Completaram-se ontem 34 anos, foi
no DM 04.06.1978: morreu em Santa Bárbara, Califórnia, Jorge de Sena,
engenheiro civil, escritor, poeta, ficcionista, dramaturgo, ensaísta,
crítico, tradutor e professor universitário português, a cinco meses de
completar os 59 anos.
Continuação…
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Nos anos 50 a produção literária
de Jorge de Sena cresce em complexidade, extensão e em profundidade, sendo de
então algumas das suas mais conhecidas obras poéticas (Metamorfoses, Evidências,
Fidelidade). Como é de então a sua
primeira tentativa de dramaturgo (O
Indesejado) e, ainda, a sua
organização da 3ª série antológica das Líricas
Portuguesas. [Info: Sena]
O volume Evidências foi entusiasticamente saudado por
David Mourão-Ferreira como uma “obra de categoria excepcional”.
“Desta vergonha de existir ouvindo” é o segundo soneto do livro Evidências (1955). Em geral o soneto não figura nas "entradas" de Jorge
de Sena no Portugal Democrático. «No entanto, como lembra Douglas
Mansur em seu verbete, é com estes 14 versos a sua primeira
"aparição" no periódico: na página 5, do Portugal Democrático nº 29, de Outubro de1959, encimada pelo título
de "Uma frente de batalha chamada poesia", ao lado de mais 6 poemas,
assinados» por vários nomes como O'Neill, Gomes Ferreira e outros. «De organizador anónimo, a sucinta
antologia (com textos datados de 1939 a 1958) é assim justificada:
"Colhidos de livros e revistas publicados em Portugal, os poemas ora apresentados
evidenciam a prolongada resistência oferecida pelos poetas à desumanização da
sociedade portuguesa levada a efeito pelo regime de Salazar". Cumprem-se,
deste modo, as directrizes do mensário, que, desde o "programa"
estampado em seu primeiro número, declarava indissociável o político do
cultural: "a cultura portuguesa, que nas últimas décadas tantos atentados
tem sofrido, merecer-nos-á especial carinho".»
No prefácio, recorda Sena que, «uma vez impresso, As Evidências "foi logo apreendido
pela PIDE [...] e só pode ser distribuído um mês depois, após repetidas visitas
à Censura [...]. O livro era, além de subversivo, pornográfico". Para a
imputada "subversão", certamente este segundo soneto muito teria
contribuído...»:
Desta
vergonha de existir ouvindo,
amordaçado, as vãs palavras belas,
por repetidas quanto mais traindo
tornadas vácuas da beleza delas;
amordaçado, as vãs palavras belas,
por repetidas quanto mais traindo
tornadas vácuas da beleza delas;
desta
vergonha de viver mentindo
só porque escuto o que dizeis com elas;
desta vergonha de assistir medindo
por elas as injúrias por trás delas
só porque escuto o que dizeis com elas;
desta vergonha de assistir medindo
por elas as injúrias por trás delas
ao mesmo
sangue com que foram feitas,
ao suor e ao sémen por que são eleitas
e à simples morte de chegar-se ao fim;
ao suor e ao sémen por que são eleitas
e à simples morte de chegar-se ao fim;
desta
vergonha inominável grito
a própria vida com que às coisas fito:
Calai-vos, ímpios, que jurais por mim!
a própria vida com que às coisas fito:
Calai-vos, ímpios, que jurais por mim!
12.02.1954
Da obra Fidelidade deixo os seguintes poemas do
autor:
Diz-me
devagar coisa nenhuma, assim
como a só
presença com que me perdoas
esta
fidelidade ao meu destino.
Quanto
assim não digas é por mim
que o
dizes. E os destinos vivem-se
com outra
vida. Ou como solidão.
E quem lá
entra? E quem lá pode estar
mais que
o momento de estar só consigo?
Diz-me
assim devagar coisa nenhuma:
o que à
morte se diria, se ela ouvisse,
ou se
diria aos mortos se voltassem.
26.08.1956
Não
hei-de morrer sem saber
qual a
cor da liberdade.
Eu não
posso senão ser
desta
terra em que nasci.
Embora ao
mundo pertença
e sempre
a verdade vença
qual será
ser livre aqui
não
hei-de morrer sem saber
Trocaram
tudo em maldade,
é quase
um crime viver.
Mas,
embora escondam tudo
e me queiram
cego e mudo,
não
hei-de morrer sem saber
qual a
cor da liberdade
09.12.1956
E de Metamorfoses recolhi o seguinte:
Camões dirige-se aos seus
contemporâneos
Podereis
roubar-me tudo:
as
ideias, as palavras, as imagens,
e também
as metáforas, os temas, os motivos,
os
símbolos, e a primazia
nas dores
sofridas de uma língua nova,
no
entendimento de outros, na coragem
de
combater, julgar, de penetrar
em
recessos de amor para que sois castrados.
E
podereis depois não me citar,
suprimir-me,
ignorar-me, aclamar até
outros
ladrões mais felizes.
Não
importa nada: que o castigo
será
terrível. Não só quando
vossos
netos não souberem já quem sois
terão de
me saber melhor ainda
do que
fingis que não sabeis,
como
tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá
para o meu nome. E, mesmo será meu,
tido por
meu, contado como meu,
até mesmo
aquele pouco e miserável
que, só
por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada
tereis, mas nada: nem os ossos,
que um
vosso esqueleto há-de ser buscado,
para
passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a
vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
11.06.1961
[Ler
Jorge de Sena]
Quanto às Líricas Portuguesas, trata-se, agora, da 3ª série de
um projecto, para já, trisseriado que visa apresentar uma colectânea da poesia
lírica portuguesa desde as suas origens à actualidade.
A 1ª série abrange autores desde
os cancioneiros medievais até ao 1º quartel do séc. XX e foi organizada por
José Régio. A 2ª série, compilada por Cabral do Nascimento, abrange autores
nascidos entre 1859 e 1908.
A 3ª série, organizada por Jorge
de Sena, foi publicada em 1958. Segundo Sena explica no prefácio à 1ª edição
desta série, ela compreende duas partes: uma primeira que reúne oito autores
que deveriam ter figurado na 2ª série (entre eles, Irene
Lisboa, Almada-Negreiros e António Botto) e uma segunda parte que engloba 65
poetas nascidos entre 1909 e 1929. Entre eles: António Gedeão, Manuel da
Fonseca, Joaquim Namorado, Ruy Cinatti, Mário Dionísio, Fernando Namora, Jorge
de Sena, Sophia de Mello Breyner, Natércia Freire, Eugénio de Andrade, Mário
Cesariny de Vasconcelos, Natália Correia, Pinheiro Torres, Sebastião da Gama,
Ramos Rosa, O'Neill, Mourão-Ferreira e Ana Hatherly.
A atitude humanista de Jorge de
Sena e o seu “espírito de inconformismo contra a ditadura fascista levaram-no,
em 1959, após o envolvimento numa tentativa falhada de golpe de Estado militar
contra o regime salazarista, a optar por um exílio voluntário no Brasil”, onde,
por razões profissionais, se naturalizou brasileiro em 1963. [Info: Sena] E também daqui, com a instalação da
Ditadura Militar em Março de 1964, ao sentir a liberdade ameaçada, emigra para
os EUA.
No Brasil vive 6 anos como professor
universitário de Literatura Portuguesa e de Teoria da Literatura, em S. Paulo. [Info: Sena]. Simultaneamente publica uma série de
ensaios, como o Da
Poesia Portuguesa, e
desmultiplica-se em congressos e conferências várias a par da redacção do
periódico Portugal
Democrático, onde
denuncia a ditadura da lusa
pátria. É aí que, em 1961, publica o primeiro volume da sua obra poética
completa, tendo no ano anterior publicado o seu primeiro livro de ficção, Andanças do Demónio
(contos), e em 1964 faz o doutoramento em Letras, defendendo a tese “Os Sonetos de Camões e o Soneto
Quinhentista Peninsular”, tendo obtido o
título académico "com distinção e louvor".
No ano seguinte, designadamente por razões políticas, transfere-se para a Universidade
do Wisconsin, Madison, nos Estados Unidos, onde seria nomeado professor
catedrático de Literatura Portuguesa e Brasileira. E, 5 anos volvidos, migra
para a Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, onde, em 1972, viria a ser
nomeado chefe do departamento de Literatura Comparada e, em 1975, chefe do
Departamento de Espanhol e Português.
Aquando da primeira visita
autorizada a Portugal em nove anos de exílio, entre 1968 e 1969, Sena publica os
volumes de poesia Arte
de Música e Peregrinatio
ad Loca Infecta. E no ano da sua morte, 1978,
vieram a público, revistos pelo autor, os volumes Poesia II e Poesia
III, a que se seguiriam, postumamente, os volumes 40 Anos de Servidão e Post-Scriptum II.
Entretanto dera-se o 25 de Abril e
Jorge de Sena, entusiasmado, “queria
regressar definitivamente a Portugal, ansioso de dar a sua colaboração para a
construção da democracia.” Visitou, então, o país, que o
recebeu com homenagens públicas e onde foi condecorado (como o seria a título
póstumo), mas não recebeu qualquer convite para aqui exercer o seu ministério.
Desiludido e magoado, voltou aos EU, onde morreria 4 anos depois. [Wiki: Sena]
De Peregrinatio ad Loca
Infecta deixo os seguintes versos:
Quem
muito viu, sofreu, passou trabalhos,
mágoas,
humilhações, tristes surpresas;
e foi
traído, e foi roubado, e foi
privado
em extremo da justiça justa;
e andou
terras e gentes, conheceu
os mundos
e submundos; e viveu
dentro de
si o amor de ter criado;
quem tudo
leu e amou, quem tudo foi -
não sabe
nada, nem triunfar lhe cabe
em sorte
como a todos os que vivem.
Apenas
não viver lhe dava tudo.
Inquieto
e franco, altivo e carinhoso,
será
sempre sem pátria. E a própria morte,
quando o
buscar, há-de encontrá-lo morto.
1961
De entre a sua extensa
bibliografia destaco as seguintes obras (algumas já antes referidas): poesia: Perseguição (1942), Coroa da Terra (1946), Pedra Filosofal (1950), Metamorfoses (1963), Peregrinatio ad Loca Infecta (1969) e Conheço o Sal... e Outros
Poemas (1974). Teatro: O Indesejado (António, Rui) (1951) Amparo de Mãe e mais Cinco Peças em
Um Acto (1974, sendo
cada um dos textos incluídos neste volume escrito antes desta data); deixou
algumas peças inacabadas. Ficção em prosa: Andanças do
Demónio (1960), O Físico
Prodigioso (1977), Sinais de
Fogo (1979) e Génesis (1983). Ensaios: Da Poesia
Portuguesa (1959), O Reino da Estupidez (1961-1978) e Poesia de 26
Séculos (1971-1972).
[BU: Sena]
Mais famoso é o seu
“romance autobiográfico Sinais de Fogo, adaptado ao cinema em 1995 por Luís Filipe Rocha.” [Wiki: Sena]
Em 1999, foi publicado um livro com inéditos do escritor, Dedicácias, obra que reúne poemas satíricos, quase todos com destinatários identificados, e vários desenhos inéditos.
Em 2002, é publicado Poesia 26 Séculos de Arquíloco a Nietzche. [BU: Sena]
Em 1999, foi publicado um livro com inéditos do escritor, Dedicácias, obra que reúne poemas satíricos, quase todos com destinatários identificados, e vários desenhos inéditos.
Em 2002, é publicado Poesia 26 Séculos de Arquíloco a Nietzche. [BU: Sena]
«Arquíloco foi um poeta lírico e soldado
grego que viveu na primeira metade do século VII a.C. (talvez entre anos de
680 a.C. e 645 a.C.). Os antigos colocavam-no em pé de igualdade com o
próprio Homero.» [Wiki:
Arquíloco]
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… continua amanhã, QA 06.06.2012…
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