quinta-feira, outubro 20, 2011

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA

Como sempre, recordo:

Este é o espaço em que,
habitualmente,
faço algumas incursões pelo mundo da História.
Recordo factos, revejo acontecimentos,
visito ou revisito lugares,
encontro ou reencontro personalidades e lembro datas.
Datas que são de boa recordação, umas;
outras, de má memória.
Mas é de todos estes eventos e personagens que a História é feita.
Aqui,
as datas são o pretexto para este mergulho no passado.
Que, por vezes,
ajudam a melhor entender o presente
e a prevenir o futuro.

.
ESTAMOS NA QUINTA-FEIRA DIA 20 DE OUTUBRO DE 2011 (MMXI) DO CALENDÁRIO GREGORIANO

Que corresponde ao
Ano de 2764 Ab Urbe Condita (da fundação de Roma)
Ano 4707 a 4708 do calendário chinês
Ano 5771 a 5772 do calendário hebraico
Ano 1432 a 1433 do calendário islâmico

Mais:
DE ACORDO COM A TRADIÇÃO, COM O CALENDÁRIO DA ONU OU COM A AGENDA DA UNESCO:
De 2003 a 2012 - Década da Alfabetização: Educação para Todos.
de 2005 a 2014 - Década das Nações Unidas para a Educação do Desenvolvimento Sustentável.
de 2005 a 2015 - Década Internacional "Água para a Vida".

Por outro lado
2011 é o
ANO EUROPEU DO VOLUNTARIADO
ANO INTERNACIONAL DA QUÍMICA
ANO INTERNACIONAL DAS FLORESTAS



... foi tanta a lágrima de todos que neste dia tomou aquela praia [Restelo] posse das muitas que nela se derramaram, na partida das armadas que cada ano vão a estas partes que Vasco da Gama ia descobrir; donde com razão, lhe podemos chamar praia de lágrimas para os que vão, terra de prazer aos que vêm.
João de Barros




Retrato de João de Barros

Foi na SX 20.10.1570, há 441 anos: morreu o historiador e pedagogo João de Barros (c. 1496-1570), autor das “Décadas da Ásia”. Apelidado o Tito Lívio português, é geralmente considerado o primeiro grande historiador português.

Tito Lívio (c. 59 a.C. — Pádua, 17) é o autor da obra histórica intitulada Ab urbe condita ("Desde a fundação da cidade"), onde tenta relatar a história de Roma desde o momento tradicional da sua fundação 753 a.C. até ao início do século I (ano 9) da era comum. Deles contemporâneo, manteve-se isolado da política e do círculo de literatos que rodeava o imperador e que incluía os grandes poetas Virgílio, Horácio e Ovídio, preservando a sua independência. (Wikipédia)

Nessa altura o poder, na Europa, estava assim constituído:
Em Portugal reinava D. Sebastião (16º).
Em Inglaterra e Irlanda reinava a Rainha Virgem, cognome de Isabel I, filha de Henrique VIII e de Ana Bolena, e (meia) irmã consanguínea de Maria I, a quem sucedeu – todos da Dinastia Tudor.
Em França reinava Carlos IX (42) da Dinastia de Valois.
Imperador do Sacro Império Romano-Germânico era Maximiliano II (33), O Culto ou O Tolerante, da Casa dos Habsburgos, e simultaneamente rei da Itália.
Em Espanha decorria o reinado de Filipe II O Prudente (que viria pouco depois a ser também Filipe I de Portugal), da Casa dos Habsburgo/Casa de Áustria.
Pontificava Pio V (225º), cuja Bula Ad Regiae Majestatis (de 18AGO1570) regulando certos assuntos relacionados com a Ordem de Cristo, assim como com as ordens de Santiago e de Avis, aboliu e revogou todos e quaisquer privilégios, dispensas e isenções concedidos àquelas ordens, dando ao rei, como seu mestre, e a todos os seus sucessores, faculdade para relaxar, moderar e acrescentar tudo o que fosse a bem delas” - respiguei da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira/GEPB, vol 19, pág 571, cujo texto continua: "Os privilégios das ordens começaram a ser notavelmente cerceados durante o séc. XVIII, obra que foi prosseguida pelos revolucionários de 1820 e contra a qual reagiu em vão a contra-revolução da vilafrancada (1823). Restabelecido o constitucionalismo, um diploma de 30.06.834 declarou que o decreto de 30.05.834, pelo qual se extinguiram os conventos religiosos, compreendia também as ordens militares e lhes era aplicável em todas as suas disposições."



Nas suas obras, João de Barros revela ser um homem de sólida cultura, espelho do pensamento humanista português, até pela defesa do figurino elogioso da expansão ultramarina portuguesa, afinal tão pouco conforme com os correlativos valores mais enraizados do humanismo europeu. Além de que “adoptou um estilo grave, semeado de hipérboles que anunciam Os Lusíadas, em longos períodos alatinados” (in Infopédia [Em linha]. Porto Editora).

Como historiador e quanto ao rumo ideológico, João de Barros adopta o figurino oficial, encarando a expansão ultramarina numa perspectiva cruzadística contra o inimigo tradicional, o Islão. E também concebe a narrativa histórica num sentido exaltante de figuras e feitos heróicos, pelo que os traços negativos da actuação portuguesa são intencionalmente preteridos da narrativa. Nesse aspecto, segue as pisadas de Gomes Eanes de Zurara, com uma visão aristocratizante da história, muito longe, ambos, da concepção de raiz mais popular de Fernão Lopes

Gomes Eanes de Zurara (1410-1474) (ou Gomes Eanes de Azurara) foi cronista e Guarda-Conservador da Livraria Real, por volta de 1451. Como foi, depois de Fernão Lopes, em 1454, Guarda-Mor da Torre do Tombo. Nas suas crónicas, sem pôr de lado a probidade, Zurara fixa-se na apreciação das grandes figuras, sublinhando heroísmo e feitos paradigmáticos, exaltando o valor das épicas personagens de que se ocupa. Nos seus escritos, Zurara está para o seu antecessor, Fernão Lopes, como a crónica dos heróis estará para a crónica de um povo. Em 1450 escreveu a "Chronica del Rei D. Joam I de boa memória, terceira parte em que se contam a Tomada de Ceuta" (publicada em Lisboa, em 1644) – acompanhada, de perto, a Wikipédia

“Fernão Lopes (c. 1378-c. 1459) foi funcionário do paço e notário, nomeado em 1434 Cronista-Mor pelo rei D. Duarte, escreveu as crónicas dos reis D. Pedro I, D. Fernando e D. João I (1.ª e 2.ª partes). Do ponto de vista da forma, o seu estilo representa uma literatura de expressão oral e de raiz popular. Ele próprio diz que nas suas páginas não se encontra a formosura das palavras, mas a nudez da verdade. Era um autodidacta. (…) Ocupa, entre a série dos cronistas gerais do Reino, um lugar de destaque, quer como artista quer pela sua maneira de interpretar os factos sociais. (…) Em 1418 já ocupava funções públicas de responsabilidade (era Guardião-mor das escrituras da Torre do Tombo). Pertencia portanto à geração seguinte à que viveu o cerco de Lisboa e na batalha de Aljubarrota. A guerra com Castela acabou em 1411, pelo que Fernão Lopes pôde ainda acompanhar a sua fase, e conhecer pessoalmente alguns dos seus protagonistas, como D. João I, Nuno Álvares Pereira, os cidadãos de Lisboa que se rebelaram contra D. Leonor Teles e elegeram o Mestre de Avis seu defensor em comício popular, alguns dos procuradores às Cortes de Coimbra de 1385 que, apoiando o dr. João das Regras declararam o trono vago e, chamando a si a soberania, elegeram um novo rei e fundaram uma nova dinastia. Profissionalmente, Fernão Lopes era um tabelião (…) Foi empregado da família real e da corte, escrivão de D. Duarte, ainda infante, do rei D. João I, e do infante D. Fernando, em cuja casa ocupou o importante posto de «escrivão da puridade», que correspondia ao cargo de maior confiança pessoal concedido pela alta nobreza. A partir de 1418 aparece a desempenhar as funções de Guarda-mor da Torre do Tombo, encarregado de guardar e conservar os arquivos do Estado, lugar de confiança da Corte. (…) Fernão Lopes viveu uma das épocas mais perturbadas da história de Portugal, cheia de ensinamentos para o historiador. (…).” (Wikipédia)

Escrivão da puridade: Designação atribuída no século XIII ao escrivão responsável pelos documentos particulares do rei. Era, assim, um homem de confiança dos monarcas. No reinado de D. Pedro I, este funcionário passou a ser detentor do Selo de Camafeu ou Selo da Puridade, que permitia autenticar documentos régios, sem necessidade de passar pela chancelaria [repartição onde altos funcionários da coroa desempenhavam funções semelhantes às dos actuais primeiros-ministros]. Era da sua competência tudo o que dissesse respeito a Cortes, bem como os negócios exteriores. O cargo foi restaurado já no século XVII, por D. Afonso VI, que o atribuiu ao conde de Castelo Melhor. Com a queda deste ministro, o cargo foi extinto. (In Infopédia online)

Mas João de Barros, além de se tratar do primeiro grande historiador português, é considerado pioneiro da gramática da língua portuguesa, tendo escrito a segunda obra a normatizar a língua, tal como falada no seu tempo. Filho de um nobre, o corregedor de entre Tejo e Guadiana, Lopo de Barros, foi educado na corte de D. Manuel I, na época de maior apogeu dos descobrimentos portugueses, e também serviu no Paço real ao tempo de D. João III. Iniciou a sua fecunda carreira literária muito jovem, com pouco mais de vinte anos, com um romance de cavalaria, a “Crónica do Emperador Clarimundo” (1522), de quem descenderiam os reis portugueses, dedicado ao soberano (D. Manuel) e ao príncipe herdeiro (futuro D. João III). Este, ao subir ao trono em 1521, atribuiu-lhe o cargo de capitão da fortaleza de São Jorge da Mina, para onde partiu no ano seguinte.

O Castelo da Mina ou Feitoria da Mina, mais tarde designado por Fortaleza de São Jorge da Mina, fica situado na actual cidade de Elmina, no Gana (Golfo da Guiné, na costa ocidental da África). Esta feitoria foi estabelecida em 1482 com vista a controlar e defender o comércio do ouro e a navegação dos portugueses nessa região.

Depois tem uma passagem pela Casa da Índia, como tesoureiro, entre 1525 e 1528. Entretanto a peste negra (1530) levou-o a refugiar-se na sua quinta da Ribeira de Alitém (Pombal), onde escreveu (em 1532) o diálogo moral Rhopicapneuma ou Mercadoria Espiritual (1532), prosa filosófica, onde alia com mestria uma apologética cristã e uma sátira à sociedade portuguesa. Regressado a Lisboa nesse mesmo ano, o rei nomeou-o tesoureiro das casas da Índia, da Mina e de Ceuta e depois, entre 1533 e 1567, feitor da Casa da Índia - posição de grande destaque e responsabilidade, numa Lisboa que era então a placa giratória, a nível europeu, para todo o comércio estabelecido com o oriente. João de Barros provou ser um administrador bom e desinteressado, algo raro para a época, como demonstra o surpreendente facto de ter amealhado pouco dinheiro com este cargo (quando os seus antecessores haviam adquirido grandes fortunas).

Parece confirmar-se que a corrupção, seus componentes e derivados, é tão velha como o mundo, o que não obsta a que se identifiquem, se persigam e se punam os seus promotores e beneficiários até aos confins do mundo e dos tempos…



O Paço da Ribeira onde a Casa da Índia estava localizada.
Perpendicular ao rio Tejo, possuía uma torre central e um terraço frente ao rio.
À esquerda vê-se o estaleiro (Ribeira das Naus), com alguns navios em construção.
A área aberta à direita é o Terreiro do Paço, com o porto e um pelourinho
(gravura de Braun e Hogenberg. Civitates Orbis Terrarum, 1572) (Apud Wikipédia)

Em 1534 D. João III, procurando atrair colonos para se estabelecerem no Brasil e simultaneamente evitar as tentativas de penetração francesa, dividiu a colónia em capitanias hereditárias, segundo um sistema já utilizado, e de resultados comprovados, nos Açores, na Madeira e em Cabo Verde. No ano seguinte João de Barros foi agraciado com a posse de duas capitanias, em parceria com Aires da Cunha, o Ceará e o Pará. Constituiu a expensas suas uma armada de dez navios e novecentos homens, que zarpou para o Novo Mundo em 1539. Devido talvez à ignorância dos seus pilotos, a frota não atingiu o objectivo pretendido, tendo andado à deriva até aportar às Antilhas espanholas. Esta operação fê-lo enfrentar graves problemas financeiros até ao fim dos seus dias. Pouco depois da desastrosa expedição ao Brasil, em 1540, publicou a Gramática da Língua Portuguesa com os Mandamentos da Santa Madre Igreja e diversos diálogos morais - Diálogo da Viciosa Vergonha (1540), Diálogo sobre Preceitos Morais (1540) e Diálogo Evangélico sobre os Artigos da Fé (1543), contra o Talmude dos Judeus, obra que, juntamente com a sua crítica à forma como eram tratados e evangelizados os cristãos-novos, levaria à sua perseguição por parte da Inquisição.

Conhecedor da obra dos humanistas europeus, exalta um dos seus lídimos representantes, Erasmo de Roterdão e o seu Elogio da Loucura

Com o objectivo do ensino da língua materna, a Grammatica foi a segunda obra a normatizar a língua portuguesa, tal como falada no seu tempo, como já antes referido – precedida apenas pela de Fernão de Oliveira, impressa em 1536. Foi no entanto considerada a primeira obra didáctica ilustrada no mundo. Pouco depois, por sugestão e proposta do próprio D. Manuel I, iniciou a escrita de uma história que narrasse os feitos dos portugueses na Índia – de que resultou a sua obra mais destacada: as Décadas da Ásia (Ásia de Ioam de Barros, dos feitos que os Portuguezes fizeram na conquista e descobrimento dos mares e terras do Oriente), assim chamadas por, à semelhança da história liviana, agruparem os acontecimentos por livro em períodos de dez anos. 

Assim, o Volume I, ou primeira década, saiu em 1552, o II (1553), o III (1563) e o IV (1615). A quarta década, porém, deixou-a inacabada, tendo sido completada por João Baptista Lavanha e publicada em Madrid no referido ano de 1615, 45 anos depois da sua morte. 

Apesar do seu estilo fluente e rico, as "Décadas" despertaram pouco interesse durante a sua vida. E se medirmos a sua projecção em termos de traduções de que tenham sido objecto, as "Décadas" apenas conheceram uma tradução, italiana, em Veneza, em 1563. Mas D. João III, entusiasmado com o seu conteúdo, pediu a João de Barros que redigisse uma crónica relativa aos acontecimentos do reinado de seu pai, D. Manuel - o que ele não pôde realizar, tendo essa crónica sido escrita por outro grande humanista português, Damião de Góis.

“Damião de Góis (1502-1574) foi um historiador e humanista português, relevante personalidade do renascimento em Portugal. De mente enciclopédica, foi um dos espíritos mais críticos da sua época, verdadeiro traço de união entre Portugal e a Europa culta do século XVI.” (Wikipédia)

Diogo do Couto foi encarregado mais tarde de continuar as suas "Décadas", adicionando-lhe mais nove (incluindo a IV). A primeira edição completa das 12 décadas surgiu em Lisboa, já no século XVIII (1778-1788).

Diogo de Couto (1542-1616), outro historiador português, teve a particularidade de ser amigo de Camões, que foi encontrar na Ilha de Moçambique, em 1569, crivado de dívidas e sem dinheiro para regressar a Portugal, o que conseguiu com a ajuda de Diogo de Couto e outros amigos, em 1570, para apresentar a D. Sebastião a sua obra maior - os Lusíadas. (Id)

Aliás, foi do rei Filipe I que Diogo de Couto recebeu a incumbência de prosseguir as "Décadas" de João de Barros. Escreveu as que vão da IV à XII, mas só publicou completas a IV, V e VII e um resumo da VIII e IX porque a VI ardeu na casa de imprensa, a VIII e a IX foram roubadas, e a XI desapareceu.

Em Janeiro de 1568 João de Barros foi vítima de um avc e exonerado das suas funções na Casa da Índia, recebendo título de fidalguia e uma tença (pensão) régia do rei Dom Sebastião. 

João de Barros morreu, a 20.10.1570, na mais completa miséria, sendo tantas as suas dívidas que os filhos renunciaram ao seu testamento.

Enquanto historiador e linguista, João de Barros merece a fama que começou a correr logo após a sua morte. As suas "Décadas" são não só um precioso manancial de informações sobre a história dos portugueses na Ásia como são o início da historiografia moderna em Portugal e no Mundo. 

Inicialmente o autor propunha-se um projecto muito ambicioso. Seria constituído por três partes: Milícia, relativa às conquistas dos portugueses nos quatro continentes (Europa, África, Ásia, Brasil); Navegação, com a descrição geográfica desses territórios; Comércio, relacionado com a transacção quer de produtos naturais quer artificiais. Assim, “concebeu uma história do mundo centrada na expansão portuguesa, dividida em quatro partes abrangendo os quatro continentes: Europa, Ásia, África e Santa Cruz” (que era então a designação do Brasil). 

“Mas deste grandioso plano apenas ficou a Ásia, dividida, como já se disse, em quatro Décadas” (in cit. Infopédia). Mas, dessa obra enciclopédica, “em vida, só apareceram as três primeiras Décadas da Ásia (1552, 1553, 1563)” (id). A última década ficou incompleta e só foi publicada em 1615. Além disso, sublinhe-se que se trata de um dos primeiros relatos da acção colonizadora europeia no mundo.

De sublinhar, por fim, que “a insuficiência do conhecimento dos locais e ambientes da expansão e a dureza da censura cortesã impediram-no de construir uma obra de inteira verdade. Mas as Décadas são a obra mais conhecida de João de Barros e contêm notáveis passos narrativos e descritivos.” (Idem).

Para além das suas obras já referidas, escreveu ainda panegíricos: de D. João III (em 1533); da Infanta D. Maria (em 1555) - tratando-se da Infanta filha de D. Manuel e de sua terceira mulher, D. Leonor, irmã do imperador Carlos V.






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