Fim-de-semana no Alentejo/1
Hoje, Alentejo é a designação genérica de duas províncias: Alto Alentejo, praticamente coincidente com o distrito de Évora, logo com capital nessa linda cidade-museu, declarada pela UNESCO (em 1988) “património da humanidade”.
E Baixo Alentejo, praticamente correspondente ao distrito de Beja, portanto com capital nesta, igualmente encantadora, cidade.
Em tempos idos, toda essa área se designava, simplesmente,
além Tejo ou além do Tejo.
Era o que acontecia, por exemplo, nos começos do século XVIII.
Dum meu heptavô, Mateus Álvares, por exemplo,
(um dos 256 que cada um de nós tem),
ou seja dum dos trisavós da minha trisavó Joana Maria
(um dos 16 trisavós que cada um de nós tem),
reza, assim, o respectivo assento de óbito:
aos 21.07.1704 “... faleceo Matheus Alueres
do Lugar de Almogadel desta freguezia dos Chãos,
e morreo nas terras do alem Tejo
no Lugar do monte do forno,
e esta sepultado na igrª da villa de mora
Bispado (?) e não fes testamento nenhum
e por asim ser fis este acento...
O Pe Manoel Ribeiro” –
assento que anotei com a grafia da época, e
em que apenas sublinhei a referência ao Alentejo.
Coisa raríssima,
este assento estava repetido, com ligeiras diferenças
(em muitas dezenas de assentos
– várias centenas –
que consultei
– muitos deles que transcrevi mesmo, ou de que pedi fotocópia –
que me recorde só aconteceu em dois estarem repetidos.
Um deles, exactamente este).
E então, pouco depois, no mesmo livro,
surge este outro, relativo ao mesmo facto:
Aos 16.07.1704
“...faleceo Matheus Alueres da travessa Lugar desta freguezia,
e morreo nas terras do Alen do Tejo
no monte de forno, e esta enterrado na freguezia da villa de mora
não fes testamento algum e por asim ser fis este acento...
O Pe Manoel Ribeiro”.
Transcrevi de novo com a grafia da época
(nomeadamente com o u a valer como v, como à época ainda se usava; maiúsculas e minúsculas como no original, como mora em vez de Mora, etc). Estes assentos foram copiados na Torre do Tombo,
do Livro de Mistos (baptizados, casamentos e óbitos)
número 6 da freguesia de Chãos
(concelho de Ferreira do Zêzere/distrito de Santarém),
a folhas, respectivamente, 47 e 47vº.
Claro que o que em linguagem hodierna se pretende dizer, em suma, é que “faleceu Mateus Álvares, (…),
e morreu nas terras do Alentejo,
no lugar do Monte do Forno,
e está sepultado na igreja da vila de Mora,
Bispado
(palavra que não consegui decifrar, mas que, seguramente já então, como hoje, seria Évora),
e não fez testamento nenhum; e por assim ser fiz este assento...
O Pe Manuel Ribeiro”.
(Como se deixa ver, o prior dos Chãos terá tido duas informações acerca da morte de Mateus Álvares, no Monte do Forno, da freguesia de Mora, diocese de Évora, lá para o Alentejo. Tudo leva a crer, e assim manda a lógica, que seja este segundo assento o que vale).
Estamos, pois, no repousante Alentejo. Baixo Alentejo.
Assentámos arraiais no Monte do Vale de Santiago de
O Monte é propriedade de D. Maria Edite Costa Moura Botelho.
Oi, Dite!
Um olá! Um viva!
Beijos e abraços nossos
para si!
Ciao!
Até uma próxima vez!
A herdade dedica-se, essencialmente, à produção de cortiça e à criação de vacas.
Nesta altura que lá chegámos estava a terminar a tarefa de tirar cortiça.
A operação de tirar cortiça envolve conhecimentos muito específicos, e muitos trabalhadores. É por isso que é uma operação muito bem paga.
A cortiça tirada às folhas ou canudos tem mais valor que os tacos (sobras ou pedaços pequenos). A cortiça é apreçada e vendida à arroba (
Mas é claro que, para além da cortiça e das pastagens, existe sempre uma “mancha” ou de pinheiros, ou de eucaliptos, e de pomar, de terras de lavoura, etc…
Como em todas ou na generalidade das herdades, o monte fica mesmo numa elevação e é constituído pela casa do proprietário, casa do caseiro, vacaria (neste caso), adega, palheiro, armazéns, casas de apoio para máquinas e alfaias agrícolas… etc.
O caseiro, neste caso, tem como principal função cuidar das vacas. (Neste caso também se usa designar-se de vaqueiro). Assim, é ele que deve separar, e mantê-las assim, as novilhas até aos 20 meses, que é a idade em que, de acordo com a prática desta herdade, as novilhas podem ser cobertas pela primeira vez (na verdade, tal facto deverá ocorrer entre os 18 e os 24 meses, consoante determinados critérios, nomeadamente o estado de desenvolvimento do animal). Mas deve (o caseiro) manter também, separadas as vacas paridas (que amamentam crias), das outras (as não paridas, isto é, que não estão em fase de amamentar crias).
Durante o dia, as vacas e as novilhas andam em liberdade em determinados parques de pastagem (pastagem que, consoante o ano agrícola, assim será mais ou menos rica e abundante). Mas a distribuição das vacas pelos respectivos parques – feita também pelo caseiro – deve obedecer às seguintes regras: num parque ficam as novilhas de idade inferior a 20 meses e as vacas paridas.
Noutro parque ficam as novilhas com 20 ou mais meses – já vacas, portanto, mas ainda nunca cobertas - e as vacas não paridas.
No caso desta herdade, para 80 vacas existem dois touros. Um “velho” e um novo.
Os touros andam no parque das novilhas com mais de 20 meses e as vacas não paridas.
Na hipótese de haver uma vaca ressaída (vaca em época de cio), “por natureza” é ao touro velho que cabe tomar a primazia da cobertura. Só se este se mostrar desinteressado é que avança o touro novo. Se forem mais que uma as vacas ressaídas, a primeira escolha cabe ao touro velho, podendo o touro novo cobrir uma qualquer outra.
Verificámos, a dada altura, um episódio curioso.
Por qualquer razão, contrária ao que seria normal,
junto das vacas que poderiam ser cobertas,
ficou, apenas, o touro novo.
Do outro lado de uma simples vedação,
encontrava-se o touro velho.
O touro novo “sentiu” que uma das vacas estava ressaída.
E, claro, na ausência, ali, do touro velho, o touro novo cobriu-a.
Porém, do outro lado da vedação,
o touro velho, manifestou,
e de que maneira,
o seu desagrado pela ousadia, pelo atrevimento do novato.
Foi um desassossego, acompanhado de fortes rugidelas,
uma ameaça de transpor a cerca, de repor a ordem e a hierarquia…
O touro velho corria, rugia, avançava, investia, num desnorte, num misto de ciúme e de indignação por desrespeito pela sua natural primazia.
A Dite achou por bem, e mais aconselhável, que nos afastássemos
mais do animal enfurecido… E assim fizemos.
Era a natureza a funcionar em pleno,
com as suas regras, com a sua lei…
Curioso!
Uma das principais operações, que envolve cuidados especiais, é a que respeita ao tratamento (alimentação) dos animais, uma vez recolhidos na vacaria (mas sempre todos separados como atrás se disse). Ao entardecer, antes do cair da noite.
Sobretudo em anos de seca, e pobres de pastagens, como o corrente, esta operação exige maior atenção e cuidado.
Há um local, na herdade – perto do monte – onde se constrói um silo. É uma vala, digamos, com (neste caso particular desta herdade) cerca de
Semeado o feno (que é uma mistura de azevém, com aveia, e com tremocilho ou ervilhaca), tudo isto é cortado
Voltando atrás: cortado o feno em verde, vimos que a parte dele se deixa secar bem e depois é enfardado (como explicado acima); a outra parte desse feno cortado em verde é destinado ao silo, para posterior utilização. Nessa altura procede-se à silagem (por alturas de Março/Abril). E aí fica mês e meio, a fermentar.
A silagem é o depósito desse material (em verde, repito) no silo de que há pouco se falou. Cada camada de feno (a tal mistura de azevém, aveia e tremocilho ou ervilhaca) é bem comprimida (com um cilindro ou com o tractor). Sobrepõe-se camada sobre camada, sendo que a última é coberta com plástico ou oleado, bem apertado para ficar o mais estanque possível, de forma que não entre oxigénio, para não apodrecer.
Em Setembro/Outubro faz-se uma outra silagem: esta de milho. Mais rica que a anterior.
Ora bom: no tratamento dos animais, antes do fim do dia, há a tal máquina (já antes referida), conduzida e dirigida pelo vaqueiro (uma “unifeed”), que faz a mistura do feno com água, e que é dada às vacas não paridas (onde se incluem as novilhas que entraram na fase adulta).
Às vacas paridas (exactamente porque amamentam crias), e noutros eventuais casos, consoante as necessidades, acrescenta-se, ao feno e à água, farinha. É claro que a quantidade de farinha também varia com a época do ano (mais ou menos – ou então, mais ricas ou mais pobres – pastagens) e com as necessidades reveladas pelos animais.
Quando se utiliza a silagem do Outono, ao milho (embora já de si alimento mais rico) junta-se palha.
A “primeira barriga” (primeira gravidez) de uma novilha acabada de chegar à fase de ser coberta, é sempre objecto de particular atenção.
O tempo de gestação do gado bovino é de 9 meses.
Cada animal tem uma ficha individual com a respectiva história. O conteúdo destas fichas é transmitido ao instituto respectivo, neste caso com filial em Santiago do Cacém. Que é onde o proprietário adquire também os “brincos” para fixar nas orelhas dos animais, um em cada orelha, cujo número, aí previamente afixado, identifica o animal. E dessa ficha consta, inclusive, a respectiva filiação: no caso desta herdade, o número da mãe (já que o pai pode ser um dos dois referidos, não se sabendo, ao certo, e em geral, qual deles tenha sido).
Se acaso um animal destes morre, o que há a fazer não é, como se poderia imaginar, enterrá-lo, e dele dar baixa…
Não! Não é tão simples!
O proprietário tem de comunicar à entidade controladora desta actividade, esse facto. Essa entidade procederá, em determinado prazo, à remoção dessa carcaça, cuja baixa constará da ficha competente. Se dentro desse prazo essa remoção não se concretizar, o proprietário procederá então, e só nessa situação, ao enterramento da carcaça do defunto animal.
Existem, mesmo, fiscalizações frequentes para verificar a correspondência entre a realidade e os registos existentes.
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