OS PUROS TAMBÉM MORREM…

1. Parece que, em grande medida, o século XX acabou neste fim-de-semana do já bem entrado século XXI.

Os puros, a geração daqueles que, efectivamente, pensam só nos outros… É, decididamente, uma espécie em vias de extinção. Ficou, de novo, provado agora.

Coerência, abnegação, dedicação absolutamente desinteressada por uma causa, estavam espelhadas, como em poucos, em Vasco Gonçalves como em Álvaro Cunhal.

Como todas as figuras polémicas, (é um inevitável lugar comum), semearam e desencadearam paixões, semearam e provocaram ódios. Atearam repúdios. Suscitaram admiração.

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Ao mesmo tempo que tudo isto acontecia, Eugénio de Andrade (para usar a feliz imagem do editorial de ontem do Jornal de Notícias) “libertava-se da palavra”…

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2. Admire-se ou odeie-se, Cunhal foi um lutador incansável contra a ditadura salazarista. Corajoso. Nunca vergou, por muito que tivesse passado.

Foi importante o 25 de Abril? Parece que só alguns saudosistas negam essa importância.

Foi, de facto, importantíssimo. E, em grande medida, a ele, à sua estatura de grande lutador, se deve a revolução dos cravos.

Mas o tempo rolou sempre, e outros muros tombaram.

Cunhal não abdica do sonho, não se converte à realidade, não se adapta a ela.

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3. Vasco Gonçalves é a “muralha d’aço” de mil projectos e vontades.

Em Almada aproxima-se vertiginosamente do abismo… Mas o passo, fatal, não foi dado.

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4. Eugénio de Andrade?

Em “quase epitáfio” diz o poeta:

O outro sabia.
Tinha uma certeza.
Sou eterno, dizia.

Eu não tenho nada.
Amei o desejo
com o corpo todo.

Ah, tapai-me depressa.
A terra me basta.
Ou o lodo.

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E o prosador escreveu:

Em meados de junho os jacarandás de Lisboa estão em flor, a sua luz fende a pupila, acaricia o dorso da sombra. É então que – sei lá se pela última vez – a inocência volta a entrar na minha vida. Olhos, mãos, alma, tudo é novo – recomeço a prodigalizar alegria, uma alegria que não procura palavras porque o seu reino não é o da expressão.

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