quarta-feira, junho 08, 2005

“SÍTIO” DO SIM, DO NÃO E DO TALVEZ


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Mais umas achegas da imprensa de hoje.

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A morte anunciada do Tratado Constitucional Europeu

Fernando Rosas / PÚBLICO / QA 08JUN05

O Governo de Londres informou a Câmara dos Comuns, na passada segunda-feira, da sua decisão de suspender a realização do referendo na Grã-Bretanha. Depois do "não" francês e holandês, com as sondagens a anunciarem novos "nãos" nos referendos do Luxemburgo, da Dinamarca e da República Checa (onde o Presidente, igualmente, admitiu a hipótese de suspender a consulta), com a maioria da opinião pública sueca - onde não está previsto um referendo - a exigir ser consultada e com o "não" maioritário - perante o que parece ser uma vaga de fundo rejeccionista do tratado, o Governo de Londres resolveu não correr riscos. E o facto é este: ainda que escolhendo cuidadosamente as palavras, Jack Straw, ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, pôs de lado o referendo, ou seja, pôs a Inglaterra fora da adesão ao Tratado Constitucional Europeu. A Inglaterra evitou os efeitos políticos internos da quase certa vitória do "não" no referendo, mas com isso não deixou de não ratificar o tratado.
O que significa o seguinte: ao "não" francês e holandês sucede-se a desvinculação britânica. É óbvio que, nestas condições, o que resta do tratado é coisa nenhuma. No sentido em que, seja qual for a evolução que venha a ter o processo de consultas e ratificações, este texto deste tratado não é concebível que possa vir a ser o texto de um futuro Tratado Constitucional Europeu. Pela simples razão de que não se está a ver a viabilidade de uma futura Constituição europeia que deixe de fora a França, a Inglaterra, a Holanda e mais os que estão para vir (ou para ir...). Aos governos dos países onde estavam previstos referendos e aos próprios órgãos dirigentes da UE cabe tirar as conclusões que se impõem face à maciça e crescente onda popular da rejeição do tratado. Sendo certo que os povos não podem deixar de ser consultados por referendo, directamente, sobre tudo o que se venha a decidir, a nova questão que parece abrir-se é saber o que é que se vai decidir e como.
Certo é que o povo português sempre viu o seu direito democrático essencial a ser consultado sobre os tratados de integração europeia sistematicamente negado pelos partidos e governos do PSD e do PS. A opção pela Europa, a mais importante e decisiva viragem estratégica da posição de Portugal no mundo na nossa História do século XX, nunca foi objecto de uma consulta directa e específica ao povo português. Mesmo no caso do presente o tratado constitucional, onde parecia, finalmente, querer-se romper essa espécie de carma antidemocrático, o viso anti-referendário dos partidos dominantes do sistema político originou uma série de trapalhadas políticas e constitucionais destinadas a esvaziar o conteúdo e a dificultar a clareza da consulta popular. Quando, finalmente, cederam à necessidade de uma revisão constitucional que permitisse uma consulta clara e directa, em vez de uma revisão constitucional o PS e o PSD acordaram entre si numa excepção constitucional e numa paródia de consulta: suspenderam a vigência da Constituição para se poder referendar este e só este tratado (e agora que tudo indica que o futuro tratado constitucional não virá a ser este? Far-se-á outra "revisão constitucional" para um novo referendo?), e admitiram, para o mesmo efeito, a simultaneidade de consulta referendária com as eleições autárquicas - um expediente seguro para não discutir verdadeiramente o tratado (à mistura com 300 eleições para câmaras e cerca de 4000 para assembleias de freguesia!) e obter a certeza de um "sim" por arrastamento manipulatório do voto autárquico.
Seja como for, entendo que o princípio da consulta referendária, neste caso sobre matérias de integração europeia, se deve defender e manter, seja qual for o destino deste tratado no seio da UE. A par de duas prioridades mais concretas: uma, já feita, é a da não coincidência de qualquer futuro referendo com as eleições autárquicas ou com quaisquer outras, como ainda prevê a Constituição. Outra é que o Governo esclareça, face à falência do Tratado Constitucional Europeu, qual é a sua posição sobre a continuação do processo, tanto mais que se tornaram públicas as divergências no seu seio e do PS nesta matéria.
Certo, também, é que a derrota do presente tratado pelo voto popular já expresso em França e na Holanda e pela opinião pública maioritária em vários outros países é justa, é necessária e não anuncia, como prega o alarmismo europeísta neoliberal, nenhuma tragédia civilizacional. O que pode anunciar, isso sim, é o princípio do fim de uma lógica antidemocrática, anti-social e militarizada que vem presidindo à construção da UE.
O Tratado Constitucional Europeu agora declinante nasceu de um processo antidemocrático de elaboração e aprovação, nas costas dos povos da Europa, por uma convenção designada pelos governos e pelas maiorias parlamentares e com recusa de algo que se parecesse com um genuíno processo constituinte. O tratado consagrava constitucionalmente - e praticamente blindava-os sem possibilidades credíveis de revisão nos próximos 30 anos - os princípios económicos, sociais e financeiros do mercantilismo neoliberal definidos em Maastricht e não só, a lógica neoliberal de ataque aos direitos sociais e do trabalho, o ataque "privatista" aos serviços públicos essenciais, a reificação da economia do mercado, a asiatização e a americanização da Europa económica e social. O tratado estabelecia uma arquitectura institucional de essência autoritária e não democrática, gerida de facto por um "directório" das grandes potências, em desfavor do Parlamento Europeu, dos parlamentos nacionais e dos Estados mais fracos. É irónico, a este propósito, ouvir os campeões do tratado avisar-nos que, se o recusarmos, regressamos ao actual sistema do Tratado de Nice, como se Nice não tivesse sido entusiasticamente aprovado e aplaudido por eles!
O tratado encetava uma preocupante operação de armamento e militarização da Europa, ainda por cima alinhando-a com a NATO, não contendo nenhuma disposição de claro repúdio da guerra como instrumento de relações internacionais.
Os povos da Europa que têm vindo a recusar este tratado souberam, e bem, estabelecer a relação entre ele e a década de Maastricht que eles sentem na pele: 20 milhões de desempregados, 70 milhões de pobres, milhões de imigrantes excluídos das condições de cidadania. Perceberam que a lógica neoliberal e a Europa do directório pretendem criar uma União contra a própria ideia de Europa que eles professam: uma Europa de génese democrática, que crie emprego qualificado, desenvolvimento sustentado e seja um bastião universal dos direitos sociais e políticos e da paz. São contra aquela Europa e a favor desta. Ao contrário do que manipulatoriamente anunciavam muitos dos defensores do tratado, não há só uma Europa e um único caminho para lá chegar.
Os cidadãos europeus podem e devem escolher. Essa é a primeira grande virtude a extrair da morte anunciada do presente tratado.
Historiador

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O meu reino por um título!

Joaquim Fidalgo / Crer para Ver / ID / id

Navego pela edição on-line do Expresso e surpreendo-me com o título: Referendo suspenso.
O quê?!... Suspenso o nosso referendo à Constituição europeia?!... Não imaginava.
Olho com mais atenção para as letrinhas pequeninas que antecedem o título e leio: "Freitas do Amaral admite "em teoria"." Ah, marotos, que me tinham enganado... Afinal, o referendo não foi suspenso. A única coisa que aconteceu foi que Freitas do Amaral admitiu, "em teoria", que o referendo podia vir a ser suspenso. Mas o título, bem gordinho, não estava com meias hipóteses, era só isso mesmo: Referendo suspenso. E não vale muito a pena eu protestar (logo eu, jornalista...); dir-me-ão que está tudo correctíssimo, pois a verdade encontra-se no conjunto do antetítulo mais o título; se eu só li o título (que é o que normalmente fazem as pessoas, por acaso...), problema meu, pois devia ter começado pelas letras pequeninas do antetítulo (que é o que normalmente ninguém faz, por acaso...). Cá está um dos truques mais velhinhos da profissão, este de mandar para o antetítulo os detalhes de rigor que nos "estragam" um título forte e assertivo - do género: Referendo suspenso.
Lembrei-me, então, de que já na RTP dessa manhã tinha ouvido a mesma coisa. O pivot lá me espantara, noticiando: "Afinal, o referendo português poderá não se realizar." E acrescentava que a grande novidade tinha saído da boca do ministro Freitas do Amaral, em entrevista concedida à mesma RTP.
Ouvi isto e imaginei o que se passara. Quando retransmitiram um excerto da entrevista, confirmei. Freitas do Amaral explicava à jornalista que, em teoria, havia três hipóteses a propósito dos referendos à Constituição europeia: ou continuava tudo na mesma (apesar dos recentes "nãos"), ou se dava o processo por concluído e voltava tudo ao início, ou se suspendia o processo "para pensar". A jornalista insistia: mas então isso significava que o referendo português podia ser suspenso. E o ministro repetia que, de facto, os cenários estavam em aberto e "em teoria" qualquer um poderia ser seguido, dependia agora do Conselho Europeu. Mas a jornalista não desarmava, o que ela queria era um título, uma frase afirmativa, não um conjunto de hipóteses teóricas. E insistia com Freitas do Amaral: estava ele a dizer que o referendo português podia ser suspenso? E Freitas, naturalmente, disse que sim, que essa era, "em teoria" uma hipótese - tal como as outras duas. Mas isso já não interessava, a jornalista podia enfim clamar: "O referendo português pode ser suspenso. A informação foi dada pelo ministro Freitas do Amaral à RTP."
E no dia seguinte, claro, todos os media a fazer eco da grande novidade: Referendo suspenso. Isto, sim, é um título. Isto, sim, é notícia! Agora hipóteses... teorias... cenários... isso explica-se depois. Ou enfia-se no antetítulo - em letras pequeninas, para não estragar o efeito. E para ninguém poder acusar ninguém de mentiroso - ou de sensacionalista. Isso é só o 24 Horas...
Jornalista

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Regressar ao essencial

José Manuel Fernandes / EDITORIAL / ID / id

O essencial no projecto europeu continua a ser, antes do mais, a garantia da paz e da democracia

A actual crise europeia exige realismo, humildade e sangue-frio. Mas exige sobretudo distinguir o que é essencial do que é secundário. Ora, depois dos dois "não" francês e holandês, a defesa a todo o custo do Tratado Constitucional tornou-se um objectivo secundário, mesmo descartável. O essencial é regressar à ideia de que o projecto europeu nasceu, antes do mais, como uma forma de garantir a paz e a democracia num continente devastado por guerras, minado por ideologias extremistas e dividido entre nações aparentemente irreconciliáveis. Para conseguir ganhar este projecto a "Europa" não necessita de ser uma superpotência, de se afirmar "contra" o que quer que seja ou de considerar nuclear o que nela é relativamente novo e, porventura, tão efémero como o irrepetível "boom" do pós-guerra, isto é, um modelo social único e válido em todos os cantos do continente.
Se pensarmos na Europa antes do mais como um espaço de paz, liberdade e democracia temos de entendê-lo como um espaço em expansão. Como uma referência para a sua periferia que contagia, de que se aproxima e que é capaz de integrar. O que quer dizer que a União deve continuar a alargar-se até onde isso fizer sentido e ao ritmo que for possível e sensato. Isso inclui não só os países que já estão à porta (Bulgária e Roménia), os que são sentidos como vizinhos importantes e ainda não bateram à porta (como a Ucrânia), os que são vistos de lado mas querem entrar (caso da Turquia) e mesmo os "mal-comportados" que tendemos a esquecer (como os vários Estados que resultaram da desintegração da Jugoslávia).
Esta Europa tão vasta é feita de nações com tradições seculares, nem sempre coincidentes, por vezes dificilmente miscíveis. Nesta Europa alargada vivem povos que há mais de dois séculos começaram a recusar os impérios - mesmo quando estes eram espaços de tolerância multicultural - e a afirmar-se pela diferença, pela necessidade de afirmarem uma identidade construída muitas vezes por oposição a outros povos. Nesta Europa de nações convém recordar que, mesmo existindo instituições multilaterais e instâncias de governação transnacionais, a identificação das opiniões públicas é com os governos nacionais, razão por que é ainda no espaço das nações que a democracia funciona "de facto" e não apenas no papel.
Esta pluralidade de tradições e heranças, para mais miscigenada com imigrantes recentes, não permite níveis de integração que sejam sentidos como demasiado intrusivos, antes fórmulas de governação que tenham como primeira prioridade assegurar que ninguém se sente demasiado mal no espaço que partilha e que, sobretudo, sente que tira dessa partilha não apenas a tranquilidade da paz e tudo o que representa desfrutar da liberdade, mas também a certeza de que esse espaço lhe proporciona oportunidades de progresso económico e social.
Perceber isso implica retirar da história de sucesso da Europa no último milénio a sua principal lição: o progresso e a inovação estão associados à diversidade e à abertura. A preocupação das autoridades europeias não deve ser a de uniformizar e "governar", antes de regular a competição para dela tirar o melhor partido num mundo onde algumas das vantagens iniciais da União - ser um espaço de livre circulação de bens e serviços - estão a deixar de ser vantagens conforme os mercados se tornam globais e abertos.
Daí que seja crucial que exista um instrumento económico capaz de fazer a diferença e garantir o sucesso deste processo de integração europeu - que já foi criado e se chama euro. É o cimento que agrega as peças de um edifício em construção e a que se deve dar mais atenção do que tem sido dada. Defendendo-o.

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"Amour de soi"

Vasco Graça Moura / DIÁRIO DE NOTÍCIAS / EDITORIAL / id

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Diogo e o fim do referendo

Miguel Coutinho / ID / id /id

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