitos da sobrinha e noiva ao trono de Castela, mas sem êxito, perdendo-o a favor dos reis católicos, tios de D. Joana.

D. Duarte teve ainda um filho natural de uma anterior ligação com Joana Manoel de Vilhena, uma dama da nobreza espanhola: João Manuel, que viria a ser bispo e, que, também ele, por sua vez, deixou dois filhos naturais.

Enfim, o seu reinado, conquanto curto, ficou assinalado por um intenso labor diplomático, numa clara vontade de assegurar a efectiva independência portuguesa, e ainda por um claro intuito de reformar a administração pública, como a convocação anual de Cortes bem demonstrou.





(As fontes desta postagem, para além da habitual consulta de artigos da Net; de diversas entradas da Wikipédia; da Infopédia, a Enciclopédia da Porto Editora e da Biblioteca Universal, a Enciclopédia da Texto Editora, há ainda a acrescentar as seguintes obras: D. João I, de Maria Helena da Cruz Coelho, Colecção Reis de Portugal do Círculo de Leitores, Lisboa, 2005, e D. Duarte, de Luís Miguel Duarte, igualmente da colecção Reis de Portugal, Círculo de Leitores, 2005, além da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, entradas D. João I e D. Duarte, respectivamente, vol 14, pg 241 e sgs e vol 9, pg 312 e ss; “o Portal da História” e por fim, a obra “Os Filhos de D. João I”, de Oliveira Martins).












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