1. Da recente entrevista de Freitas do Amaral ao DN, de entre muitas possíveis tiro as seguintes conclusões, a propósito das presidenciais de 2006:
À primeira, com que, logo à partida o quiseram comprometer, respondeu muito simplesmente que nem ele nem qualquer membro do governo está impedido de se candidatar a qualquer cargo electivo.
É evidente.
À questão de que a aceitação de fazer parte do actual governo terá afastado, definitivamente, a hipótese de se candidatar às presidenciais, respondeu da única maneira possível: “uma coisa nada tem a ver com a outra”. No entanto, e acerca do silêncio “daqueles que se sabe que estão pessoalmente muito interessados em ser candidatos presidenciais”, comenta: “quando esses ficam calados, acho que os outros têm o direito de também continuar calados”.
Sobre isso, sobre essa resposta que o jornalista considera a porta aberta a todas as especulações, Freitas responde com toda a clareza, sem subterfúgios: “não abro nenhum caminho a nenhuma especulação, estou muito bem onde estou, estou a fazer uma coisa que gosto muito. Desde a última eleição presidencial, que foi a da reeleição de Jorge Sampaio, que eu decidi e tornei público que não faria nada para uma candidatura presidencial. Não fiz diligências, não fiz iniciativas, não publiquei autobiografias, não convoquei jornalistas para conversar sobre o assunto, não fiz contactos com independentes, não me reuni com antigos governadores civis, não fiz rigorosamente nada. Portanto, salvo o devido respeito, parece-me que é excesso de especulação estar sempre a pensar que eu tenho esse objectivo escondido, quando a verdade é que eu não faço rigorosamente nada para atingir o tal objectivo. Há outros que o fazem, mas eu não faço e isso quer dizer que não estou empenhado na corrida às presidenciais”.
Acho que foi transparente e muito claro.
Ao ser-lhe recordado que o PS parecia ter aderido a essa táctica de silenciar a matéria das presidenciais, deixando o caminho completamente aberto a Cavaco, o Prof respondeu: claro que não estou a restringir-me a “uma reflexão no plano dos princípios do princípio democrático, por um lado”, mas igualmente a reflectir acerca “daquilo que deve ser um grande debate nacional que preceda uma eleição democrática em que os problemas possam ser discutidos, clarificados, as posições definidas, em vez de se passar apenas um cheque em branco a um determinado candidato a salvador da pátria. Eu isso confesso que não me parece compatível com o regime democrático.”
E explicitaria, quase de seguida: “com o que eu estava a dizer eu não queria significar que fosse importante que o mais depressa possível houvesse candidatos, acho é que o mais depressa possível tem que haver contraditório, tem que haver debate, tem que haver tomadas de posição, discussão pública na comunicação social e noutros forae, para que os portugueses comecem a ficar esclarecidos e não tenham que se render à ideia de que vão votar numa inevitabilidade. Em democracia não há inevitabilidades, há escolhas, e neste momento os portugueses ainda não foram confrontados com possibilidades de escolha”.
Sobre as eventuais relações institucionais entre o eventual próximo presidente da República Cavaco Silva e o governo PS, Freitas concordou que, na verdade, Cavaco não é propriamente um amigo do PS. Que embora não morra de amores por nenhum partido, sempre acolheria melhor o partido a que de algum modo sempre esteve ligado.
Donde parecer legítima a ilação de que, a ser eleito, Cavaco não consegue manter a equidistância que um presidente deve cultivar. Ou então, que teremos, em tal hipótese, um presidente de alguns portugueses.
A entrevista de Freitas do Amaral fugiu muito à regra das entrevistas dos políticos: evasivas, pouco claras, enredadas em redundantes e inúteis argumentos. Na expressão popular: “com muita parra e pouca uva”.
Não, foi uma entrevista que não fugiu às questões, sem evasivas, clara e muito explícita. (Devo realçar que os sublinhados são meus, obviamente).
Acerca de Manuel Alegre, considerou-o como um dos nomes que ele incluía entre umas dezenas deles “que há em Portugal e que têm mérito para serem presidentes da República”.
Porém, foi, depois, aí que veio ao de cima o político tradicional. Ao ser-lhe perguntado: “se Manuel Alegre fosse candidato, teria o seu voto?”
A costumada evasiva não se fez esperar: “Como sabe, em democracia o voto é secreto.”
Honra lhe seja feita: só aqui fugiu à resposta directa. Mas é claro que a resposta é esclarecedora!
Num aspecto não estou de acordo com a generalidade das análises que foram feitas desta entrevista.
Todos (ou quase) viram nela espelhada a vontade enorme de Freitas em ser presidente da República.
Concordo, é certo, que lhe falta o exercício dessa função para o seu currículo ficar completo e dificilmente excedível. E que esse será, talvez, ainda um seu sonho.
Mas, de facto, não fiz essa leitura, que tantos e tantos outros fizeram da entrevista: não “li” que ele aí deixasse transparecer essa vontade de entrar na próxima corrida a Belém.
Mas há uma distinção fundamental e decisiva a fazer: os jornalistas, analistas e comentadores que viram “esse filme” que eu não vi, são profissionais na matéria e nessa área muito mais experientes que eu.
2. Um dia destes Soares suspirou. E do inusitado acontecimento logo todos os canais televisivos (talvez à excepção da NBC e da BBC) deste mundo e do outro (mais os deste mundo) concluíram pela iniludível intenção da velha raposa (que não se ensaia nada para meter o socialismo na gaveta das recordações ou no laboratório das experiências) em candidatar-se às próximas presidenciais.
Não houve uma declaração, nem sequer uma palavra; houve tão só o tal suspiro “que só podia querer denunciar aquela intenção” – no entender dos mais experientes..
E então ontem, não houve canal em que não fosse anunciada a candidatura de Mário Soares prevendo um confronto musculado entre os dois maiores digladiadores deste torneio: Cavavo x Soares.
E multiplicaram-se as entrevistas com os mais badalados analistas e comentadores; multiplicaram-se as considerações acerca de todos os cenários de um eventual (tão só isso) evento.
O povo costuma dizer que não há fumo sem fogo. O provérbio foi inventado quando não existia televisão: porque nesta acontece muito haver muito fumo sem fogo nenhum.
Os silêncios calculados forjam os tabus. Os “suspiros”, os meros acenos sem significado, as expressões dúbias alimentam os tabus e as especulações que fazem segregar os jornalistas.
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