quinta-feira, maio 18, 2006

AS TORRES


1. Como estamos fartos de saber, nem sempre o que o Expresso diz, se escreve.

Tremenda confusão a do semanário: Cavaco é um professor, não um contínuo (perdão: Auxiliar de Educação) nem um chefe de turma, para denunciar as patifarias da rapaziada.

Posto de parte esse tema (mas que tema!...) para discurso de tão importante data – falo da data da revolução dos cravos, em que o cravo nem sempre esteve presente (por convicção, para muitos; por falta de coragem, para alguns), de que poderia falar Cavaco?

Ou de econonomia, ou de nada.

De economia… Ainda não é a altura (as núpcias ainda não acabaram).

De nada era frustrante.

Vai daí, escolheu o óbvio. E acerca do óbvio sempre ocorrem algumas ideias, sempre se debitam umas palavras.

Falar de inclusão é já um passo andado para enfrentar a exclusão.

E já não há quem tenha coragem de a ignorar. Até o CDS/PP do PP e do TC verteu, a propósito, uma lagrimazita enternecedora!...

Foi a garantia do consenso para o primeiro discurso do novo presidente de TODOS os portugueses.

2. Nesta correria frenética do dia-a-dia nem sempre nos damos conta disso. Mas existe, quer em S. Bento, quer em Belém, uma torre donde se pode disfrutar uma imagem do país.

Da de S. Bento, vê-se um país em tons rosa alaranjados. Vê-se o que se gostaria de ver. O que se gostaria que fosse… Um país plano, sem acidentes “morfológicos”, sem quebras e disparidades “climatéricas”, com “vistas” e “horizontes” tranquilizantes… “imagens” em que o “criador” se conforta e regozija, interiormente, com “a sua obra”…

Parece que não assim, da torre do palácio de Belém.

Desta tem-se uma vista do país profundo e real… A preto e branco… Sem retoques nem gongorismos… Duro e cru.

Surpreendentemente, pouco mais de um mês depois de aí ter entrado

(acompanhado de toda a família

– imagem serôdia, saloia e demagoga, que,

por ser de bacoca “ternurice” e corresponder à mais arreigada “coscuvilhice”,

logo encheu páginas de todas as revistas rosa-pimba)

Cavaco parece ter descoberto que o país não correspondia, afinal, ao seu imaginário.

Cavaco

– que sem hesitações nem hipocrisias –

mostrou ao país que chegaram à suprema magistratura

os velhos senhores

que não “cultivam” o cravo

(uns que o pisam, de raiva;

outros que, simplesmente, o ignoram, o deixam murchar e apodrecer).

Que o detestam.

Para mim, ainda que de mau augúrio, foi corajosa e sincera a atitude.

Mas Cavaco, que da torre de S. Bento recolhera do país certa imagem que o levou a recusar a criação do RMG (Rendimento Mínimo Garantido), agora, e nesta circunstância, de diferente torre e com outra objectiva, não pôs a tónica na crise económica, antes traçou um negro quadro das desigualdades sociais, da cada vez mais preocupante exlusão social.

De todas as reacções ao discurso, desde a mais farisaica (Telmo Correia) à mais encomiástica (M. Mendes) passando pela mais concordante (Sócrates), até às mais atentas, críticas, exigentes e ponderadas (Alegre, Jerónimo e Louçã) subscrevo, sem hesitar, a de Jerónimo de Sousa:

"É um diagnóstico fácil de subscrever. O problema é saber como foi possível chegar aqui, quem foram os responsáveis e corre-se o risco de a culpa morrer solteira. Mas é um discurso pedagógico, deve ser registado este esforço do Presidente. Faltou dizer que esta desigualdade é tanto mais gritante quanto há quem vá somando as mais-valias enquanto aumentam as desigualdades e as injustiças sociais."

Nem mais.

3. Paulo Ferreira, num Editorial do Público, no dia seguinte à efeméride, falou de um “Presidente da República à procura do tom e dos temas certos, enclausurado entre aquilo que se espera que ele diga, aquilo que o próprio não quer nem deve dizer e os temas que lhe são mais estranhos mas que ele sente que tem que começar a abordar, ainda que lhe falte o jeito”.

Por outro lado, Vasco Pulido Valente, mais recentemente, assertou na mouche: o presidente soube escolher o discurso adequado à sua mudez e o conveniente à surdez dos que ouviam no Parlamento: “desde que não se exceda uma vaga generalidade, o Governo e os partidos gostam de se preocupar com o próximo” – concluía o polémico colunista, mas aqui com grande clarividência.

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