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Despertei para a política nos anos 50, ainda era teenager. Mas despertei muito vagamente.
O primeiro grande choque, o primeiro safanão a sério, que me levou a abrir mais os olhos para os problemas cruciais dessa natureza, foram as presidenciais de 1958. Onde me envolvi - ainda hoje não sei bem se inconsciente dos riscos que corria, se indiferente a eles. (Creio bem que a hipótese era mais a primeira. Mas sentia uma coisa, cá dentro, que me empurrava...).
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Humberto Delgado, então, para mim, à partida, era um herói. Um corajoso lutador contra a situação e a paz podre que ela nos oferecia.
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Um defensor de certos ideais da esquerda?
Um anti-salazarista e um anti-situacionista convicto?
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Mas não foi preciso grande amadurecimento nem longa espera para me aperceber do que efectivamente se passou. Achei, então, que Delgado teve, ao menos, o mérito de ter assustado, de ter posto em completo alvoroço o regime.
A sua percepção de política não andaria muito longe da dos ideólogos do regime. Talvez ligeiramente menos anquilosado.
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Mas nesses idos (58) a única influência que eu tinha era a que me era transmitida pelo Diário de Lisboa e pelo República (em matéria de media).
Era uma experiência essencialmente “solitária”, já que entre os meus amigos de então não havia o costume de abordar questões desse jaez. Antes de mais porque era, de facto, um tabu. Depois porque a informação – que escapava à censura ou que a iludia – era escassa.
Eu tinha, nessa altura, uns dois amigos que “rondavam”, tacteantes, como eu, essas áreas. Um deles, hoje – e há muitos anos – jornalista.
Mas a reserva e o receio eram de tal ordem, que era o silêncio que se impunha.
Quase todos desconfiavam de quase todos. Claro que isto entre os que não sufragavam o regime.
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Nas lutas académicas dos princípios de 60, aí, sim, amadureci mais decisivamente para essas questões.
E aí alarguei o meu leque de amizades, nesse âmbito, nomeadamente. Não limitei, porém, os meus conhecimentos e amizades aos que adoptavam as minhas posições. Amizades, muitas delas, que ainda hoje mantenho – com aqueles condicionalismos que as actividades profissionais, a distância e a idade “impõem”.
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Muitas vezes me senti tentado a ser “mais” radical… Mas tive sempre propensão a inclinar-me mais para o “crer” do que para o “querer”.
Muitas vezes apetecia-me bastante, “queria”, ser mais radical relativamente a determinadas situações… Mas ponderava, e racionalmente não concordava com tais radicalismos. Não se tratava de um auto-controle ou uma auto-censura forçada. Nada disso. Era uma posição que não se revia em certos exageros ideológicos.
Por vezes sinto-me balancear muito entre o “querer” e o “crer”.
Ainda hoje, por vezes, em reacções mais primárias me apetece, “quero”, tomar uma posição radical… Tal a situação a que chegámos… Mas o “crer” vem ao de cimo e não pactua com o radicalismo.
No fundo, também porque sempre senti que, quer em matéria política, quer na religiosa, os radicalismos é que têm levado tudo a perder.
Ser tolerante não é ser amorfo ou abúlico, não é pactuar com tudo e com todos. Não é abdicar da assertividade.
É admitir a diferença. E se com ela não concordar, porque, numa avaliação mais próxima da objectividade, perniciosa para a comunidade, combatê-la com os meios ao alcance, sem concordar com o uso da violência física nem com os métodos ditatoriais.
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A História e a experiência ainda são uns bons mestres.
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Uma democracia liderada e conduzida por elementos de reconhecida competência e verticalidade, dispondo, nomeadamente, de um sério poder legislativo e de um aparelho de justiça eficaz… Vence todas as barreiras.
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Assim esteja a generalidade dos cidadãos desperta para esta convicção.
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(retirado da gaveta das velharias... sem data)
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3 comentários:
Houve um senhor,suponho que Churchill,que dizia que a Democracia é o melhor dos sistemas,à excepção de todos os outros (ou qualquer coisa parecida com isto...).
Antes dele,já algém afirmava que todos os sistemas desenvolveriam no seu seio os vírus que o iriam destruir.
Suponho que,nesta dialética,também o radicalismo se irá destruir a si próprio.
Claro que é um desenvolvimento que poderá durar séculos.
Até lá,acho que nos cabe a missão de o combater,o que é extremamente difícil de uma civilizada.
Falando de tempos idos,e apesar de alguns anos mais novo, recordo-me muito bem de estar em Sete-Rios, (praça pertinho do Zoológico em Lisboa, para quem não é de cá)e comprar o REPÚBLICA do Raúl Rego, letras a vermelho e formato maneiro,olhando sempre em volta para tentar aperceber-me se não estaria um Pide a observar-me. É que nesse tempo, o medo influenciava sempre um pouco as nossas vidas, e eu queria acabar o Liceu e entrar para a Faculdade, não estava nada interessado em estragar a minha vida, como poderia bem acontecer se fosse enviado para a Guerra em África.
Mas depois, quando chegava a casa, que bem me sabiam aqueles editoriais e os artigos do Vítor Direito, do Álvaro Guerra, e a escrita telegráfica e mordaz do Artur Portela Filho.
Agora radicalismos, não. Em política, religião, ideais, no que for.
O radicalismo conduz sempre à perda do maior bem, a nossa individualidade.
E isso, nunca!
Um abraço e ainda bem que o seu artigo, muito fidedigno da situação da altura, me fez recordar estes episódios que eram tão intensamente vividos.
Jorge G
As nossas referências são as mesmas, embora com ligeiras diferenças. Educada dentro da ideologia salazarista, descobri, quando cheguei a Lisboa, a grande mentira e,...como radical que era, embarquei em todos os radicalismos. Agora estou consigo. Sou tolerante....ma non troppo!!!! lol
Um abração
Amélia
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