quinta-feira, maio 18, 2006

"A CENA DO ÓDIO"


Um dia, há muitos anos, em 1976, ouvi Mário Viegas dizer A Cena Do ódio, de Almada, o poeta sensacionista e Narciso do Egipto – como se descrevia e assinava.

Fiquei atónito. Absolutamente vergado ao peso da mensagem acabada de ouvir.

Impressionaram-me (autor do poema e seu intérprete) pelo ritmo alucinante, numa cadência intencional de sons, sílabas ou palavras muito semelhantes (aliterações e paronímia), dando largas a um sadismo que, a um só tempo, tudo e todos exalta e arrasa, vícios e virtudes, marginalizados e bem sucedidos, vencedores e derrotados, “religiosos sexualmente frustrados” e peraltas, tanto aristocratas e intelectuais, como gente simples e operários, ou um dos seus “bombos” preferidos, o burguês (“Ó Horror! Os burgueses de Portugal/ têm de pior que os outros/ o serem portugueses!”), tal como os políticos e os jornalistas, as rameiras e as virtuosas damas…

Tudo dum folgo, com uma força estonteante, num poema desbragado, intenso, louco e soberbo, a que Mário Viegas emprestou igual força e muita arte.

Se o poema, em si, tem uma força extraordinária, dito por Mário Viegas ganha ainda uma muito maior força e dimensão.

É vigoroso e extraordinário o poema. É vigorosa, extraordinária, alucinante e inesquecível a prestação de Mário Viegas.

Quis encontrá-lo de novo. Não consegui.

Procurei, mais tarde, e encontrava, apenas, referências esparsas do longuíssimo poema.

Mais tarde, li, finalmente, o poema na sua totalidade.

Mas a minha leitura, o meu ritmo, a minha cadência não me satisfaziam porque não tinha nada a ver com o poema que ouvira dito pelo Mário Viegas. E era esse poema, mas dito daquela forma arrasadora, que eu queria ouvir, de novo.

E desatei à procura dele.

Difícil.

E insisti.

Impossível.

Por mais que procurasse… Não encontrava.

E se procurei!...

Insisti, mas sem resultado.

Eis senão quando… Uns trinta anos volvidos…

… Em boa hora, o Público decidiu trazer-nos de volta a “ Discografia Completa” do Mário Viegas.

Aí, no volume 4, vem o enorme e poderoso poema, dito pelo seu, até hoje, melhor dizedor.

Refastelei-me. Fechei os olhos. Ouvi.

Deliciei-me, de novo.

Na verdade, Mário Viegas

“Dizia poesia

Mas poesia era ouvi-lo dizer”

Mais

“Diz-se que dizia

Como nunca ninguém disse”

Penso também que sim.

Mas partiu (há dez anos) este cavaleiro da liberdade. Este artista de todos os costados.

Prenhe de arte, divulgador de poesia e das principais dramaturgias contemporâneas, seu corpo sucumbiu naquela Segunda-feira 1 de Abril de 1996.

Mas a sua memória é daquelas que não se apagam.

"A minha vida é o Teatro e o Teatro é a minha vida", dizia.

“Era um cómico que levava dentro de si uma tragédia”, escreveu Saramago.

Declamou mais de 200 poemas de Almada Negreiros, Alexandre O'Neill, Pablo Neruda, Ruy Belo, Jorge de Sena, entre tantos e tanttos outros.

Ficaram-me na memória, para além da extraordinária e “asfixiante” “Cena do Ódio”, o não menos empolgante poema “Não, Não Assino, Não Subscrevo…” de Jorge de Sena, de 1976, e o inesquecível “Poema para Galileo” de António Gedeão.

Todos eles agora “ressuscitados”.

Felizmente.

Todos agradecemos.

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