A situação é estranha e difícil de explicar.
Antes de mais, é um facto que, desde criança – quando “os cinco violinos” eram o conjunto de avançados mais temível e respeitado no nosso luso burgo – que me tornei sportinguista, quando esses ilustres guerreiros enchiam as medidas de qualquer adepto do futebol e eram a mais apetecida miragem de grande parte da garotada.
A alternativa, em termos de opção por um dos grandes, era o Benfica. Do Porto falava-se tanto quanto do Carcavelinhos ou do Olhanense.
Era ainda garoto, talvez da minha idade, ou mais velho que eu um ano, aquele que viria a ser a grande estrela do FC do Porto, Pinto da Costa. Não, porém, pelas melhores e mais nobres razões, dizem todos, que não só os “mouros”.
Nunca fui, no entanto, grande sofredor, com estas coisas da bola.
Sempre – desde que me lembro de ser gente e discutir essas matérias – analisei a marcha do Sporting com espírito crítico.
E confesso que me custou um bocado a longa travessia do deserto que o Sporting teve de fazer, a dada altura, durante 17 ou 18 anos.
Era com vontade e prazer que assistia, de quando em quando, a uma partida de bom futebol através da televisão.
De tal maneira era “desapaixonado”, ou melhor dito, pouco atreito a fanatismos, que os meus dois filhos se tornaram, por influência do avô materno, benfiquistas ferrenhos, tal era a minha atitude serena nessa matéria.
Nessa matéria, sempre fui, mesmo, desapaixonado. Mas que gostava de ver um bom desafio de futebol, lá isso gostava.
E tudo isto a propósito de quê?
Não, claro, para contar a minha desinteressante história desde o sarampo.
É o Mundial! É o Mundial que me obriga a este desabafo.
Desde o seu pontapé de saída – ou antes, claro - senti ao meu redor, desde dirigentes políticos, passando pelos deputados da nação, até aos responsáveis de outros níveis do nosso “jardim à beira mar plantado”, uma euforia desmedida, como se do resultado do Mundial – melhor dito, da posição que Portugal nele viesse a ocupar – dependesse o futuro, já muito comprometido, deste país.
Porque senti que, inclusive por parte dos responsáveis políticos deste triste país, a única preocupação que nos consumia durante um mês era a posição de Portugal na tabela do Mundial... Perdi as estribeiras e isso virou-me do avesso.
Passou a não haver janela, varanda, postigo ou chaminé que não tivesse uma bandeira nacional. Até nas carteiras de tiracolo de algumas senhoras (não uma nem duas, várias), vi bandeiras atadas como se fora um lenço.
Tudo conforme aconselhava o Prof Marcelo.
Um autêntico desatino de um nacionalismo doentio, sem sentido, exagerado. Bacoco, é o termo.
Os media não têm outro assunto – para regalo de quem nos governa.
O jornal que todos os dias me acompanha, que começa sempre por uma secção que é o “destaque” – matéria mais escaldante ou actual – que geralmente ocupa duas páginas, com o mundial tem ido a 14 e mais páginas (para além da normal secção de desporto diária). Quer dizer, nestes dias, em muitos deles, o jornal, para mim, só começa depois da página 15!
Tal como os dirigentes políticos da Roma clássica praticavam a política panem et circenses para entreter a turba multa dos romanos da decadência e distraí-la dos incómodos assuntos da coisa pública, assim hoje acontece... O pão vai faltando a cada vez mais bocas, mas o circo [neste caso leia-se futebol]... Ah! Esse não acaba assim...
Ainda ontem, na sua coluna semanal no Público, a Profª Carla Machado – que se “confessa maluquinha da bola” – demonstrava o mesmo desalento, perante este inusitado (!) espectáculo: um “discurso patrioteiro [que soa a mofo] e as bandeirinhas [que] têm um ar patético”.
E no meio de todo este alarido quem mais lucra com o assunto?
Entre outros, os bancos: os portugueses endividam-se cada vez mais, porque, não tendo rendimentos para isso, querem manter um estatuto que não é, não pode ser, o seu.
Já nem com o pão se preocupam muito, mas com a “aparência” de sucesso e com o circo!
Lucram os bancos entre outros, dizia.
Não espanta, pois, a imagem que circula por aí, dum edifício do BES, com uma frente bem larga e alçados laterais de muitos metros, também, logo com miríades de janelas, em cada uma das quais está uma bandeira portuguesa! São umas centenas!
Cortei relações com o desporto? Passei a detestar o futebol? Estou amuado? – Perguntar-se-á...
Não exactamente. Mas o excesso de “patrioteirismo” que se pôs neste mundial, levou-me ao desespero. Sem querer, sem nada fazer por isso... Não ligo ao que se passa. Esqueço-me (é mesmo verdade: esqueço-me) dos jogos. (Pode parecer estranho, ou pode soar a falso, mas acreditem: até do nome do seleccionador da turma das quinas me esqueci. Sabia e sei que é o Scolari, mas a dada altura não estava certo do nome do homem: seria Solari? Scolari?... Não atinava, assim de repente!)
Do Portugal-Holanda soube porque, vindo dos lados de Sintra para Lisboa, os carros faziam uma chinfrineira como se o campeonato tivesse acabado e nos tivéssemos sagrado campeões. Foi uma festa que a moçarada nova, com os carros dos pais ou próprios, mas tudo bons carros, fizeram, IC19 adiante, debruçados dos vidros ou dos tejadilhos, bandeiras ao vento, com buzinadelas repicadas ou aos gritos de vitória...
(Depois soube que foi um sufoco de jogo e um festival de cartões, das duas cores!)
Do exagero em que se transformou o futebol – como causa primeira e única das nossas preocupações - descambei, sem querer, para a situação inversa. Para a ignorância e o esquecimento do fenómeno.
E sem grande esforço... Tal a “raiva”!
Foi tão só isso!
Durante este mês perco todos os créditos de bom português que pudesse ter somado durante toda a minha vida...
Paciência!...
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3 comentários:
Zé Luis:Fico com uma enorme satisfação por não ter que precisar de um atestado de sanidade mental(se bem que os "médicos" de Guimarães não estão lá para outra coisa).
Eu ainda ando um pouco "doido" e vou vendo os jogos do Mundial.Ainda hoje vi a Argentina ser mais roubada que o Ministério das Finanças.
Mas,cuidado,os filhos serem benfiquistas é sinal que,sabe-se lá porquê,ultrapassaram uma "coisita" que poderia ser má,de nascença.
Um grande abraço do RUI
Pois é, Zé Luis! Comigo aconteceu o contrário! Ñão achava graça nenhuma ver 22 homens a correr atrás de uma bola, mas o patrioteirismo , talvez, levou-me a sentir curiosidade pelo que se estava a passar nos relvados da Alemanha! E esta? Nunca digas desta água não beberei! lol
Até tenho de tomar um chá de camomila! lol
Um abraço
Amélia
EU TAMBÉM SOU DOS QUE EXTRAVASO A MINHA EMOÇÃO. QUER PÔR OUTROS A VIBRAR E FAZER VIBRAR MAIS QUEM JÁ VIBRA UM POCOCHINHO...
AS MINHAS BANDEIRAS NA VARANDA E NA JANELA QUERO QUE CHEGUEM EM ONDA TELEPÁTICA AOS NOSSOS GUERREIROS NOS CAMPOS DA ALEMANHA!...
CADA UM CONTRIBUI COMO QUE TEM À MÃO...
UMA BANDEIRA, POR EXEMPLO!... OU DUAS OU TRÊS!...
BEM GOSTARIA DE PÔR AS BANDEIRAS TAMBÉM POR MOTIVOS MAIS NOBRES E DE MAIORES BENEFÍCIOS PARA PORTUGAL.
MAS... SE NÃO TENHO MAIS NADA.. QUE SEJA PELO MUNDIAL...!
JÁ É POR UM TÍTULO E POR UMA AFIRMAÇÃO PLANETÁRIA DA NOSSA EXISTÊNCIA!...
Ciao
António...Ferreira
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