sexta-feira, fevereiro 10, 2006

“O EVANGELHO DA SOGRA”


Recordo a crónica dominical de Frei Bento Domingues, no Público de DM 05.02.06.

Destas homilias, sim.

Não é daquelas, monótonas, inócuas, estéreis, insípidas, vazias, que sossegam as consciências pesadas, as não incomodam, as não abanam, que deixam que as pessoas continuem meio adormecidas, “como convém”…

Não. Estas de Frei Bento Domingues são diferentes: não usam a costumada linguagem de circunstância, pungente, mística, etérea, dormente, pacificadora de toda e qualquer consciência…

Tratam dos assuntos que nos respeitam. Deste mundo. Numa perspectiva humana, embora não esquecendo a sua, da fé.

É bom não esquecer que é ortodoxo, embora não viva no éter, mas cá em baixo, ao nosso lado.

Frei Bento Domingues não deixou que a poeirada dos tempos e das velharias nele assentassem. Tem um guarda-pó que sacode com frequência. Só pode ser.

Um padre que é capaz de reconhecer na última encíclica (aliás, a primeira de Bento XVI) uma encíclica “politicamente correcta”… É porque, além de lúcido é corajoso.

Muitas vezes, como hoje, mostra que tem uma visão actualizada dos problemas. Fugindo aos habituais cânones e estilo de um padre comunicar com o seu auditório.

Ora bem, neste “Evangelho da sogra” (que outro clérigo ousaria usar esta designação?!) o frade dominicano conta:

«Segundo as narrativas evangélicas, as mulheres tiveram, em Jesus, o seu incomparável defensor. Pelos vistos, também as sogras. O trecho do Evangelho de S. Marcos, proclamado na Missa de hoje (Mc 1, 29-39), começa assim: "Naquele tempo, Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, a casa de Simão e André. A sogra de Simão estava de cama com febre e logo Lhe falaram dela. Jesus aproximou-se, tomou-a pela mão e levantou-a. A febre deixou-a e ela começou a servi-los."
Algumas feministas não conseguem entusiasmar-se com milagres deste tipo. Aqueles homens sabiam o que perdiam com a sogra de Pedro adoentada. Precisavam de quem os servisse...»

Como se constata, nada de acordo com a misoginia e a tacanhez habitual da quase generalidade dos seus pares.

E a propósito do “Evangelho da sogra” recorda, bem humorado, alguns ditos populares que a visam:

«descobrimos uma nova bem-aventurança: "Feliz foi Adão que não teve sogra nem camião." Recentemente, ao falar-se da restauração da poligamia, os homens disseram que sim, mas com um pequeno senão: "O pior é a multiplicação das sogras." Um genro celebrou-as num epitáfio: "Enquanto repousas, eu descanso."»

E ainda na mesma leveza de discurso, acrescenta: «quanto aos modelos de relação de homem e mulher, na família, ouvi um sermão bem-humorado, (…) com uma classificação que nunca mais esqueci: "Varão - manda ele e ela não; varanda - manda ela e ele nunca; varela - manda ele e ela." O pregador dizia que, num verdadeiro casal, era o modelo "varela" que devia reinar.»

Mas, aqui, corrijo Frei Bento Domingues – aliás, confessa-se ele, pouco entendido na matéria – o que o provérbio português reza, acerca do casamento (até para rimar…) é o seguinte: que ele pode ser varão, varunca e Varela. Assim: " varão, manda ele e ela não; varunca manda ela e ele nunca; varela mandam ele e ela."

Mas, mais, Frei Bento é capaz de terminar a sua homilia invocando Mercedes Sosa (como se sabe a porta-voz da resistência latino-americana): “só peço a Deus que a dor, a injustiça, a guerra, a mentira, o futuro, não me sejam indiferentes!

Como deve ser olhado de soslaio por tantos reverendíssimos e eminentíssimos, este frade.

Imagine-se que este homem tinha vivido no século XVI ou XVII!...

Teria, pelo menos, apanhado umas boas chamuscadelas. Se é que não tinha mesmo (o mais provável) ficado completamente estornicado no churrasco da Santa Inquisição, da Santa Madre (Que mãe !!!) Igreja!!!

Deus o conserve!

Por certo que lhe prestará melhor serviço que muitos que o representam neste mundo (ou se afirmam como tal)…

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