Foi na QA
15.08.1498, completaram-se ontem 514 anos: foi fundada a Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa. E, a partir daí, as Santas Casas da Misericórdia
espalhadas por todo o país.
Continuação…
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A
originária confraria de Nossa Senhora de Rocamador é a de Rocamadour, no Sul da
França, nos “caminhos [franceses] de Santiago”.
Remonta
o seu antecessor ao antigo instituto ou congregação hospitalar do Santo-Amador,
que de França se estendeu a Portugal, vindo a ser extinto no reinado de Afonso
V.
Rocamadour
é a localidade do sul de França (Midi-Pyrénées), onde se situava o original e
famoso santuário de Santa Maria de Rocamador, uma das principais etapas dos
“caminhos” de Santiago (de Compostela), neste caso do caminho francês. [Rocamador: Cantigas
Medievais Galego-Portuguesas]
A
capela do santuário da Virgem Negra (tal como existe uma no mosteiro de Monserrate,
na Catalunha),
que fica num complexo de construções monásticas, é atingida por uma escada de
216 degraus, que os peregrinos ainda hoje sobem de joelhos.
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Rocamadour é, ainda, uma prova da atracção
dos franceses pela construção de edifícios sobre
penhascos
Em 1499
já tinham sido fundadas as Misericórdias do Porto e Évora e, em 1525, aquando
da morte de D. Leonor, o número de confrarias já era de 61. Para além do
continente, as confrarias expandiram-se pelos territórios ultramarinos
administrados pelos portugueses. “Actualmente, existem em Portugal
misericórdias em quase todas as sedes de concelho. Destaca-se, sobretudo, a
acção da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa [/SCML], que concentra em si os
ganhos da Lotaria Popular, do Totobola, do Totoloto, do Euromilhões, do Loto2,
do Joker e das Lotarias Clássica e Instantânea”. [Misericórdias 2]
A
Lotaria Nacional, explorada pela SCML surgiu em 1939, sucedendo a diversas
formas de lotarias que existiram, entre nós, desde 1783 (ano em que D. Maria
I concedeu àquela instituição uma lotaria cujos lucros eram repartidos com
equidade pelo Hospital Real, pelos Expostos e pela Academia Real das
Ciências). Hoje, aqueles lucros são assim repartidos: Direção-Geral do
Tesouro: 36,5%; SCML: 63,5%.
O
totobola foi criado em 1961 pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa com o
objectivo de financiar os serviços de reabilitação de deficientes físicos e,
simultaneamente, de gerar receitas para as modalidades desportivas.
O
Euromilhões foi lançado em Fevereiro de 2004 em três países, Espanha, França
e Inglaterra, aos quais se juntaram mais seis, Portugal, Irlanda, Áustria,
Bélgica, Suíça e Luxemburgo, em Outubro do mesmo ano. As receitas do
Euromilhões revertem em Portugal, em partes iguais, para o Instituto de
Gestão Financeira da Segurança Social e para a Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa.
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As Misericórdias,
já com mais de cinco séculos de existência em Portugal, são instituições com o
intuito de prestar assistência aos necessitados.
E
tiveram origem - não no aspecto institucional mas no que respeitante a ideais e formas de acção - pouco depois dos
alvores da Nacionalidade, graças às ordens mendicantes, sobretudo franciscanos
e dominicanos, “assim como ao carácter assistencialista de certas corporações
medievais”. A referida Confraria de Santa Maria de Rocamador, de carácter
hospitalário e originária de França, por exemplo, instalou-se em Portugal em
1189 (segundo uns) ou em 1193 (opinam outros). Tanto os franciscanos como os
dominicanos, assim como os Irmãos de Rocamador, prestaram relevantes serviços nos
hospitais medievais. Mas devido a alguns abusos levados a cabo nos finais do
século XV (já então!) e também por causa da decadência das ordens religiosas e
hospitalárias, D. Afonso V, tio e sogro de D. Leonor, “foi obrigado a expulsar
a referida Irmandade e a retirar alguns privilégios à Ordem Trinitária, tida
como a ordem religiosa que, no século XV, mais se encontrava ligada às práticas
de misericórdia e assistência em Portugal”. Mas, como já foi dito, foi D.
Leonor, mulher de D. João II, “quem assumiu um papel muito importante e
decisivo na fundação efectiva e institucional das Misericórdias portuguesas,
tais como elas se nos apresentam histórica e assistencialmente até aos dias de
hoje”. Para além de ter fundado as Misericórdias em 1498, como já referido, numa
localidade (que viria a chamar-se Caldas da Rainha, em sua homenagem – também
já recordado) “fundou um hospital termal que dispunha de cem camas destinado
aos pobres”, obra esta que teve a intervenção do cardeal D. Jorge da Costa – o
célebre cardeal Alpedrinha. [Misericórdias 1]
Vejamos
em síntese, mas de forma o mais completa possível, a história da Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa/SCML.
Em mais
de 500 anos, a SCML “reuniu um vasto e riquíssimo património histórico e
artístico, destacando-se a Igreja de S. Roque, o Museu de S. Roque, o Arquivo
Histórico e parte dos edifícios da Instituição, o qual resultou de actos de
solidariedade de beneméritos, de doações, heranças e legados”. Além disso “a
SCML é também, proprietária de um valioso conjunto de imóveis da arquitectura
religiosa e civil portuguesa, património cultural, que vem sendo objecto de
estudo sistemático”. [Marcas]
A
irmandade era constituída, primitivamente, por cem membros (irmãos), número que
era automaticamente renovado, à medida que iam falecendo confrades. "Metade
dos irmãos da confraria eram pessoas que realizavam trabalhos manuais, outra
metade era constituída por nobres, letrados, clero, entre outras figuras
provenientes de sectores importantes da sociedade lisboeta. O provedor
(primeiro responsável pela administração das Santas Casas da Misericórdia)
tinha que ser alguém” com qualidades de honradez, humildade e paciência. [Misericórdias 1] Qualidades que, naturalmente,
devem caracterizar os provedores das actuais mesas das Santas Casas, assim como
os membros dos corpos dirigentes da UMP/União das Misericórdias.
Missão
da Irmandade era actuar junto dos pobres, dos presos, dos doentes e apoiar a
chamada “pobreza envergonhada”.
A todos
os necessitados socorria dando pousada, roupas, alimentos, e assistência médica
e medicamentosa. [SCML]
“O rápido
crescimento do prestígio da Misericórdia de Lisboa trouxe-lhe um maior número
de responsabilidades” como a administração do Hospital Real de Todos os Santos,
altura em que se dedica, também, à protecção dos enjeitados.
Enjeitados
ou expostos eram aqueles que, geralmente com apenas dias ou semanas de vida,
eram abandonados pelos pais, duma forma geral numa roda dos enjeitados.
Roda
dos enjeitados ou dos expostos: eram cilindros giratórios com uma grande
cavidade lateral que se colocavam junto às portarias dos conventos.
Inicialmente eram um meio de comunicação entre o interior e o exterior do
convento, onde eram colocados objectos pelas pessoas do exterior para as do
interior (enclausuradas). Mais tarde começaram a colocar aí crianças
enjeitadas, fruto de ligações proibidas, inconvenientes ou filhos de
raparigas pobres. [Rodas]
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A acção da
Misericórdia de Lisboa estendeu-se também ao apoio às órfãs. A sua eficaz acção
ficou a dever-se não apenas ao empenhamento e generosa participação dos membros
da Irmandade, mas também ao forte apoio e protecção da Coroa. Assim se
compreende a concessão de múltiplos privilégios e a dotação de imponentes
instalações, como a nova sede da Misericórdia de Lisboa, mandada edificar por
D. Manuel I e concluída em 1534, (hoje, igreja da Conceição Velha) para onde se
transferiu a originalmente instalada na Sé e, posteriormente, as actuais
instalações ao Bairro Alto, no reinado de D. José, em 1768. [SCML]
Ainda também
no sé. XVIII, “as dificuldades financeiras levariam a Mesa [V/ mais abaixo] da Misericórdia e os Hospitais
Reais de Enfermos e Expostos a solicitar à Rainha D. Maria I a mercê de lhe ser
concedida permissão de instituir uma Lotaria anual ‘para acorrer com os lucros
della às urgentes necessidades dos ditos dous Hospitaes’ (Decreto de 18 de
Novembro de 1783). Parte dos lucros das lotarias beneficiavam também outras
instituições pias e científicas”. [id]
Já
entrado o séc. XIX, a situação económica-financeira da Misericórdia de Lisboa
continuava bastante precária, não obstante as medidas tomadas para a prover dos
“meios necessários à condução das suas inúmeras acções caritativas”. Os prédios
urbanos que eram sua propriedade e “contribuíam para a receita da Santa Casa,
encontravam-se, em grande parte, arrasados ou danificados, designadamente pelo
terramoto de 1755. “Mesmo assim, a Misericórdia de Lisboa continuava a ser um
modelo para todas as instituições de beneficência, já que o Príncipe Regente D.
João (futuro D. João VI), veio ordenar (1806) que as misericórdias do reino
passassem a regular-se pelo Compromisso da Misericórdia de Lisboa que, para o
efeito, foi reeditado (1818) e amplamente divulgado”. [id]
Nessa instável
época, marcada pela Revolução Francesa e pela Guerra Civil, assistiu-se ao declínio
da Irmandade. Impressionado com a situação da Misericórdia de Lisboa (1834), o (16º)
Duque de Bragança (D. Pedro I, enquanto tal, simultaneamente D. Pedro IV, pai
de D. Maria II - 17ª Duquesa de Bragança), “regente em nome da Rainha, procedeu
então à nomeação de uma Comissão Administrativa, autorizada a executar as
reformas julgadas mais urgentes, prescindindo dessa forma da participação
activa dos Irmãos da Confraria da Misericórdia de Lisboa”. [SCML]
Agravado
o índice de mortalidade infantil, a Comissão melhorou as condições na Casa dos
Expostos. E no respeitante ao recolhimento das Órfãs, foi o mesmo transferido
para o Convento de São Pedro de Alcântara, doado à Misericórdia por decreto de
D. Pedro IV (1833). [idem]
A verdade
é que apesar de todo o mais activo empenho da Comissão, as dificuldades de
gestão financeira não diminuíram. Ao contrário, e por mor do “aumento do número
de crianças entradas na Roda da Misericórdia de Lisboa (muitas das quais oriundas
dos concelhos limítrofes), agravou-se consideravelmente a situação económica da
Santa Casa”, embora nesta matéria se tenha criado, em 1853, um “salário ou
esmola” a atribuir às mães de menores recursos para criarem os seus filhos, nos
3 primeiros anos de vida. [id]
A pobreza,
entretanto, agravou-se e alastrou, pelo que foi instituído o “Conselho Geral de
Beneficência, com o objectivo essencial de extinguir a mendicidade. Reformado
em 1851, coube-lhe a suprema direcção da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa,
dos Hospitais de S. José, de S. Lázaro e de Rilhafoles” (o antigo Convento ou
Hospital de Rilhafoles, hoje muito alterado, que fica ali na zona do Campo dos
Mártires da Pátria - antigo Campo de Santana -, em Lisboa), “da Casa Pia de
Lisboa e de outros estabelecimentos. Foi então determinado que a Misericórdia
de Lisboa passasse a ser administrada por um Provedor de nomeação régia, dois
Adjuntos eleitos pela Irmandade da Misericórdia (o que nunca veio a acontecer)
e dois Adjuntos escolhidos pelo Governo. Através do Decreto de 2 de Dezembro de
1851, dissolveu-se a Comissão Administrativa da SCML, nomeada por D. Pedro IV,
entrando-se no período da administração por Mesas nomeadas exclusivamente pelo
Governo e compostas por pessoas que não faziam parte da Irmandade”.
“As
fontes de financiamento da Misericórdia de Lisboa continuavam a ser
constituídas, essencialmente, pelos lucros da lotaria, pelo rendimento de
prédios e títulos (aplicações financeiras)” e ainda por bens patrimoniais
provenientes de heranças, legados e doações”, além de que “foram incrementadas,
então, diversas medidas (…)”[SCML]
Em meados
do século XIX, verificou-se uma acentuada quebra nos lucros da lotaria.
Simultaneamente, em virtude da aplicação das leis de desamortização [ver abaixo], “a Misericórdia de Lisboa viu-se
obrigada a vender uma parte significativa dos bens imobiliários e a aplicar o
produto da venda em títulos do tesouro. Estes factores, conjugados com a
questão dos expostos, conduziram a um agravamento da crise financeira, que só
encontrou solução nas reformas levadas a cabo durante o mandato do Provedor
Marquês de Rio Maior”, António José Luís de Saldanha Oliveira Juzarte Figueira
e Sousa (1836-1891) que, para além de provedor da SCML, também foi Par do Reino
e deputado, e ainda presidente da Câmara Municipal de Lisboa. [id]
Leis
de Desamortização: tipo de leis que tinham por objectivo acautelar a
concentração de bens fundiários (agrários) de mão-morta *. Foi implementado em Portugal a partir
da Idade Média, quando a Coroa tentou controlar o crescimento dos bens
eclesiásticos. Esta acção foi muito inovadora a nível europeu, cujas medidas
de controlo dos bens da Igreja são bastante mais tardias e menos eficazes.
A
primeira lei portuguesa sobre a matéria saiu das Cortes de Coimbra (1211) e
proibia as corporações religiosas de adquirirem bens fundiários.
Apenas
com as reformas do liberalismo, de Mouzinho da Silveira, esta questão
conheceu uma solução parcial, que culminou com a nacionalização de uma larga
percentagem dos bens de raiz (prédios rústicos ou urbanos) eclesiásticos. De
facto, as leis de 1834 são as mais conhecidas, talvez pelo seu radicalismo,
visível na alienação do património da Igreja e exclausuramento das Ordens
Religiosas. Esta acção apenas foi definitivamente resolvida com a legislação
republicana de 1910, em concreto com a célebre lei de separação do Estado e
da Igreja. [Desarmotização]
* Bens de mão-morta,
bens que não pagam direito de transmissão, por nunca deixarem de existir os
seus titulares (possuidores), que são entidades colectivas como hospitais,
comunidades religiosas etc.
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“Os subsídios concedidos às mães grávidas mais necessitadas, iniciado em 1853, como forma de estimular a
criação e desincentivar o abandono de crianças, tornara-se de difícil suporte,
até porque este abono não evitava as exposições. A solução passava pela
reorganização do serviço e, sobretudo, pela regulamentação da forma de admissão das crianças na Roda, impondo uma efectiva
fiscalização”. Estas e outras medidas inovadoras conduziram à drástica redução
do número de expostos, logo de despesas. [SCML]
A
Misericórdia manteve o serviço clínico externo e alargou o apoio médico a um
maior número de pessoas necessitadas, além de que foi implementada uma
assistência alimentar à população mais carenciada, com a criação, em Dezembro
de 1887, da, mais tarde, denominada Cozinha dos Pobres. [id]
Nos
começos do séc. XX a Misericórdia foi incrementando o referido apoio
assistencial.
… continua amanhã, SX 17.08.2012…
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