terça-feira, julho 05, 2005

“SÍTIO” DO SIM, DO NÃO E DO TALVEZ


Depois do congelamento da matéria da Constituição europeia, tem-se escrito muito menos sobre o assunto.

Mas achei interessante este artigo porque, além de uma síntese da história, faz um ponto da situação.

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A Europa de regresso aos valores

Paulo de Almeida Sande / PÚBLICO / TR 05JUL05

Logo em 1954, a rejeição da Comunidade Europeia da Defesa pela Assembleia Nacional Francesa lançou a então jovem Comunidade do Carvão e do Aço numa crise de que parecia não poder sair. Três anos depois, nasceu a Comunidade Económica Europeia (CEE).
Em 1966, uma crise de grandes proporções deixou a CEE sem Presidência (do Conselho) durante seis meses. Só foi resolvida por um acordo confuso, o "acordo do Luxemburgo", formalizado numa espécie de acta final distribuída aos jornalistas. Três anos depois, iniciava-se o processo de alargamento dos Seis ao Reino Unido, Irlanda e Dinamarca.
Em 1974, a CEE dos Nove enfrentou uma ameaça única: a recém-entrada Inglaterra preparava um referendo nacional para decidir a saída. Num Mundo em plena ressaca petrolífera, a Europa pressentia o fim. Três anos depois, com o Reino unido em torno de um pujante "yes", preparavam-se eleições directas para o Parlamento Europeu e a criação do Sistema Monetário Europeu, ambos concretizados em 1979.
No início da década de 80, com a crise da PAC e as exigências financeiras de que viria a resultar o "rebate" (a devolução de parte da contribuição inglesa para o orçamento comunitário), instalou-se a euro-estagnação. Mas, logo em 1985, Portugal e Espanha assinavam o Tratado de Adesão e Delors apresentava o Livro Branco que viria a estabelecer o Mercado Interno em 1992.
1992 foi, aliás, o ano de todos os desastres: da virtual implosão do SME e do "Não" dinamarquês ao Tratado de Maastricht parecia resultar o fim das ilusões de União Política e Monetária. Três anos mais tarde, contudo, a Europa alargava-se à Suécia, Finlândia e Áustria e iniciava a etapa final para a UEM e o euro.
Que novos caminhos abre então a actual crise constitucional? Sublinhe-se, como pressuposto, que, a não haver Constituição, se mantém em vigor quase tudo aquilo que os adeptos do Não execram. Praticamente todos os seus argumentos dizem tanto respeito à Constituição como aos actuais Tratados. Nalguns casos, aliás, dizem mais respeito a estes do que àquela. A legislação europeia sobrepõe-se à nacional? Sempre assim foi. A União tem várias competências próprias e sonega poderes aos Estados? Sempre teve. O Tratado é longo e confuso, nos seus 448 artigos? Tentem compará-lo com o actual modelo em pilares, cada um de diferente natureza e com artigos que modificam artigos que revogam artigos adoptados em sucessivas revisões (Roma, Acto Único, Maastricht, Amesterdão, Nice).
A utilização de argumentos sobretudo dirigidos ao normativo comunitário actual, tem duas consequências principais: Posiciona o debate no plano da construção europeia original e reconhece que os grandes avanços (recentes) na construção europeia, como os alargamentos, o euro, ou o espaço de liberdade, segurança e justiça, estão a montante do Tratado. Sem verdadeiros argumentos contra a Constituição, e no afã de os inventar, os defensores do "Não" viraram-se - mesmo dizendo o contrário - contra a União original. É fácil comprová-lo: de súbito, está em causa o euro e as perspectivas financeiras, a solidariedade e o mercado, as políticas e o método comunitário.
Claro que tudo pode ser discutido. A Europa não é uma inelutabilidade determinista, mas a Europa tem de começar por ter noção do que está em jogo: cinquenta anos de evolução, de um quase impensável progresso civilizacional, contra os egoísmos nacionais baseados na percepção salvífica de sociedades (as europeias) condenadas a ser para sempre ricas e poderosas. Não são.
E agora? Agora, é preciso discutir o que efectivamente está posto em causa: a construção europeia. E que esse debate, sobretudo por parte de quem acredita na sua importância, seja apaixonado e radical: que se ergam os ideais e se não reneguem os valores. "Falamos de crise. Falemos primeiro de realizações. Quando a Guerra acabou, a Europa estava em ruínas. Hoje, a União Europeia ergue-se como um Monumento ao sucesso político. Quase 50 anos de paz, 50 anos de prosperidade, 50 anos de progresso. Pensem nisso e agradeçam". Pensem nisso, e neste discurso de Tony Blair (certamente insuspeito de eurofilia) perante o Parlamento Europeu.
Está fora de moda lembrar que a Europa é uma garantia contra a guerra. Pouco parecem interessar resultados, salientar a liberdade e a prosperidade de que beneficiamos. Não vale a pena recordar a atracção deste projecto de solidariedade, em que cada povo, sem abdicar dos seus interesses próprios e legítimos, partilha objectivos em prol de um bem maior e persegue uma comunidade de destino. De civilização.
Temos hoje vergonha de exibir as nossas convicções. Somos, como Montesquieu, resignados espectadores do tempo. Pois permitam-me discordar: há vida para lá da crise e a União Europeia, como ontem, saberá fazer das fraquezas criação. Daqui a três anos falamos.
Regente da cadeira de Construção Europeia na Universidade Católica

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