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Folheando alguma imprensa de hoje, encontra-se matéria de reflexão sobre o Tratado da Constituição Europeia.
Vamos ver.
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Blair pode "matar" tratado antes da próxima cimeira
Primeiro-ministro inclina-se para suspender a ratificação do tratado constitucional Reino Unido
Depois do "não" holandês, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, tem nas mãos a decisão de colocar o derradeiro prego no caixão da Constituição europeia. Se a leitura que fizer do resultado do referendo na Holanda for no sentido da anulação imediata do processo de ratificação no Reino Unido, a posição prevalecente entre os líderes europeus de continuar com o processo soará cada vez mais a falso. Estarão criadas condições ainda mais favoráveis ao "efeito de contágio" sobre os países que têm referendos marcados e a União pode ver a confrontar-se com o pior dos cenários: uma sucessão de rejeições.
Se Blair decidir manter o processo de ratificação pelo menos até à cimeira de líderes (dias 16 e 17), o discurso oficial torna-se mais sustentável.
Mas fontes diplomáticas contactadas ontem pelo PÚBLICO disseram que Blair terá já informado o presidente em exercício da União, o luxemburgês Jean-Claude Juncker, de que a sua decisão irá no sentido de parar a ratificação do novo tratado, apesar dos apelos de Bruxelas a que nenhum país o faça unilateralmente.
A questão que jornais britânicos têm colocado com insistência é a de saber se o primeiro-ministro britânico vai seguir a tentação de afastar da frente um obstáculo político sério à sua permanência
Em Londres, analistas chamam também a atenção para o facto de o "não" holandês - muito mais rotundo que o francês - não ser olhado pelo Governo da mesma maneira que o chumbo da França. Embora seja um país fundador e tradicionalmente pró-europeu, a Holanda partilha com o Reino Unido uma visão mais liberal da economia e uma visão mais atlantista da Europa. Blair não deixará de considerar esta diferença para a decisão fundamental que terá de tomar nos próximos dias, até porque hoje as suas ideias sobre a Europa estão muito mais "na moda" do que há alguns anos.
Nos sectores governamentais mais pró-europeus, os mais optimistas ainda acalentam a tese segundo a qual o primeiro-ministro tem perante si uma oportunidade única de afirmar os seus créditos europeus, dispondo de condições excepcionais para isso. O Presidente Chirac está ferido de morte, o chanceler alemão, Gerhard Schroeder, nem sabe se estará na chancelaria no próximo Outono. O eixo franco-alemão vai mal e nem consegue impor a sua vontade aos parceiros, como se viu na escolha do actual presidente da Comissão, Durão Barroso. Entre os grandes, apenas Blair, ainda que enfraquecido por uma vitória suada nas eleições de Maio, continua de pé.
A "tentação" de Blair
Com a profunda crise de liderança europeia, Blair poderia aproveitar a ocasião. Para fazer o quê? Aqui, começam as divergências. Para alguns sectores, o primeiro-ministro deveria "colocar a Constituição no congelador" e orientar a UE, quando assumir a presidência rotativa, a 1 de Julho, para as questões concretas que interessam aos cidadãos: emprego e crescimento económico, imigração, segurança. O próprio disse, na primeira reacção ao resultado do referendo em França, que era preciso "parar para reflectir" e adiantou que os europeus esperam coisas mais concretas da União, sobretudo ao nível económico e social.
Para outros, tudo dependerá do modo como o fizer. Se cair na tentação de "matar" demasiado cedo ou "unilateralmente" a Constituição, pode perder tudo. "Blair sabe que, se for ele a matar o tratado, isso será a suprema humilhação para o eixo franco-alemão", disse ao PÚBLICO uma fonte diplomática em Lisboa. "Pode não resistir à tentação." Mas também pode ser uma fonte intransponível de conflitos para levar por diante uma estratégia alternativa. "Para isso, tem de ser visto pelos seus parceiros como um bom europeu."
Todos reconhecem que qualquer das soluções tem riscos. Continuar o processo de ratificações obedece à lógica implícita ao que ficou previsto no próprio tratado constitucional. Se, até Novembro de 2006, pelo menos quatro quintos dos países-membros aprovarem o tratado, haverá a "massa crítica" suficiente para se reavaliar a situação e decidir o que fazer. Ganha-se tempo. O risco maior desta solução é o contágio do "não". Matá-lo já antecipa a crise.
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A missiva de Chirac à Europa
Jacques Chirac enviou aos outros 24 chefes de Estado e de governo da União uma mensagem que o Palácio do Eliseu divulgou ontem:
"Domingo, 29 de Maio, o povo francês exprimiu-se democraticamente e rejeitou por maioria o Tratado Constitucional Europeu. Para além do que esta decisão implica para o meu país, tenho bem a consciência das consequências que esta situação acarreta para os parceiros da França e para a própria União Europeia. Mas ela em nada põe em causa o compromisso histórico e profundo da França na construção europeia. A França é um país fundador da União. E continuará a ocupar nela, por inteiro, o seu lugar, no respeito dos seus compromissos, e eu velarei pessoalmente por isso. Enquanto nove países já o aprovaram, cabe agora a vez a todos os outros Estados-membros de se pronunciarem sobre este tratado. Será conveniente guardar o tempo necessário para analisar bem as consequências para a União do voto realizado em França. É uma reflexão que deveremos iniciar aquando do Conselho Europeu de 16 e 17 de Junho. Desde já, quero reafirmar-vos o meu desejo mais vivo de continuar a trabalhar estreitamente convosco, ao serviço da Europa e do seu futuro, e de reforçar a concertação entre os nossos dois países."
(PUBLICO, QI 02 JUN 05)
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O que resta da ideia da Europa
Manuel Carvalho / PÚBLICO
A Europa agoniza antes de mais por que a ideia, o espírito fundamental que serviu de motor à sua construção, deixou de ser uma exigência quase unânime dos cidadãos para se tornar num fardo
O projecto europeu não morreu, porque duas derrotas em referendos nacionais não serão nunca suficientes para desmoronar uma construção de meio século. Poderemos estar descansados, porque os comissários continuarão a trabalhar, o Parlamento a deliberar e o Conselho a reunir-se. Tudo bem na Europa formal, portanto. Mas a Europa como projecto de destino que mobilizou milhões de cidadãos de dezenas de países do continente nas últimas décadas entrou num estado de agonia. Porque enfrenta uma crise de crescimento, porque duvida do seu rumo, porque tem pela frente desafios que exigem a abolição de um estilo de vida garantido pela providência do Estado, sem dúvida. Mas a Europa agoniza antes de mais por que a ideia, o espírito fundamental que serviu de motor à sua construção, deixou de ser uma exigência quase unânime dos cidadãos para se tornar num fardo que urge deitar fora.
Se a Constituição é má ou boa, pouco importa a quem se preocupa com a putativa adesão dos turcos, a quem acha que o seu país já pagou tempo de mais aos do Sul para ter de pagar de novo aos do Leste, a quem receia a concorrência do canalizador polaco, a quem tem necessidade de encontrar uma explicação para o desemprego, a deslocalização ou a degradação da vida nas cidades. A Europa deixou de ser o trunfo, o ideal capaz de evitar novas guerras, de promover o entendimento no continente, de aproximar os povos pela via da democracia, da prosperidade e da tolerância. Para um número crescente de cidadãos, a Europa passou a ser a negação ou o bode expiatório de tudo isso.
O projecto europeu foi capaz de superar as suas intermináveis dissidências institucionais, mas muito mais difícil será a batalha contra as causas profundas que, num ápice, transformaram ideias certas em dúvidas insuportáveis. A Constituição não foi rejeitada apenas por ser demasiado longa, demasiado liberal, demasiado estatista, laica em excesso ou breve na interpretação das heranças iluministas. A sua rejeição é uma consequência de um mal-estar, o espelho que reflecte a dificuldade de uma sociedade em encontrar respostas para a ansiedade do presente. Se outrora a ideia da Europa era um suplemento de alma para uma geração de optimistas que acreditava na valia eterna do seu modelo de sociedade, agora essa ideia é vista como um objecto corrompido que já não convence nem serve. Não é um ideal, mas uma fonte de perplexidades. Os que querem mais Europa ou os que exigem outra Europa juntam-se aos que não querem Europa nenhuma, reunidos na mesma convicção de que o caminho percorrido e a percorrer não legitima aspirações colectivas e muito menos a aventura exaltante de se estar a construir algo inédito e marcante na história do nosso tempo.
Nos próximos anos, tudo terá de ser repensado, excepto a certeza de que o velho método "empírico e aleatório", na feliz expressão de Eduardo Lourenço, que orientou os passos até aqui, deve prevalecer sobre grandes ambições. Talvez assim se vençam as hesitações do presente e se convençam os cidadãos de que a ideia de Europa que a Constituição consagrava pode ser uma ajuda para se acreditar na possibilidade de vencer os desafios com os quais o continente se confronta.
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Sim, mas... não assim
Augusto M. Seabra / PÚBLICO
"Percorri durante seis meses a Espanha e Portugal e vivi entre povos que, desprezando todos os outros, prestam apenas aos Franceses a honra de os odiar"
Montesquieu - Cartas Persas
"O começo é a negação daquilo que com ele começa"
Schilling
Em 1991, no momento da grande viragem da liberdade, Paul Ricoeur colocava uma interrogação, "Que novo ethos para a Europa?" - ethos designando na retórica a credibilidade de um sujeito afirmada pela inteligência, carácter e respeito público adquirido, e sendo o radical de "ética".
No jornal Le Monde de 19 de Novembro passado, Ricoeur e Monique Canto-Sperber assinavam um texto, Référendums: chances et risques - foi o último texto dele que li antes do desaparecimento desse filósofo e grande figura de europeu.
Como defensor do "sim", importam-me vários argumentos, e terei por certo ocasião de os retomar, sobretudo na urgentíssima batalha a travar contra o incalculável cinismo do proclamado "não de esquerda", da sinistra constelação Monde Diplomatique/ATTAC, que atingiu as raias da nova xenofobia contra o "canalizador polaco", ou as incomensuráveis falácias do Bloco de Esquerda-- que, para já, porque de Europa falamos, é aliado da Refundação Comunista italiana, faz parte no Parlamento Europeu do grupo comunista ao lado do PCP, e que deverá explicar muito bem aos seus eleitores por que é contrário a uma nova ordem jurídica que, designadamente, consagra com valor constitucional europeu a Carta dos Direitos Fundamentais, a qual, por exemplo, garante a "não discriminação", incluindo a da "orientação sexual".
Mas por agora importa-me a interrogação que os dois filósofos deixavam: "As democracias modernas estão em crise de legitimidade. (...) Em 2005, é a vontade geral que se deverá exprimir, por muito fictícia que seja. Dada a gravidade da questão colocada, reconhecemos ser essa uma ocasião importante de deliberação colectiva e de escolha democrática. (...) Este voto é uma ocasião excepcional de solidificar a legitimidade da Europa no consentimento dos povos. Mas para isso é necessário que a nossa prática da democracia esteja à altura da Europa dos povos que queremos."
Se a crise da legitimidade e da representação é generalizada, mais ainda o é no caso da União Europeia. É esta uma construção político-jurídica e supostamente simbólica única na história, uma construção transnacional de soberania partilhada, mas a sua legitimidade vem assentando num consenso cada vez mais difuso e mole, que, em termos de percepção pública, a torna apenas uma entidade contingente.
A língua inglesa consagra três ordens diferentes, "polity", "politics" e "policies". A primeira é propriamente a "política", no sentido do grego "politeia" e do latino "res publica", o corpo político e soberano; o segundo, a política no sentido de governar e de debate e opiniões políticas; o terceiro, de políticas concretas. Evocamos a União e ocorrem-nos quase sempre "policies", políticas comuns, directivas, etc., quanto muito "politics" sob o signo de negociações e compromissos constantes. É a ausência de "corpo político", "res publica". Será só porque não existe um "povo europeu"?
Mas há certamente uma comunidade simbólica e cultural, uma história que permitiu um reconhecimento e a definição de um espaço também comuns. Propiciará também esse reconhecimento a constituição simbólica e propriamente política de um corpo soberano e democrático?
No seu mais recente livro, The Idea of Europe, George Steiner interroga-se: "A Europa esquece-se quando ela se esquece que nasceu da ideia da razão e do espírito da filosofia. (...) Significa isso que a ideia de Europa terminou o seu percurso, que não tem futuro autónomo? Essa é uma possibilidade clara. Corresponde à lógica de morte das civilizações e das ideologias." Mas também "pode suceder que o futuro da "ideia de Europa", caso exista, dependa menos dos bancos centrais, das subvenções agrícolas, dos investimentos na tecnologia ou das tarifas comuns do que supomos. (...) O génio da Europa é o que William Blake teria chamado "o carácter sagrado do detalhe ínfimo". É o da diversidade linguística, cultural e social, de um mosaico prodigioso."
Quando Montesquieu "inventou" uma "cidadania europeia" o seu artifício foi uma figura de alteridade, os persas e muçulmanos que em cartas descreviam os usos e costumes e os antagonismos europeus - Comment peut-on être Persan?, "como se pode ser Persa?", supõe "Como se pode ser Europeu?", em que é os estrangeiros, os outros, são semelhantes e diferentes de "nós", como é que na relação tolerante com a diferença nos podemos também melhor aperceber da nossa "identidade".
Vejo agora exultantes com o "non" francês os que mais vinham afirmando uma francofobia militante - e recordo-me ainda de Montesquieu. Mas houve decisão soberana e importa considerá-la mesmo para além dos motivos internos franceses, e saber se acaso do(s) "não(s)" pode decorrer um outro começo.
A questão é que, na ausência da percepção pública de uma construção identitária, perante o enorme défíce simbólico e de imaginário do processo europeu, a crise de legitimidade confunde-se já mesmo com "usurpação".
Seria instrutivo verificar como ao longo dos anos se sucederam em Portugal debates com Mário Soares, Pacheco Pereira,
Muitíssimo mais grave, o modo como os governos desprezaram os resultados das eleições europeias e nomearam para presidente da Comissão precisamente um dos principais derrotados dessas eleições, ou a gravíssima fuga para a frente que é a inconcebível abertura de negociações com a Turquia, podiam ser razões suficientes para dizer um "não, basta!". Mas, ainda assim...
É indesmentível que o processo de aceleração da União está a ser imposto - e é tristíssimo exemplo que em Portugal, ao convocar-se finalmente um referendo, se vá fazê-lo coincidir com as autárquicas, procurando-se o formalismo tão-só ratificativo, negando a hipótese de um debate alargado, negando o que com ele devia começar.
Assim, como será ainda possível salvar esse passo extraordinário, apesar de todas as reservas, que é o "tratado instituindo uma Constituição para a Europa", de modo "que a nossa prática da democracia esteja à altura da Europa dos povos que queremos"? Crítico
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Ainda a propósito desta matéria, da coluna de EDUARDO PRADO COELHO, de hoje, no PÚBLICO, com o título
Pós-nação
Destaco estas duas passagens
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Há modalidades de erosão do tradicional Estado-nação: quer através das redes moleculares que ligam instâncias abaixo do Estado, quer através das grandes manchas civilizacionais que emergem no espaço contemporâneo.
(…)
Hoje não é possível regressar ao Estado-nação. Os que pensarem que o "não" francês se poderá traduzir num regresso ao Estado-nação enganam-se profundamente. Isso é o que Beck chama "a mentira neonacional". Mas um outro perigo ameaça a Europa; o da democracia neoliberal. Trata-se aí de uma tentativa de reduzir a Europa à economia e reduzir a economia ao mercado. Precisamos de ir além destas duas mentiras: precisamos "de uma teoria crítica da europeização que seja radicalmente nova, ao mesmo tempo que se inscreve na continuidade do pensamento e da política europeias".
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"REFLEXÃO ABERTA"
"Constituição europeia não é perfeita, mas deve ser ratificada"
Fernanda Ribeiro / PÚBLICO
O PSD já discute o tratado constitucional e não aceita o adiamento do referendo
Marques Mendes disse ontem que "a Constituição europeia não é perfeita e poderia ser bastante melhor", constatação que não o impede porém de pensar que "deve ser ratificada", no referendo a realizar em Outubro,
"Acho
Marques Mendes intervinha no final de uma sessão de "reflexão aberta" promovida pelo Instituto Sá Carneiro em torno do referendo europeu ao tratado constitucional, na qual participaram o socialista
O presidente do PSD admitiu "compreender as críticas dos que estão contra a ratificação do tratado", mas considerou que "algumas delas são falaciosas", pelo que desejaria ouvir apenas as "críticas verdadeiramente sólidas" - algo que ontem não foi possível, já que na sessão participaram apenas adeptos do "sim".
Entre as críticas falaciosas, Marques Mendes apontou a questão da "perda de soberania, ou a de que o tratado constitucional introduz uma prevalência do direito europeu ou ainda de que cria um Estado federal".
"Não se trata de perda de soberania, mas de partilha de soberania, e isso é bom", considerou, salientando também que "a prevalência do direito europeu não é uma realidade nova". Já quanto à criação de um Estado federal, Marques Mendes afirma: "O projecto europeu tem características federais, mas partir daí para concluir que estamos a criar um estado federal vai a distância toda do mundo."
"Já é altura de falar do texto"
"Falta um espaço público europeu em que as questões europeias sejam debatidas. E às vezes parece que se discute tudo menos o tratado", afirmou Mota Amaral, presidente do Instituto Sá Carneiro, logo no arranque da sessão.
O mote foi repegado por Paulo Sande, cuja intervenção se centrou no que diz o tratado. "Já é altura de falar do texto", disse, antes de enumerar as múltiplas vantagens que encontra no documento, que contém "numerosas disposições sociais, e nenhuma das já existentes desaparece".
"Ele cria um conselho social europeu que junta a Comissão e os parceiros sociais. Isto é uma dimensão social nova", sublinhou, Além disso, destacou, "pela primeira vez os parlamentos nacionais são chamados a serem actores, o que é um passo gigantesco".
A garantia de haver "uma democracia participativa" e de o tratado consagrar o "direito à acção popular" foi outro aspecto salientado por Paulo Sande, para quem "a redução a seis dos instrumentos jurídicos da UE ajudará à clareza do funcionamento das suas instituições".
Para o deputado Mário David, o facto de os franceses não terem ratificado o tratado, e de previsivelmente a Holanda votar de forma idêntica, não significa que tenha sido "passada a certidão de óbito" à Constituição.
"Não podemos deixar de respeitar a atitude dos outros dez Estados que o ratificaram", considerou.
O que justificou o previsível "não" da Holanda deve-se ao facto de eles entenderem que a Holanda não deve ser um contribuinte líquido da UE e isso é uma matéria que o Conselho Europeu de dias 16 e 17 não poderá deixar de abordar", disse Mário David.
Já para o general Loureiro dos Santos, "em vez de se continuar a fazer referendos,era preferível aguardar a decisão do primeiro-ministro inglês, porque, se ele tomar a posição de não falar mais em referendo, fica-se numa situação propícia para repensar toda a situação".
E o processo de ratificação "tem de ser recentrado não ao ritmo das elites, mas ao ritmo dos cidadãos".
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O lado certo da barricada
LUÍS OSÓRIO /
Cerca de 80 por cento dos deputados holandeses votariam favoravelmente o tratado constitucional europeu, mas uma percentagem clara da população decretou exactamente o contrário no referendo realizado ontem. O facto é perturbante e coloca-os uma série de questões. Existe um total desfasamento entre os políticos e as populações, as percentagens de abstenção têm crescido e pressente-se uma revolta surda que, mais tarde ou mais cedo, acabará por ser potenciadora de atropelos ao papel do Estado e à democracia.
Se não existisse União Europeia, que apesar de tudo reduz o espaço de manobra às correntes revolucionárias (movimentos neofascistas, comunistas, libertários e populistas), era já hoje claro que este é um tempo de decadência. O cheiro a fim de ciclo paira no ar, mas a maioria de nós ainda não se apercebeu disso. A maioria de nós continua convencida de que as coisas são imutáveis e parece nada ter aprendido com as lições da história.
Muitos viram no que aconteceu ontem na Holanda uma prova evidente da força dos povos, regozijam-se com a grande prova de maturidade de um conjunto vasto de cidadãos que pensou e decidiu contra a quase totalidade dos seus políticos. Que é o gérmen de uma verdadeira mudança política; que afinal o ser humano tem remissão; que os homens de fato e gravata, corruptos e infames na sua arrogância, não podem nada contra o grande poder da rua e contra a sublevação colectiva.
A questão é, no entanto, outra e bem diferente. Neste caso, e ao contrário de outros grandes momentos do tempo humano, os que festejam nas ruas, mais de 60 por cento dos holandeses, não o fazem por defenderem uma causa justa, mas sim por motivos que são tudo menos nobres.
Os mais de 80 por cento de deputados que votariam a favor da Constituição europeia estão do lado certo da barricada, do lado dos que defendem o progresso e o bem comum. O povo, na Holanda como em França, faz do medo e da defesa dos seus interesses individuais os motores principais do seu protesto.
As pessoas neste caso divorciaram-se dos políticos pelos piores motivos: recusa da entrada da Turquia na UE, medo de perder os empregos em detrimento dos novos cidadãos de pleno direito vindos do Leste, recusa de mais contribuições para o desenvolvimento dos países em vias de desenvolvimento e para o bem comum - o resto foi conversa fiada e nada teve que ver com o texto redigido pelos Estados-membros.
É por isso que, lamentavelmente, os políticos, que tão justamente e em tantos casos têm sido diabolizados, são vítimas de uma tempestade que não souberam travar a tempo. Agora essa tempestade, que é uma criação sua, prepara-se para os devorar. Bastará que apareça alguém que corporize os anseios da turba na rua, alguém que fale aquilo que as pessoas desejam ouvir, alguém que seja o verdadeiro representante do povo.
Hitler ganhou umas eleições porque disse aquilo que os alemães mais desejavam ouvir, e não é por acaso que todos os movimentos neofascistas estão ao lado do que votaram «não». Independentemente de tudo o resto, é uma razão óbvia para saber a que barricada pertenço. Estou sempre do lado contrário.
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O trabalho anterior era, explicitamente, pelo sim ao novo tratado.
Diferente é o seguinte…
Não é explícito, mas deixa entender a sua inclinação.
Há pessoas… Há partidos em que é assim: têm medo de se assumir com clareza…!
Mas a gente percebe-os…
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Reflexões sobre o referendo
O referendo francês contém lições, avisos e exemplos.
Comecemos pelas lições: o povo, os eleitores, chamados a decidir numa questão de fundo e substância, corresponderam, empenharam--se, participaram. Fosse a natureza cerrada da competição, fosse a consciência do que estava em risco, mobilizaram-se numa altíssima taxa de participação para um referendo - 70% - o mesmo que em Maastricht e muito mais que nas eleições europeias de 2004 que tiveram 43% de votantes.
Não valeu a pena, também, a intimidação e desqualificação, pela classe política e pela maioria dos media, dos partidários do «não»: a vitória destes foi clara - 55% vs. 45% - mais três milhões de votos. O temor reverencial com as intervenções do Presidente da República, da Comissão Europeia, dos «notáveis» estrangeiros - também não serviu de nada a quem a ele recorreu.
A lição para a classe política, para as «elites» partidárias e económicas e até culturais é que devem, de futuro, deixar de pensar que os eleitorados são manipuláveis e estão garantidos.
Os avisos são as lições transpostas para situações paralelas e resultam destas: não mais vai ser possível esta chantagem emocional e mediática de um processo construído à pressão pelas agendas da burocracia de Bruxelas, sem respeito pelos povos, pelas nações, pelas identidades e pela História de cada qual.
A França, pedra fundacional da questão europeia, rejeitou este movimento uniformemente acelerado, que se auto justificava na base de si mesmo.
Acabou. Assim, pelo menos não vai ser. Aviso aos governos e à União Europeia, mas também às classes políticas euroentusiastas.
O exemplo é para os povos: Holandeses, Luxemburgueses, Dinamarqueses, Polacos, Portugueses, Ingleses, Checos, Irlandeses, todos os que terão, por esta ordem, oportunidade, por referendo, de falar por si mesmos, sem intermediários, numa matéria - a da própria independência nacional - por isso julgada suficientemente importante para a democracia directa. Para dizerem se querem, ou não, continuar a ser eles próprios ou dissolver-se num super-Estado europeu, governado pelo Directório de ocasião.
Para todos, a França e os Franceses, por uma vez, mostraram que se pode dizer não e vencer.
Talvez a partir daqui seja possível pensar e construir outra Europa, uma Europa de Pátrias e de Povos, e pensada e levantada com a sua vontade e a sua voz.
É o que se deseja.
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E veja-se esta atenta reflexão de LUCIANO AMARAL, no DIÁRIO DE NOTÍCIAS de hoje:
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