Fez anteontem 455
anos que morreu D. João III, "numa Sexta-feira, 11 de Junho" de
1557, 3 anos depois de ter morrido o seu último filho sobrevivente - dos 10
que teve -, o infante D. João Manuel [1554] que foi o pai de D. Sebastião -
que nem chegou a conhecer. A D. João III sucedeu, pois, o neto, D. Sebastião,
nessa altura com cerca de três anos de idade (nasceu a 20.01 daquele ano de
1554). Assim, o reinado do novel rei começou com a regência da rainha viúva
D. Catarina, sua avó.
Continuação…
|
A crueldade
e a intolerância de D. João III, a que também conduzia o seu fanatismo
religioso, foram bastante prejudiciais ao país. Desejoso de nele implantar o
Tribunal do Santo Ofício [sic!
Não seria uma heresia a designação? Atendendo à sua acção, a designação é, no
mínimo, um absurdo] e nos
seus domínios, travou com a cúria romana as mais demoradas negociações,
gastando enormes quantias. O fundamento era, apenas, o de salvaguardar a
unidade da fé católica no reino.
Assim, em 1531 D. João III
encarregou o seu embaixador Braz Neto de solicitar a Clemente VII (219º) uma
bula para o estabelecimento da inquisição em Portugal. Ao que o
papa respondeu afirmativamente, enviando, em 17.12 do mesmo ano, ao monarca
português a bula Cum ad nihil magis,
em que nomeava Frei Diogo da Silva comissário da Santa Sé e inquisidor no reino
de Portugal e seus domínios. Bula, porém, que foi suspensa pelo breve Nuper Fidei Catholicae, de 17.10.1532.
Bula
(Pontifícia) é um instrumento de comunicação de uma decisão do papa cuja
importância reside não só no conteúdo e solenidade do documento pontifício,
como tal, mas também na apresentação e forma externa do documento, a saber,
lacrado com pequena bola (em latim, "bulla") de cera ou metal, em
geral, chumbo (sub plumbo).
Já o Breve
(pontifício) é um instrumento destinado a comunicar resoluções (pontifícias)
com mais rapidez e menos formalismos que as bulas, tendo menores requisitos
que estas.
|
As
negociações recomeçaram, chegando ao ponto de o rei ameaçar abandonar a igreja,
à semelhança do que fizera Henrique VIII, se o papa não satisfizesse a sua
vontade.
Por curiosidade e como
contraponto histórico, foi Paulo III (220º) que, em 1538, expediu a bula de
excomunhão e deposição de
|
Afinal
a tenebrosa instituição ficou estabelecida no reino pela bula de Paulo III
(220º), Cum ad Nihil Magis, de 23.05.1536, mas
não com o rigor que o fanatismo do rei exigia, sendo instituído o horrendo tribunal
na sua forma mais completa e definitiva e com duplo estatuto (como tribunal eclesiástico
e tribunal da Coroa) pela bula Meditatio cordis, de 11 anos depois, 16 de Julho de 1547, do mesmo papa, data em que também
é restabelecida a Nunciatura Apostólica (a embaixada do Vaticano) em Lisboa.
Por sinal, e mera
curiosidade, foi naquele ano de 1536 que Calvino fundou o calvinismo e que
morreu o célebre humanista holandês Erasmo de Roterdão (Desiderius Erasmus)
|
No mesmo ano de 1547 é publicada a
primeira lista de livros proibidos pelo Tribunal do Santo Ofício
Não sei se se trata de lapso, ou
se será mesmo assim: aquela bula, de 23.05.1536, através da qual Paulo III
(220º) concedeu, enfim, o estabelecimento da Inquisição no nosso país, tinha o
mesmo nome (ou seja, começava pelas mesmas palavras) que a de Clemente VII
(219º), de 17.12.1531, com o mesmo objectivo, mas pouco depois (em Outubro do
ano seguinte) suspensa. Segundo o autor que aqui se segue nesta matéria, nessas
duas datas (17.12.1531, e 23.05.1536) a concessão foi feita através de rescrito
que em ambos os casos se designava por bula Cum
ad nihil magis. [PMO,
p 189]
O apressado e perverso anseio de
D. João III foi satisfeito, ainda que com algumas restrições. Mas os abusos
que, desde o início, a Inquisição portuguesa praticou, levou-o a suspender as
execuções do nosso Santo Ofício. Ao que D. João III respondeu com a expulsão do
núncio. Foi Inácio de Loiola que interveio como mediador, para o regresso do
núncio. Com quem o nosso monarca, mais papista que o papa, nunca se entendeu.
Se é verdade que durante o reinado
de D. Manuel e primeiros anos do de D. João III a nossa gesta expansionista
atingia o seu zénite, também é certo que D. João III “não possuiu a clarividência e a flexibilidade políticas necessárias à
manutenção do império que ajudou a criar, pelo que foi, ainda, durante o seu
reinado, que se iniciou o período de declínio do domínio português sobre os
territórios até aí descobertos”, até pelos difíceis problemas que a
administração à distância impunha. [BU] Aliás, se D.
João III “ficou conhecido por sua religiosidade, piedade [e] preocupação com as
artes” também é verdade que o caracterizaram “certa lentidão nas decisões
políticas” [Autores]
Realmente, se, por um lado, D.
João III “desenvolveu políticas de
reforço das posições portuguesas na Índia, tratando de assegurar o monopólio de
especiarias conseguido através do resgate das Molucas durante uma viagem de
Fernão de Magalhães”, por outro, “conseguiu
igualmente estabelecer contacto com a China e o Japão” e “no seu esforço de expansão comercial,
intensificou contactos com as regiões bálticas e renanas.” Porém, teve de
sacrificar, abandonando-as, praças marroquinas “(Safim, Azamor, Alcácer Ceguer e Arzila) [por um lado] para
maximização do comércio da Índia e exploração das potencialidades do Brasil” [BU], por outro, pelo enorme dispêndio em homens e armas que a sua defesa e
manutenção exigiam, sem correspondente proveito, o que se tornou insustentável.
Ainda em matéria de política
ultramarina, “como compensação das dificuldades no Oriente e revezes em África,
voltou-se D. João III para o Brasil, realizando a primeira tentativa de
povoamento e valorização daquele território, primeiro com o sistema de
capitanias e depois instituindo um governo geral, com Tomé de Sousa à frente.” [Portal]
Em matéria de política externa é
de referir uma fonte que sustenta que “em nenhum outro reinado da 2.ª dinastia manteve Portugal uma tão
grande actividade diplomática, como no de D. João III, e com a Espanha, de uma
maneira intensa. Com a França, de maneira bastante delicada, devido à guerra de
corso movida pelos marinheiros franceses aos navios mercantes de Portugal e
consequentes represálias por parte da nossa marinha de guerra”, como são de sublinhar “as relações estabelecidas com os países do
Báltico e a Polónia, através da feitoria de Antuérpia.” [Portal]
No domínio da política interna “a linha absolutista
acentua-se nitidamente com D. João III. Este governa apenas com o auxílio do
secretário de Estado, António Carneiro e seus dois filhos Francisco e Pêro de
Alcáçova Carneiro.” “Todavia, o seu reinado
conheceu gravíssimas crises económicas e recorreu-se aos empréstimos externos.”
Nele se fez sentir a fome, grassaram algumas epidemias e deu-se um violento
terramoto. [Portal]
Na realidade, o reinado d’O Piedoso começou exactamente quando
decorria uma grave crise de fome e quando se iniciou um surto de epidemias até
1523, tudo na sequência de maus anos agrícolas.
E também de 1527 há “Notícias de grande pestenença, obrigando D.
João III a abandonar Lisboa.” [Graça]
Como há notícia de um violento
terramoto em Lisboa, na SX 20.01.1531, que vitimou mortalmente umas 30 000
pessoas, o equivalente, então, a cerca de 2% da população da cidade. Segundo
relato de Bernardo Rodrigues, in Anais de Arzila, "guardando a ordem dos anos, direi do seguinte, de trinta um, no
principio do qual ouve neste reino de Portugal muito trabalho, por aver nele
peste e terremotos, com tremer a terra e caírem casas e edeficios, onde morreo
muita jente ; e tal espanto e medo pôs que andávão as jentes espantadas e fora
de si, que não ousávão a entrar, nem dormir em povoado, e saíão-se ao campo,
onde dormião em choupanas e tendas que pera iso fazíão, e asaz foi isto mais em
Lisboa e polo Tejo acima que em outra parte, e em especial em Vila Franca,
Povos, Castanheira, Azambuja, até Santarém, e foi este terremoto a vinte de
janeiro do ano de trinta um; e, como Noso Senhor é misericordioso, ouve por bem
sosegar o tempo." [Wiki: sismo]
A tal ponto se degradou a situação
do país que em 1538 é publicada uma lei contra a mendicidade.
Ainda em matéria de política
interna, em 1527 é levado a efeito o “primeiro
numeramento da população do reino: cerca de 1,37 milhões de habitantes e 280
mil fogos; Lisboa: 50 a 60 mil habitantes; Porto: 15 mil.” Assim como em
1532 é criada a “Mesa da
Consciência e Ordens, com competências, entre outras, de supervisão dos
estabelecimentos assistenciais.” [Graça]
Mesa da Consciência e Ordens “foi o nome dado ao tribunal instituído por
D. João III em 1532, com a função de tratar de assuntos relativos ao direito e
administração dos mestrados das Ordens militares que tinham passado para o
reino” [Info:
Mesa] e “para a resolução das matérias
que tocassem a ‘obrigação de sua consciência’.” [AATT].
“Com reuniões diárias no Paço, em
cada dia da semana tratava de diferentes assuntos.” [Info: id].
Na sua globalidade a Mesa “era
constituída pelas seguintes repartições: Secretaria da Mesa e Comum das Ordens,
Secretaria do Mestrado da Ordem de Cristo, Secretaria do Mestrado da Ordem de
Santiago da Espada, Secretaria do Mestrado da Ordem de São Bento de Avis,
Contos da Mesa e Contadorias dos Mestrados/Secretaria das Arrematações (ou da
Fazenda) e Tombos das Comendas, Chancelaria das Ordens Militares, Juízo Geral
das Ordens, Juízo dos Cavaleiros e Executória das dívidas das comendas. [AATT]
“O primeiro Presidente surge em
1544 [reinado de D. João III] e o primeiro regimento em 1558 [já no reinado de
D. Sebastião, mas na Regência de sua avó, a rainha viúva D. Catarina],
confirmado pelo Papa [Pio IV (224º)] e por D. Sebastião, em 1563 [agora na
Regência de seu tio-avô, o cardeal D. Henrique, cunhado de D. Catarina], tendo
sido reformulado em 1608 [já sob Filipe II].” [AATT]. Por esta reformulação de 1608 do regimento “determinou-se a
existência de escrivães das ditas Ordens (com um livro de atas cada um), um
escrivão de Mesa, três deputados e um presidente, devendo os pedidos de
conselho e resolução do rei ser registados num livro próprio, após serem lidos
em voz alta.”
A Mesa da Consciência e Ordens foi
extinta durante o regime liberal, por decreto de D. Pedro IV de 16.08.1833 “com
a intenção de aliviar um peso bastante oneroso e facilitar a gestão dos bens
públicos. [Info:
id]”.
D. João III foi uma figura
polémica. Se a minha apreciação pode ser suspeita, já o mesmo se não dirá de
autores que consultei, consagrados e insuspeitos, alguns deles. São eles que
dizem que “D. João III marca o fim de uma
época: a do esplendor das descobertas, em que Portugal encarava o futuro de
forma optimista e desafogada. Vinte e três anos após a sua morte, Portugal, em
graves dificuldades económicas, passa para as mãos de Espanha. Ao esplendor das
conquistas, seguiu-se a dura realidade de as manter”. [Ramos] Como são eles que sustentam que o rei “tem merecido juízos discordantes na sua acção governativa. Para
alguns foi um fanático, para outros um hábil monarca. É certo que recebeu o
império no seu apogeu e o deixou no descalabro, mas para além da sua acção
pessoal que não foi brilhante, havia outras causas mais profundas que, de
qualquer maneira, produziriam os mesmos efeitos.” [Portal]
Como são eles que opinam que durante
o reinado d’O Piedoso “A má administração
e o desejo ambicioso de enriquecer que animava alguns governadores e muitos
fidalgos, entregando-se sem rebuço à pirataria e ao roubo, causaram a
decadência da Índia, concorrendo também muito a influência dos jesuítas e o
estabelecimento do tremendo tribunal da Inquisição.” [Dicionário]
-
[AATT]: Associação dos Amigos da Torre do Tombo: Mesa da Consciência e Ordens
-
[Anais]: Annaes de El-rei D. João Terceiro, publicados por Alexandre Herculano
em 1844, Parte I, Cap. II (apud [Dicionário])
-
[Autores]: site PRINCIPAIS AUTORES PORTUGUESES RENASCENTISTAS
-
[BU]: Biblioteca ou Enciclopédia Universal, Textos Editores. Entrada: D. João
III
-
[Dicionário] Portugal / Dicionário Histórico / D. João III / Transcrito por
Manuel Amaral na Internet
-
[Ditos, pg]:“Ditos portugueses...” Autor
desconhecido; anotado e comentado por José Hermano Saraiva
-
[GEPB]: GEPB, designadamente vol 19, págs 18 e 14
-
[Graça]: Luís Graça/História da Medicina e da Saúde em Portugal
-
[História]: In “História e Antologia da Literatura Portuguesa – Século XVI –
Literatura de Viagens – I” – Fundação Calouste Gulbenkian, Boletim nº 22, Junho
de 2002 – a partir de “Peregrinação”, versão para português actual e glossário
de Maria Alberta Menéres, nota introdutória de Eduardo Prado Coelho, vol. I,
Lisboa, Relógio d’Água, 2001; apud Site Peregrinação, Carreira da Índia, por
Leonel Vicente
- [Info: João]: Infopédia, a enciclopédia online da Porto Editora:
entrada D. João III
-
[Info: Mesa]: Infopédia, a enciclopédia online da
Porto Editora: entrada: Mesa da Consciência e Ordens
-
[Peregrinação]: Peregrinação, Fernão Mendes Pinto, cap. CCXXIII, Edição
Expresso, 2004, Livro X, pág 91
-
[PMO]: Padre Miguel de Oliveira: História Eclesiástica de Portugal (2ª ed,
1948) p 308.
-
[Portal]: O Portal da História / História de Portugal / Reis, Rainhas e
Presidentes de Portugal / D. João III; Fontes: Joel Serrão (dir.), Pequeno
Dicionário de História de Portugal, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1976 e
Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Volume III: O Século
de Ouro (1495-1580), Lisboa, Verbo, 1978
-
[Ramos]: Victor M. H. Ramos, artigo publicado na Internet
-
[Versos] site “Versos de Amor e Morte / Luís Vaz de Camões / Organizadora Nelly
Novaes Coelho / Ilustrado por Fido Nesti /S. Paulo. Petropolis 2006”
-
[Wiki: peregrinação] : Wikipédia, a enciclopédia
livre. Entrada: Peregrinação
-
[Wiki: sismo]: Wikipédia, a enciclopédia livre. Entrada:
sismo
Sem comentários:
Enviar um comentário