Interior da Igreja do Mosteiro
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Mosteiro de Pombeiro
Pombeiro de Ribavizela / Pombeiro de Riba Vizela
Perdido no Portugal profundo, no meio de serranias e num vale fértil, num meio absolutamente rural, sem qualquer envolvente condizente com a sua elevada dignidade de monumento nacional, surge-nos o Mosteiro de Pombeiro, saídos da estrada que liga Guimarães a Felgueiras, percorridos vários quilómetros numa estreitíssima estrada municipal, sem grandes condições para atrair e conduzir turistas e “descobridores” das pérolas arquitectónicas que andam perdidas por esse país mais ignorado.
Fui levado a “descobri-lo” no SB 16JUL05.
Segundo uma versão, “a construção primitiva do Mosteiro de Pombeiro desenrolou-se entre 1059 e 1102, de acordo com um projecto característico do período condal. No século XII o cenóbio foi ampliado e a igreja modificada para obedecer às directrizes do Românico beneditino (três naves de quatro tramos e cabeceira tripartida). Juntamente com as Sés Catedrais e alguns outros templos, a Igreja românica do Mosteiro de Pombeiro foi das poucas em Portugal a obedecer ao plano de três naves, o que revela a importância desta casa no contexto medieval do país. Com o tempo Pombeiro tornou-se cabeça das terras de Sousa, chegando a ter sob seu padroado 37 paróquias. Infelizmente, desse período românico apenas restam os dois absidíolos e o portal principal, de quatro arquivoltas. Dos tempos medievais subsistem, ainda, dois túmulos góticos de nobres que escolheram esta casa como local de enterramento, o que prova igualmente a vitalidade do Mosteiro nesta época.
No século XVI realizaram-se obras pontuais, mas a grande campanha da Idade Moderna aconteceu durante a Dinastia Filipina. O exterior recebeu duas novas torres, acentuando o seu carácter basilical. De um modo geral, este projecto maneirista é o testemunho da importação para o interior do Minho - e para o interior de um vale profundo e fértil - de uma arquitectura classicizante de inspiração madrilena. Com o século XVIII surgem grandes transformações no espaço conventual e no interior da igreja. As obras foram iniciadas em 1725 e durante todo esse século o Mosteiro não cessou de ser engrandecido. Entre 1770 e 1773 foram concebidos diversos altares para o interior da igreja e, logo no início do século XIX, remodelou-se o claustro, numa solução neo-clássica sem paralelo nos espaços monásticos do norte do país.
Extintas as Ordens Religiosas em 1834, o Mosteiro foi pilhado e alienado, tendo uma parte significativa das suas pedras e silhares sido aproveitada para outras obras da região. Na década de 50 do século XX uma intervenção pontual impediu o edifício de ruir. Com a aquisição de antigos espaços conventuais que ainda se encontram na posse de privados, deu-se início ao programa de recuperação e valorização do Mosteiro de Pombeiro, uma intervenção global que permitirá devolver ao monumento a sua dignidade perdida.”
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A versão acabada de abordar diz-nos que o mosteiro rondará os cerca de 945 anos de existência.
Mas há quem sustente que o mosteiro beneditino já existia no ano de 853 - pois que a ele se refere um breve de Leão IV (103º) dessa data - ou seja há quem lhe atribua uma mais provecta idade, de cerca de 1150 e tal anos!
De todo o modo, esta versão aponta para a hipótese de estarmos a visitar um mosteiro milenar que tem passado por várias obras e grandes transformações. Mas o mesmo, ainda, de há cerca de um milénio, ou mais, não obstante as tais transformações que lhe foram alterando o aspecto.
Mais ou menos no mesmo sentido parece apontar esta outra versão (Tesouros Artísticos de Portugal, edição das SRD, Agosto 1980, pg 444):
“Do velho cenóbio fundado, ao que parece, no século IX (…), e sensivelmente remodelado durante os séculos XVII e XVIII, apenas subsiste a bela janela românica. A frontaria, enquadrada por duas torres modernas, denuncia no portal, na galilé e no grande óculo o tipo bolonhês que influenciou a primitiva traça. O portal, protegido por uma pequena galilé remodelada quando dos restauros feitos na época barroca, é de quatro arquivoltas plenas, assentes em belos capitéis historiados. Os toros das arquivoltas devem datar dos inícios da segunda metade do século XII, mas a grande rosácea, emoldurada de colunas e arcos românicos e similar às de Roriz e de Paço de Sousa, sugere o princípio do século Xlll.
No interior, de três amplas naves, a comunidade beneditina dos séculos XVII e XVIII deixou traços preciosos dos amplos benefícios executados, sobretudo nos magníficos órgãos, no cadeiral bem entalhado, no coro barroco e no altar-mor. Da traça primitiva apenas subsistem as absidíolas e duas arquetas sepulcrais com estátua jacente: estas duas peças de tumulária do século XIII são rudemente lavradas em granito, com sumária indicação do panejamento; anota-se, numa das faces da arqueta do conde D. Gomes de Pombeiro, o baixo-relevo figurando um cavaleiro de lança em riste.
Reveste-se de particular interesse o retábulo-mor, concebido por Frei José de Santo
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Por outro lado, arqueólogos espanhóis que, in loco, fizeram recentemente algumas explorações e prosseguem estudos sobre este caso, são de opinião de que o mosteiro beneditino que hoje podemos admirar é o que foi construído no séc. XVIII. E que esse estará implantado sobre a edificação, igualmente beneditina, dos tempos que precederam a fundação da nossa nacionalidade (ou anterior, se atentarmos na opinião de que o mosteiro já existiria no ano de 853).
Segundo estes mesmos especialistas, um mosteiro, um edifício intermédio, da época filipina, terá sido edificado não longe do actual, a escassas dezenas de metros dele, de que há vários sinais e indícios, sem que, contudo, tenham ainda descoberto qualquer vestígio digno de ser considerado de indubitável fiabilidade quanto a essa origem.
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O seu plano de três naves, à maneira praticamente exclusiva das Sés Catedrais, é bem reveladora da importância do mosteiro de Pombeiro no contexto destas edificações. Além disso, o claustro foi remodelado numa solução neo-clássica sem paralelo nos mosteiros do norte do país - outra distinção que também deve ter assinalável significado naquela sua aludida importância.
De realçar, ainda, a sua porta principal, românica, de quatro arquivoltas, resguardada com o respectivo guarda-vento ou alpendre (galilé).
Este mosteiro de cenobitas beneditinos, não é referido em todos os guias e roteiros da especialidade. Mas, curiosamente, José Saramago, exactamente na fase em que desata a escrever profusamente, vê assim o monumento (calculo que “algures”, nos anos 70, quando o mosteiro estava em fase de maior ruína, antes das posteriores intervenções, nomeadamente do IPPAR, que lhe têm vindo a devolver a perdida dignidade):
«Pombeiro de Ribavizela, um mosteiro arruinado, triste como só os mosteiros em ruínas conseguem ser.
São cinco horas da tarde, o dia vai escurecendo, e o viajante cai em grande melancolia. A igreja, por dentro, é húmida e fria,
há manchas nas paredes onde a água das chuvas se infiltrou,
e as lajes do chão estão, aí e além,
cobertas de limo verde, mesmo as da capela-mor.
Ouvir aqui missa deve valer uma indulgência geral com
efeitos pretéritos e futuros.
Mas o assombro do viajante atinge extremos
quando a mulher da chave lhe diz que
na missa das sete da manhã é que a afluência é grande, vem gente de todos os lugares próximos. Sob a capa fria e
húmida da atmosfera, o viajante arrepia-se:
que será isto pelos grandes frios e dilúvios do Inverno?
Quando vai a sair,
a mulher aponta-lhe as arquetas tumulares que ali estão,
de um lado e outro da porta.
“Um é o Velho, o outro é o Novo”, diz.
O viajante vai certificar-se. Os túmulos são do século XIII.
Um deles representa D. Gomes de
Pombeiro na tampa e deve conter-lhe os ossos.
Esse é o Velho. Porém, o Novo, quem será?
Não o sabe dizer a
mulher da chave.
Então, o viajante aceita sem discutir
o que a sua própria imaginação lhe propõe:
o outro túmulo é também de D. Gomes de Pombeiro,
feito quando, mancebo e vivíssimo rapaz,
recebeu grave ferimento
em batalha, de que felizmente escapou.
Fez-se o túmulo para escarmento
e D. Gomes de Pombeiro esperou pela
velhice para ir descansar
ao lado da sua própria imagem quando moço.
É um imaginado tão bom como qualquer outro,
mas o viajante não fez dele confidência à mulher da chave,
pois ela merece outro respeito que este
brincar com os mortos,
tanto mais que não terá túmulo de pedra nem estátua jazente,
e se a tivesse haveria de merecer a sua dupla imagem,
a Nova que foi, e a Velha que é,
de amargoso luto e face sucumbida.
Fecha a mulher a igreja com a grande chave
e retira-se para as ruínas do convento, onde mora.
O viajante olha a altíssima fachada, a grande rosácea,
compraz-se alguns minutos no híbrido mas formoso portal.
A tarde morre mesmo, já não há quem segure este dia.
(Viagem a Portugal, José Saramago, edição do Círculo de Leitores, 1981, pág 34)
São tantas e tantas as riquezas patrimoniais do nosso país que desconhecemos, perdidos por esses vales e serranias ignotos do Portugal mais recôndito e, por vezes, quase inacessível!... E de que rara beleza arquitectónica tantos e tantos desses edifícios!
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