“GUEST STAR”?

Freitas do Amaral pediu a sua demissão de ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros no derradeiro dia de Junho último.

A “novela” da sua demissão arrastava-se há algum tempo.

E não creio que, neste caso e paralelamente aos verdadeiros móbeis da sua renúncia, os media tenham engendrado acrescidas suspeitas e intenções “nas suas análises matreiras”, como alvitrou Prado Coelho.

Freitas não conseguiu foi convencer toda a opinião pública da bondade das suas medidas e do seu “génio”.

E encontrou particular relutância nessa matéria foi numa despeitada direita que não perdoa que alguém da sua área se passe, de armas e bagagem, para o terreno do adversário.

Em boa verdade, e conquanto o não ponham no altar, já há bastante que Freitas deixou de ser, para muitos, um papão (cujo papel ainda chegara a representar).

Freitas do Amaral teve um percurso político um tanto invulgar.

Daí que tenha decidido “torcer” por um governo socialista na campanha das legislativas de 20.02.2005. Mais: reclamando para ele uma maioria absoluta.

(Convenhamos que um socialismo com fortes e constantes guinadas à direita... Mas...).

O Partido Socialista ganhou, mesmo, essas eleições, e Freitas foi, como independente, convidado a integrar o governo delas saído.

Freitas do Amaral (FA), no entanto, não agradou totalmente a gregos nem a troianos. Objecto de críticas disparadas da esquerda e da direita, foi sobretudo desta que foi maior vítima. O que nem espanta: a direita que ele implantou em Portugal, no pós 25 de Abril, com Amaro da Costa e outros “companheiros”, sempre viria a revelar-se, depois, uma direita “civilizada”. Esta, representada por aquele partido de que FA foi co-fundador, mas de que se afastou, é hoje o saco de sapos e de outros anuros que bem conhecemos, é uma direita de ventas levantadas mas de cabeça vazia e descerebrada.

Quatro eventos marcaram a polémica acerca de FA: a sua oposição à intervenção dos EU e da Inglaterra no Iraque, e a sua alegada posição anti-americana; a sua intervenção relativamente aos célebres cartoons de uma ultra-direitista e xenófoba publicação dinamarquesa sobre Maomé; a sua posição e acção no concernente à medida do governo canadiano sobre os imigrantes, envolvendo a repatriação de uns 700 dos cerca de 15 000 portugueses aí residentes; a sua muito comentada entrevista ao Expresso, na pessoa da conceituada jornalista Cândida Pinto, em que se manifestou, inequivocamente, saturado no seu papel de MNE.

Com razão ou sem ela, os comentários choveram de todos os quadrantes.

Acerca das intervenções do, então, MNE, sobre os célebres cartoons, e recordando que ele já se havia evidenciado, pela negativa, com comentários sobre o referendo da Constituição europeia, pondo em causa a linha do Governo, nessa matéria, o colunista do Público, Rui Moreira, não se conteve e comentou, designadamente: “são erros a mais para ministro a menos, num tempo em que a política externa é crucial”

Num debate, na AR, e perante vários e cerrados ataques da bancada dos populares, na pessoa do seu dirigente Telmo Correia, roçando a insolência e a má criação, «o ministro teve ainda tempo para acusar o centrista de falta de educação: "Só espero que para o resto da sua vida sinta algum remorso sabendo o que eu lutei, quando o senhor ainda não era nascido ou andava de cueiros, para haver democracia e liberdade em Portugal. É preciso topete!", afirmou o ministro»

«Em entrevista ao Expresso [6 de Maio de 2006], desdramatiza o problema: "Acho natural que pessoas de partidos da área a que pertenci durante cerca de 25 anos me tivessem atacado porque era a primeira vez que como independente entrava num Governo socialista"»

A ele se referiu Eduardo Prado Coelho como «um homem que evoluiu claramente para a esquerda, mas mantém uma coerência irrepreensível que merecia o respeito da indigente direcção do PP. Qualquer governo se pode orgulhar da presença de um ministro desta qualidade. Susceptível de crítica? Com certeza. Mas sério e convicto nas suas posições.»

Mais contundente era a apreciação de Constança Cunha e Sá em fins de Março deste ano: «mas o prof. Freitas do Amaral, (...) prima pela asneira e revela uma injustificável falta de compreensão da realidade»

«A polémica anti-Freitas do Amaral, através de múltiplos episódios estruturados em folhetim, possui a inequívoca moralidade. Passar da esquerda para a direita é sempre compensador. Viajar da direita para a esquerda é o trajecto errado, o sentido proibido. Esta é a mensagem pedagógica e a chave hermenêutica do "efeito Freitas". O que o ministro dos Negócios Estrangeiros diga ou faça é relativamente indiferente. Qualquer afirmação, qualquer gesto pode ser usado para reforçar a moral da história de proveito e exemplo: a direita não perdoa aos seus dissidentes ou, em linguagem mais virulenta, quiçá injusta, aos seus "traidores"» - comentava no Público, também em Maio último, Mário Mesquita.

Quanto à entrevista conduzida por Cândida Pinto, do Expresso, bem mais recentemente, parece inequívoco que FA se confessou “cansado” e “esgotado”.

Cansado ou não, mais ou menos esgotado, o tema foi muito glosado pelos media. E as conclusões, inevitáveis, foram as que se adivinhavam. A verdade é que sucumbia como ministro. Com a nítida sensação, para todos, de que a pretexto de razões de saúde e da urgente necessidade de cuidados mais melindrosos... Não aguentava mesmo... Demitindo-se.

"Freitas do Amaral saiu com a justificação de que precisa de se submeter a uma intervenção cirúrgica. 0 que quer que tenha acontecido nos bastidores de S. Bento, certo é que José Sócrates geriu a demissão com uma precisão cirúrgica e sem erros", comentou Judite de Sousa num periódico.

Terminava, pois, uma novela cujo enredo não terá escapado a ninguém.

E muitos terão concordado com António José Teixeira: “Freitas do Amaral foi uma espécie de guest star de José Sócrates”.

Também creio que foi, sobretudo, isso.

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