terça-feira, maio 31, 2011

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA

Como sempre, recordo:


Este é o espaço em que,
habitualmente,
faço algumas incursões pelo mundo da História.
Recordo factos, revejo acontecimentos,
visito ou revisito lugares,
encontro ou reencontro personalidades e lembro datas.
Datas que são de boa recordação, umas;
outras, de má memória.
Mas é de todos estes eventos e personagens que a História é feita.
Aqui,
as datas são o pretexto para este mergulho no passado.
Que, por vezes,
ajudam a melhor entender o presente
e a prevenir o futuro.




ESTAMOS NA TERÇA-FEIRA 31 DE MAIO DE 2011 (MMXI) DO CALENDÁRIO GREGORIANO

Que corresponde ao
Ano de 2764 Ab Urbe Condita (da fundação de Roma)
Ano 4707 a 4708 do calendário chinês
Ano 5771 a 5772 do calendário hebraico
Ano 1432 a 1433 do calendário islâmico


Mais:


DE ACORDO COM A TRADIÇÃO, O CALENDÁRIO DA ONU E A AGENDA DA UNESCO:


De 2003 a 2012 - Década da Alfabetização: Educação para Todos.
de 2005 a 2014 - Década das Nações Unidas para a Educação do Desenvolvimento Sustentável.
de 2005 a 2015 - Década Internacional "Água para a Vida".


Por outro lado


2011 é o ANO EUROPEU DO VOLUNTARIADO
e
é, também, o ANO INTERNACIONAL DA QUÍMICA


Além disso


hoje é o DIA MUNDIAL DO NÃO FUMADOR
e DIA DO PESCADOR




Completam-se hoje 542 anos (foi na QA 31.05.1469) que nasceu D. Manuel I (14º) em Alcochete, filho do infante D. Fernando (duque de Viseu e de Beja, filho do rei D. Duarte e irmão de D. Afonso V) e da infanta D. Beatriz (ou D. Brites), sua prima co-irmã, filha de seu tio, o infante D. João (um dos da “ínclita geração”, os quais passarei a designar, apenas, por “ínclitos”) e neta de D. João I. Reinava seu tio D. Afonso V (12º), irmão de seu pai, D. Fernando, duque de Viseu.


Ao tempo em França reinava Luís XI (da dinastia de Valois, um rei controverso e autoritário que assinou o Tratado do fim da Guerra dos Cem Anos, que alguns consideram a fronteira entre a Idade Média e a Idade Moderna), em Inglaterra reinava Eduardo IV, em Navarra e Aragão reinava João II, da Casa de Trastâmara

Houve reis da Casa de Trastâmara
em Castela, em Aragão e em Navarra.
A Casa de Trastâmara
(um ramo colateral da Casa de Borgonha,
dinastia que teve representação nas casas reais de
Portugal, Galiza, Leão e Castela, em diferentes épocas
– em Portugal a dinastia iniciada por D. Afonso Henriques
foi exactamente a de Borgonha,
que entre nós também se designou de Afonsina)
toma seu nome do Condado de Trastâmara, no Noroeste da Galiza.

e em Leão e Castela reinava Henrique IV que casou com D. Joana de Portugal, filha póstuma de D. Duarte, logo, irmã de D. Afonso V. Tiveram uma filha, igualmente Joana, que alguns designavam como a «Beltraneja» - pretendendo ligá-la ao nome de um fidalgo, D. Beltrán de La Cueva, que diziam ser seu pai - ponto que nunca viria a ser esclarecido.

No Vaticano pontificava Paulo II (211º)

(de quem se conta a prosaica, irrisória e inverosímil lenda de que a
sua morte foi causada pela quantidade exagerada de jóias
que usava nos dedos,
o que com o tempo muito frio lhe causou uma fatal pneumonia).

Da união de D. Fernando com sua prima D. Beatriz, em 1447, resultaram nove filhos (D. Manuel foi o 8º), dos quais apenas cinco chegaram à idade adulta: 1) João de Viseu (1448-1472: morreu aos 24 anos), terceiro Duque de Viseu, segundo Duque de Beja; 2) Diogo (1450-1484: + aos 34), quarto Duque de Viseu e terceiro Duque de Beja; 3) Duarte de Viseu (que morreu antes de chegar à idade adulta); 4) Dinis de Viseu (que, como o anterior, morreu na menoridade); 5) Simão de Viseu (o qual, como os precedentes, morreu menor de idade); 6) Leonor (1458-1525: + 67 anos), que se casou com João II de Portugal e tornou-se Rainha; 7) Isabel de Viseu (1459-1521: + 62), casada com o 3º duque de Bragança Fernando II (filho de D. Fernando I, 2º Duque e governador de Ceuta - executado em 1483 por traição por ordem do Príncipe Perfeito, o rei D. João II); 8) Manuel, duque de Viseu e de Beja, e Rei de Portugal após a morte do seu primo e cunhado João II de Portugal. 9) Catarina de Viseu (que tendo também morrido menor, e sendo mulher, não entrou nos “cálculos” dos sucessíveis).


Ou seja, o sucessível Duque de Viseu, D. Fernando faleceu em 1470, e “da sua vasta prole masculina só restava precisamente D. Manuel, o mais novo. Com efeito, todos os seus cinco irmãos (D. João, D. Diogo, D. Duarte, D. Simão e D. Dinis) haviam falecido até 1484”, tinha D. Manuel 15 anos.

Ora D. Manuel foi o único rei (tirando D. Afonso Henriques e D. João IV, por óbvias razões) que não era filho de rei. Aliás houve duas outras excepções: D. Sebastião, não foi filho, mas neto de rei (de D. João III) e D. João I que, embora filho do rei D. Pedro era seu filho natural, duma relação extraconjugal (com Teresa Lourenço), o que, em princípio, era impedimento à sucessão ao trono.

 Não obstante tal secular princípio,
nesta circunstância ele foi afastado,
por imposição do povo,
que sufragou e aclamou o Mestre de Avis como rei.

Mas D. Manuel descendia directamente de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, de quem era bisneto. E vem na sequência, directa, também, dos directos descendentes daquele régio casal, a celebrada “ínclita geração”: era neto de D. Duarte, por parte de seu segundo filho, D. Fernando, 2º duque de Viseu e 1º duque de Beja.


Como descendia directamente de D. Afonso Henriques (seu nonavô), ainda que D. João I fosse filho natural (não “legítimo”) de D. Pedro I. Filho, contudo.


Aliás, D. Manuel estava aparentado com várias casas reais da Europa: relativamente à Inglaterra - para apontar só um exemplo - era tetraneto de Eduardo III (avô de sua bisavó D. Filipa de Lencastre) e


sobrinho-bisneto de Henrique IV (irmão de D. Filipa). Já agora, Henrique IV foi o primeiro rei da dinastia de Lancaster (em português: Lencastre) neto do rei Eduardo III de Inglaterra.


Quando D. Manuel nasceu ninguém podia imaginar que estava ali um futuro rei de Portugal. Certo que era sobrinho de rei e descendente de reis (neto, bisneto…), mas nem por isso se lhe imaginaria na sua fronte a coroa real. Contudo, uma sucessão de factos ocasionais fizeram com que o remoto herdeiro do trono, o venturoso e afortunado Manuel (onde ocupava uma distante 8ª posição – que geralmente fica esquecida na bruma dos ignorados sucessíveis, de que, em regra, não reza a História), viesse a ocupar esse trono.


Na verdade, antes de mais os acasos de D. Afonso V (tio de D. Manuel, que reinava quando ele nasceu – irmão de seu pai, e ambos filhos de D. Duarte) não ter tido mais filhos varões (o futuro rei D. João II, que a História registaria como o Príncipe Perfeito, era o terceiro filho de D. Afonso V, mas o segundo sucessível: teve um irmão mais velho, igualmente D. João, que morreria menor, antes de D. João II ter nascido (daí a repetição do nome) e entre ambos, mais velha três anos que D. João II, havia uma princesa, que se dedicou à vida religiosa e que tem honras de altar, a Princesa Santa Joana. Aliás, D. Afonso V ficou viúvo (da rainha D. Isabel, sua prima, filha do ínclito D. Pedro, duque de Coimbra, seu tio mais velho) antes de completar os 24 anos, e, até ao seu prematuro passamento (aos 37 anos) não teve mais filhos – o que viria aumentar a hipótese de sucessão do afortunado Manuel.


Por seu turno, D. João II, além de ter morrido igualmente muito novo (aos 40 anos), só teve um filho, D. Afonso, que muito novo ainda, casou com D. Isabel, de Espanha, filha dos reis católicos - (que, curiosamente, viria, anos mais tarde, a casar com seu primo e tio, o futuro D. Manuel; primo, porque filho do seu tio D. Fernando; tio, porque irmão de sua mãe, D. Leonor)


Aliás, D. João II só teve esse filho, D. Afonso, da rainha D. Leonor; porque de duas outras relações teve um filho – que foi duque de Coimbra – e uma filha. Filhos naturais, portanto não sucessíveis, como era dos cânones.


É que, na verdade, qualquer deles (D. Afonso V e D. João II – ambos de morte muito precoce) podia ter mais filhos, o que alteraria imediatamente a possibilidade, talvez muito mais remota que um longínquo 8º lugar, de o afortunado D. Manuel se ter transformado no rei Venturoso.


Acontece que o príncipe D. Afonso morreu em Alfange, Santarém, ali à beira do Tejo, em 1491, de um acidente de cavalo, quando disputava um jogo equestre (o páreo).

O páreo é um jogo em que os cavaleiros galopam em campo aberto,
de mãos dadas. Vê-se logo o perigo inerente.
Neste caso fatal para o príncipe
(cfr “Ditos”, mais abaixo melhor explicitado, de J H Saraiva)

Nesta circunstância, havia que voltar atrás, à linha sucessória do segundo filho de D. Duarte, irmão de D. Afonso V: D. Fernando, duque de Viseu. Que viria a ser detentor de outros títulos: 1º Duque de Beja; 2º Duque de Viseu, 6º Condestável de Portugal e mais o de Mestre de Avis, em 1436, que (como o de Duque de Viseu) recebera por herança directa e explícita de seu tio D. Henrique (o das descobertas, um dos “ínclitos”).

O condestável que, como sabemos,
começou por corresponder a um cargo militar bem modesto,
transformou-se em comandante do exército,
constituindo a segunda personagem da hierarquia militar nacional,
depois do Rei
e, curiosamente, com o andar dos séculos,
voltou a corresponder a actividades menores.

D. Fernando e D. Beatriz tiveram oito filhos: seis filhos varões (João, Diogo, Duarte, Dinis, Simão e Manuel) e três filhas, entre elas Leonor – mulher de D. João II e mãe do príncipe D. Afonso.


Por golpes do destino, ao tempo da sucessão de D. João II (cujo cognome mais conhecido é o de Príncipe Perfeito, mas que também teve o de "O Tirano"), em 1495, já, desta linha de sucessíveis, tinham morrido seu filho, o príncipe D. Afonso, em 1491, seu irmão, D. Fernando, em 1470, assim como os cinco irmãos mais velhos de D. Manuel. Eis, pois, como inesperadamente, o Venturoso chega ao trono de Portugal.


Não me afoito, e não só por falta de espaço como, sobretudo, por escasso saber, a desenvolver muito mais uma biografia do Venturoso e a sua gesta. Deixo contudo umas notas sobre os seus casamentos e descendência.


D. Manuel casou três vezes, por ter enviuvado duas. Dos 3 casamentos teve 12 filhos, dois dos quais reis.


O seu primeiro casamento foi em 1497 com D. Isabel de Castela, filha dos reis católicos, viúva do infante D. Afonso, filho do nosso D. João II (o tal que morrera em Santarém num desastre equestre. D. Isabel morreu de parto, deixando um filho, (A1) D. Miguel da Paz, que morreria ainda bebé.


Casou em segundas núpcias em 1500 com uma cunhada, a infanta D. Maria de Castela, irmã da sua primeira mulher, e deste casamento teve 9 filhos: (B1) D. João, que lhe sucederia no trono (D. João III); (B2) D. Isabel, que viria a ser imperatriz da Alemanha, ao casar com o imperador Carlos V (foram os pais de Filipe II de Espanha, I de Portugal); (B3) D. Beatriz, que casou com o duque de Sabóia Carlos III (foram os pais de D. Manuel Felisberto, duque de Sabóia); (B4) D. Luís, (n. 1506; m. 1555) cultor das ciências e das Letras, discípulo de Pedro Nunes (D. Luís foi o pai natural de D. António, Prior do Crato); (B5) D. Fernando, (nascido em 1507) duque da Guarda, conde de Marialva e de Loulé que morreu em 1534.

D. Fernando "foi tão detestado quanto seu irmão D. Luís foi admirado"
(cfr Ditos Portugueses Dignos De Memória …, p 57, fonte referida mais abaixo)

(B6) D. Afonso, (nasceu em 1509) que foi bispo de Évora, Guarda e Viseu, arcebispo de Lisboa e cardeal (esta dignidade conferida por Leão X, em 1513, quando o infante tinha 4 anos (!!!), mas sob a condição de não poder ser tratado como tal antes de chegar aos 14 anos (!). Mas recebeu o barrete cardinalício aos 9 anos) (cfr tb, Ditos..., J H Saraiva, 56); (B7) D. Henrique, (nasceu 31.01.1512 e morreu a 31.01.1580) que veio a ser rei de 1578 a 1580, e que antes fora arcebispo de Braga, de Évora e de Lisboa; (B8) D. Maria, que morreria ainda bebé; (B9) D. Duarte, homem erudito, educado por André de Resende, que casou com D. Isabel, filha de D. Jaime, 4º duque de Bragança (D. Duarte foi o pai de D. Catarina, duquesa de Bragança).


O terceiro casamento de D. Manuel, em 1518, foi com a infanta de Espanha, D. Leonor, filha de Filipe I e irmã de Carlos V

(D. Leonor nasceu a 15.11.1498
e chegara a ser pensada para sua nora,
já que primeiro se pretendeu que casasse com o seu filho
- futuro D. João III).

E deste casamento teve dois filhos: (C1) D. Carlos, que viveu apenas um ano, e (C2) D. Maria, pessoa de grande cultura.

De notar que o infante D. Luís
nasceu em 1506 e morreu em 1555.
Este segundo filho varão de D. Manuel
"teve excepcional prestígio,
maior que qualquer dos seus irmãos,
e D. João III
[que só por ter nascido antes - 4 anos - que o irmão, foi rei]
procurou sempre mantê-lo na sombra.
Vários escritores,
entre eles Gil Vicente, D. João de Castro e Pedro Nunes,
lhe dedicaram obras"
(Ditos... J H Saraiva, 54)

D. João II e D. Manuel eram primos e cunhados: primos, porque ambos netos de D. Duarte (D. Duarte foi o pai de D. Afonso V e de D. Fernando, duque de Viseu - respectivamente pais de D. João II e de D. Manuel); cunhados, porque D. João II casou com D. Leonor, irmã de D. Manuel (portanto, também ela filha do duque de Viseu D. Fernando).


D. Manuel foi pai de, entre vários outros filhos [de três casamentos], D. João III e D. Henrique (ambos reis).


D. Manuel foi aclamado rei em 27.10.1495 e morreu a 12.12.1521, em Lisboa, sucedendo-lhe seu filho D. João III (15º) – o mais velho dos seus nove filhos do seu segundo casamento.


No ano em que morre D. Manuel são publicadas as Ordenações Manuelinas.

“Ordenações” era a designação que se dava
a determinadas compilações de leis nacionais
organizadas ao longo da nossa história.
Eram, portanto, meras compilações de leis avulsas
que não observavam a sistematização e o rigor que caracterizam os modernos instrumentos jurídicos que se chamam códigos.

Em Portugal, na Idade Média, tivemos três compilações deste tipo: as ordenações afonsinas, promulgadas no reinado de D. Afonso V, que tiveram origem na compilação ordenada já por D. João I, que pretendia ver reunidas de forma já algo sistemática as leis existentes, tarefa essa concluída em 1446 (a sua importância na história de Portugal é grande, já que se trata da primeira compilação oficial do direito português); as ordenações manuelinas, iniciadas em 1505 e terminadas em 1521, ano da morte de D. Manuel I, vieram substituir as afonsinas (seguindo o mesmo princípio organizativo, as ordenações manuelinas marcam já, no entanto, uma reformulação do estilo, mesmo no caso de normas já existentes; por último, as ordenações filipinas, que foram aprovadas em 1595, no reinado de Filipe I

Filipe I de Portugal (Felipe II de Espanha)
era neto de D. Manuel
(filho duma filha dele, D. Isabel,
rainha de Espanha e imperatriz da Alemanha,
casada com Carlos I de Espanha e simultaneamente imperador Carlos V,
pai de Filipe).
Era, pois, sobrinho de D. João III (este, irmão de sua mãe)
de quem foi também genro, ao casar com uma filha dele, D. Maria
(portanto sobrinha de sua mãe), logo, ambos netos de D. Manuel.
Justificava-se, assim, a nova compilação pelo carácter desactualizado das ordenações manuelinas e da colecção de leis extravagantes
(volume constituído em 1569 por leis surgidas após as Ordenações Manuelinas e que foram compiladas por ordem do cardeal-rei D. Henrique).
As ordenações filipinas entraram em vigor apenas em 1603,
já no reinado de Filipe II
(filho de Filipe I, do 4º casamento deste com a arquiduquesa Ana de Áustria) mantendo-se no direito português
até à promulgação dos códigos jurídicos do século XIX.

O humanista Damião de Góis escreveu a “Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel”.









Fontes: várias passagens da Internet, designadamente da Wikipédia; Ditos Portugueses Dignos De Memória, História Íntima Do Século XVI, de Autor desconhecido, com Anotações, Actualização, Introdução e Comentários de José Hermano Saraiva, Publicações Europa-América, 3ª ed, de MAR97 e
João Paulo Oliveira e Costa, D. Manuel I, 1469-1521, Um Príncipe do Renascimento, Círculo de Leitores, XIV, 2005

quarta-feira, maio 18, 2011

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA




Como sempre, recordo:
Este é o espaço em que,
habitualmente,
faço algumas incursões pelo mundo da História.
Recordo factos, revejo acontecimentos,
visito ou revisito lugares,
encontro ou reencontro personalidades.
Datas que são de boa recordação, umas;
outras, de má memória.
Mas é de todos estes eventos e personagens que a História é feita.
Aqui,
as datas são o pretexto para este mergulho no passado.
Que, por vezes,
ajudam a melhor entender o presente
e a prevenir o futuro.



ESTAMOS NA QUARTA-FEIRA DIA 18 DE MAIO DE 2011 (MMXI) DO CALENDÁRIO GREGORIANO

Que corresponde ao

Ano de 2764 Ab Urbe Condita (da fundação de Roma)
Ano 4707 a 4708 do calendário chinês
Ano 5771 a 5772 do calendário hebraico
Ano 1432 a 1433 do calendário islâmico

Mais:

DE ACORDO COM A TRADIÇÃO, COM O CALENDÁRIO DA ONU OU COM A AGENDA DA UNESCO:

De 2003 a 2012 - Década da Alfabetização: Educação para Todos.
de 2005 a 2014 - Década das Nações Unidas para a Educação do Desenvolvimento Sustentável.
de 2005 a 2015 - Década Internacional "Água para a Vida".

Por outro lado

2011 é o ANO EUROPEU DO VOLUNTARIADO
e
é, também, o ANO INTERNACIONAL DA QUÍMICA

Além disso
hoje é o DIA INTERNACIONAL DOS MUSEUS



uma imagem da vaga em que se transformou
a candidatura do general Humberto Delgado em Lisboa


Completam-se hoje 53 anos (18.05.1958), foi num DM: realizou-se o comício de Humberto Delgado, candidato da Oposição Democrática às presidenciais (expressão que provocava um complacente sorriso aos pides, aos legionários e a toda a bufaria das hostes salazaristas), no liceu Camões, em Lisboa, que decorreu – de tão triunfal - sob apertada vigilância da PIDE, da polícia de choque, da PSP e da GNR, a cavalo e a pé.

O general Craveiro Lopes, designado pela União Nacional (o partido único), que o mesmo é dizer por Salazar (o chefe é que decidia, autoritariamente, nesta como em todas as matérias), estava a terminar o seu primeiro mandato de PR.
O normal, como sempre acontecera até aí, era que Craveiro Lopes se recandidatasse, que Salazar determinasse a sua recandidatura. Mas não o fez. A personalidade do general revelara-se menos moldável (!),e “apesar de ter sido julgado um candidato capaz de suscitar consensos, cedo viria a revelar a sua frieza nas relações com o Presidente do Conselho e a demonstrar até, uma certa simpatia pelos oposicionistas. Por isso mesmo, não foi proposto para um segundo mandato presidencial”. Daí que Salazar nomeasse em seu lugar uma das mais conhecidas e caricatas figuras públicas de submissão e subserviência, o seu ministro da Marinha, o “sempre atento, venerando e muito obrigado” Américo Tomás: um presidente muito frequentemente ridicularizado, não só a nível popular como por alguma imprensa.

A maioria dos seus discursos era o prato favorito do anedotário nacional, dada a retórica frouxa e simplória. Mas o que importava era que, deste jeito, o ditador tinha facilitado o seu ascendente normal, já que escolheu desta vez o mais apagado (não por modéstia, mas por incapacidade), o mais fiel, o mais submisso dos seus fiéis servidores e cegos seguidores

Muito a propósito convém recordar:
O Chefe de Estado que, nos termos da Constituição (1933), era a figura principal da hierarquia do Estado, o representante máximo da República, perante o qual “respondia” o Primeiro-ministro, curiosa e anomalamente, e na efectiva prática, aquele encontrava-se subalternizado por este. Realmente, a confiança politica efectivava-se ao contrário do que dispunha a Constituição: na prática, era o Presidente da República que respondia perante o Presidente do Conselho, Oliveira Salazar!

E para evitar os problemas que estas eleições de 1958 trouxeram e antes que as coisas se complicassem, nada melhor que alterar o modo de eleger o PR:
uma apressada revisão da Constituição de 1933 foi “cozinhada” pela Lei nº 2100, de 29.08.59, cujo artº 7º dava nova redacção ao artº 72º daquela, alterando aquele processo de eleição presidencial directo, que passou a assentar num colégio eleitoral de notáveis do regime.

Assim, tudo aconteceria no melhor, no mais pacífico dos mundos…

Mais a mais, havia ainda o facto de o recenseamento eleitoral ser altamente restritivo, discricionário, manipulado e discriminatório (deve lembrar-se que chegámos ao 25 de Abril apenas com cerca de 800 000 eleitores inscritos, entre vivos e falecidos, conforme constava) até, por efeitos de apatia e desinteresse sabiamente provocados pela intimidação das autoridades afectas ao regime.

As presidenciais aproximavam-se (DM 08.06.1958) - a data das eleições encontrava-se a cerca de vinte e tal dias, ou três semanas, mais ou menos.

Para o regime, tudo era um faz de conta. Mas o cerco da oposição apertava-se.

As manifestações sucediam-se. E a estas respondiam, com a prontidão, a indiscriminação e a violência costumadas, as forças policiais.

também em Coimbra, no Largo da Portagem, a vaga se fez sentir

Uma semana antes (no Sábado 10.05.1958), Humberto Delgado proferiu a frase que o celebrizaria e que lhe ditaria a sentença de morte: “obviamente, demito-o”, referindo-se ao ditador, ao chefe do regime.

uma edição do República, da época, refere a expectativa do general

Nesse DM 18 de Maio de 58, repito, o general fazia uma acção de esclarecimento (era perigoso falar em comício) no Liceu Camões. Como aí não cabia mais nem uma agulha sequer, os manifestantes concentravam-se nas imediações: junto ao liceu, nos cafés Monte Carlo e Monumental, no Saldanha e na Av da República, aguardando que o comício terminasse e para acompanhar o general, depois, em apoteose, como estava planeado.

A enorme manifestação de apoio a Delgado é reprimida, com a habitual violência, pelas forças policiais (nomeadamente pela GNR a cavalo).

Tenho bem vivo na memória esse acontecimento, que presenciei ao vivo, já que fazia parte da manifestação.

Foi a loucura e a confusão total.

A GNR, a pé e a cavalo, perseguia à cacetada, à bastonada ou à coronhada quem quer que estivesse na sua frente. E claro que chegou a invadir aqueles cafés onde alguns manifestantes se encontravam e outros se refugiavam.

Construía-se, então, a linha de metro, o troço entre o Saldanha e Entre Campos, na Av da República, a céu aberto. Um enorme fosso rasgava a avenida, ocupando a totalidade, ou quase, das duas faixas de rodagem centrais. Na fuga descontrolada às fortes cargas policiais, pessoas houve que se esgueiravam e mergulhavam no fosso do metro.

Outras, refugiavam-se na avenida e suas transversais, nos prédios de porta aberta, e até na Av Defensores de Chaves, nos prédios onde se podiam acolher (como eu, que dei comigo num primeiro ou segundo andar de um qualquer edifício, juntamente com mais manifestantes – ou meros passantes, que não escapavam à sanha policial). Toda essa zona – Av da República, transversais e paralelas – estavam pejadas de polícia, a pé ou a cavalo (“capicuas” - como lhes chamávamos a estes: cavalo em cima, cavalo em baixo) e desses dedicados bonzos da ditadura, que eram os bufos da PIDE.

A manifestação fez-se, mas foi fortemente reprimida. Transformando-se num pandemónio.

Só vivido se podia avaliar. Descrito não se imagina.

A bestialidade na reacção das forças do regime à candidatura, ao candidato e seus apoiantes, mais conferiam ao regime a dificuldade de o considerar legítimo.

O que em qualquer regime democrático - uma campanha com dois ou mais partidos - seria um acontecimento natural, aqui, não, aqui é uma perversidade: basta ver e ouvir os comentários e as ameaças do ditador.

Poucos (anos) tempos depois, persistindo a “surdez” do regime, as colónias transformavam-se num barril de pólvora que conduziu a uma grave sangria de meios económicos nacionais e à exaustão das forças armadas e ao seu despertar para a impossibilidade de fazer face aos movimentos de libertação (“terroristas”, na expressão raivosa dos situacionistas) dos respectivos territórios.

Todo o Mundo e as principais instituições internacionais condenavam a acção do governo… Mas o maniqueísmo que melhor convinha à “situação” e o prisma vesgo sob que o chefe do governo, mentor e líder da ditadura, encarava o problema, não podiam já fazer parar a agonia do regime que colapsaria a 25 de Abril de 1974.

Nessa altura a verdura dos meus vinte anos já me permitiam discernir, com bastante clareza, acerca do fenómeno político, em geral, e sobretudo sobre a nossa situação. E foi com o entusiasmo dessa juventude que me entreguei a tal luta. De que, como é óbvio, nunca me arrependi, nunca me desviei e que sempre me comandou intelectualmente.

Mas sem jamais prescindir da minha independência no que a partidos respeita.

Deixo a seguir um pequeno vídeo com imagens célebres e já conhecidas da época, com o estafado discurso do ditador, cheio de insinuações e ameaças, em fundo.

Fala, naturalmente, do papão, invocando uma imaginária “sementeira de ódios” que adviriam, não, como sempre do reduto da situação mas da oposição e suas manifestações. E refere a necessidade de “varrer essa sementeira de ódios”, sublinhando: “mas quero afirmar com a fria serenidade habitual que dessa (?) ou doutra forma se há-de restabelecer, e rapidamente, o ambiente de calma colectiva, quero dizer que o faremos em todas as circunstâncias e pelo emprego de todos os meios ao dispor da autoridade.”

O Chefe prometeu e cumpriu: empregou todos os meios ao dispor da autoridade.

E foi o que se sabe. Até à morte do candidato.

E não me venham dizer que esta campanha não veio mexer com o regime! Que não o sacudiu! Que não o fez tremer!

As últimas imagens do pequeno vídeo são super-repetidas em múltiplas fotografias da época: dois oficiais das Forças Armadas tentam demover o general. Mas sem êxito.

terça-feira, maio 10, 2011

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA

Este é o espaço em que,
habitualmente,
faço algumas incursões pelo mundo da História.
Recordo factos, revejo acontecimentos,
visito ou revisito lugares,
encontro ou reencontro personalidades.
Datas que são de boa recordação, umas;
outras, de má memória.
Mas é de todos estes eventos e personagens que a História é feita.
Aqui,
as datas são o pretexto para este mergulho no passado.
Que, por vezes,
ajudam a melhor entender o presente
e a prevenir o futuro.


ESTAMOS NA QUARTA-FEIRA DIA 04 DE MAIO DE 2011 (MMXI) DO CALENDÁRIO GREGORIANO

Que corresponde ao
Ano de 2764 Ab Urbe Condita (da fundação de Roma)
Ano 4707 a 4708 do calendário chinês
Ano 5771 a 5772 do calendário hebraico
Ano 1432 a 1433 do calendário islâmico

Mais:
DE ACORDO COM A TRADIÇÃO, COM O CALENDÁRIO DA ONU OU COM A AGENDA DA UNESCO:
De 2003 a 2012 - Década da Alfabetização: Educação para Todos.
de 2005 a 2014 - Década das Nações Unidas para a Educação do Desenvolvimento Sustentável.
de 2005 a 2015 - Década Internacional "Água para a Vida".

Por outro lado
2011 é o ANO EUROPEU DO VOLUNTARIADO
e
é, também, o ANO INTERNACIONAL DA QUÍMICA

Além disso
hoje é DIA MUNDIAL DO DOENTE DE LÚPUS


Trago hoje a memória de dois eventos que perturbaram o regime da feroz ditadura salazarista e com que se escreveu, também, o proémio da História do Dia da Liberdade e da moderna História de Portugal.



Completam-se hoje 105 anos (1906), foi numa QI: nasceu D. António Ferreira Gomes, em São Martinho de Milhundos, Penafiel. Reinava, ainda, D. Carlos (33º). No Vaticano pontificava Pio X (257º).

D. António Ferreira Gomes
numa obra cujo autor desconheço

O bispo que teve a ousadia de afrontar a ditadura do Estado Novo e o seu líder, Salazar, doutorou-se em Filosofia na Universidade Gregoriana de Roma.
Foi nomeado bispo de Portalegre, em 1949, e bispo do Porto em 1952.

A 13 de Julho de 1958 (conquanto a notícia, por manifesto lapsus calami referisse 13 de Agosto) D. António escreveu uma carta a Salazar, na qual, mantendo-se fiel à doutrina da Igreja, exprimia a sua preocupação acerca de alguns aspectos negativos do regime então vigente, principalmente por razões sociais.


Por pressão de Salazar, o bispo viu-se constrangido ao exílio, em 1959, em Roma, só regressando a Portugal dez anos depois, altura em que retomou as suas funções clericais, das quais resignou em 1982, ao atingir o limite de idade” – noticiava o PÚBLICO na sua edição de 05.05.05.

Estão associados ao seu nome o Instituto Cultural D. António Ferreira Gomes e a Fundação SPES

O ex-bispo do Porto, que teve coragem de se opor ao regime de Salazar – o que lhe custou 10 anos de exílio - faleceu a 13 de Abril de 1989, perto de perfazer os 83 anos.

Por mim continuo a pensar que mais grave do que as palavras e a consequente defesa da doutrina social da Igreja, foi a atitude contestatária do bispo face às teses e á ideologia do todo-poderoso mentor e líder da situação.

Foi assim que pouco mais de um mês depois das eleições presidenciais de 1958 (que se realizaram no Domingo 8 de Junho de 1958), mais precisamente no dia 13 de Julho, D. António Ferreira Gomes escreveu uma longuíssima e (atendendo às circunstâncias) corajosa carta a Salazar, que lhe valeu dez anos de exílio em Espanha, França e Alemanha (entre 1959 e 1969).
”Essa carta foi um marco na resistência dos católicos (então ainda relativamente incipiente) contra a ditadura.”

Do texto, constante de vários sítios da rede, deixo aqui uma parte - digamos que o seu prólogo - não sem remeter, por fim, para o seu completo conteúdo, para os que nele estiverem interessados, que se encontra num sítio da blogosfera intitulado “Entre os Textos da Memória”.

«AO EX.mo PRESIDENTE DO CONSELHO

Porto, 13 de Julho de 1958

Excelência,

Cumpre-me, antes de mais, agradecer a V. Ex.ª o ter manifestado a boa disposição de me ouvir.
Na verdade, estando eu, na ocasião das eleições, legitimamente ausente em Barcelona, a deslocação a Portugal, que se me pedia, por forma tão extraordinária e pública, não poderia deixar de considerar-se propaganda da Situação, visto que, nas condições das duas candidaturas, sem falar sequer da posição ideológica de quem me pedia, era praticamente voto aberto. Isto tinha talvez menos importância; o que a tinha máxima era o carácter plebiscitário que se tem dado às nossas eleições, carácter que eu procurei fazer compreender ao grupo de pessoas que se me dirigiu e que depois V. Ex.ª publicamente reconheceu.

Em tais condições e forçado a ser, diametralmente ao contrário do meu desejo, uma bandeira, eu não podia deixar de fazer uma declaração de voto. Como a não deveria fazer em público, requeri fazê-lo a V. Excelência.

Acho porém preferível enviar primeiro, por escrito, os pontos fundamentais desta minha declaração a fim de poder ser útil à nossa conferência.

Quero, sobretudo e antes de tudo, acentuar que aquilo que se me põe à minha consciência é um problema directamente da Igreja.

A grande e trágica realidade, que já se conhecia mas que a campanha eleitoral revelou de forma irrefragável e escandalosa, é que a Igreja em Portugal está perdendo a confiança dos seus melhores. Não direi se este processo está, em princípio, no meio ou perto do fim; o que é evidente é que tal processo está em curso, por mim penso que muito e muito adiantado.»

Ler o texto completo aqui.

O cinquentenário da carta foi largamente recordado.

Assim, por exemplo, na imprensa laica:

Jornal de NotíciasDomingo 2008-07-13

Faz 50 anos que o bispo do Porto enviou o "pró-memória" a Salazar, uma "carta-aberta" que questionava o ditador e as ligações do regime à Igreja

A "carta" que sacudiu o salazarismo
Alfredo Maia

Há 50 anos, um bispo sacudiu o salazarismo e a cumplicidade católica. Um memorando enviado ao ditador apontou mazelas e requereu mudanças. D. António Ferreira Gomes foi para o exílio, mas nada ficou como dantes.


Mas já nada era como dantes. Estávamos em 1958, o ano do sismo eleitoral que abalou a ditadura. Na campanha para a Presidência da República, centenas de milhar de pessoas ousaram apoiar nas ruas Humberto Delgado, opositor ao candidato do regime, Américo Thomaz.


A resistência ganha uma nova frente. Militantes da Acção Católica (AC) reclamavam mudanças, questionando o Estado Novo e a aliança com a Igreja Católica que o incensava. E o bispo do Porto já incomodava.


Voz dissonante na Igreja, com preocupações sociais desde o seu primeiro magistério, em Portalegre (1948) e aprofundado no Porto (1952), D. António Ferreira Gomes era ouvido entre os militantes da AC e os jovens das novas elites e mantinha contactos com católicos progressistas como António Alçada Baptista, Nuno Teotónio Pereira e Francisco Lino Neto e Manuela Silva.


A partir de 1956, questiona, em conferências e homílias, a organização corporativa, a falta de liberdade de expressão e de associação, a exploração dos operários e a miséria rural. Salazar suspeita que pretende transformar a AC em partido (democrata cristão) elege-o como inimigo.


Na altura das eleições, conferências afastam D. António do país. Salazar não gosta e estende a garra sobre a presa. Envia três senhoras de sua confiança a Barcelona para persuadirem o bispo a vir votar, prometendo-lhe um encontro com o ditador, para discutirem os assuntos que entender.


D. António regressa, vota e prepara o encontro. A 13 de Julho de 1958, envia um "pró-memória" a Salazar, com as matérias a abordar. E descobre-lhe o jogo: a deslocação "não poderia deixar de considerar-se propaganda da Situação, visto que, nas condições das duas candidaturas, sem falar sequer na posição ideológica de quem mo pedia, era praticamente voto aberto", escreve.


A reunião nunca se realizou. O documento, apesar de confidencial ("A cópia que me enviou era acompanhada de um cartão pessoal no qual pedia absolutamente reserva", conta Manuela Silva) escapou com "fugas" da Presidência do Conselho e descuido no círculo do bispo. Distribuído pelo aparelho fascista, apodando-o de comunista, e pela oposição, que apropriava uma nova voz, mudou muitas consciências.


Salazar exigiu a demissão do bispo, ameaçando romper a Concordata; o episcopado isolou-o; e o clero e os católicos situacionistas vilipendiaram-no. Acabou por aceitar a "sugestão" do enviado do Vaticano e do ditador: férias fora do país "para acalmar as coisas". Partiu a 24 de Julho de 1959, mas o regresso foi barrado pela PIDE na fronteira. Reentrou na sua diocese a 5 de Julho de 1969, com a benevolência da sombria "Primavera marcelista".


Mais explícita e completa (ainda que um pouco longa) é a comemoração do mesmo evento pela (católica) “Agência Ecclesia” no seu próprio site, onde disseca a carta, digamos:

«50 anos da Carta a Salazar

A missiva de D. António Ferreira Gomes dá a conhecer as misérias da época e aponta soluções fundamentadas nos documentos pontifícios

Nunca um «pró-memória» foi objecto de tanta investigação como aquele que D. António Ferreira Gomes escreveu a António de Oliveira Salazar. Redigido a 13 de Julho de 1958, este documento está a celebrar o seu cinquentenário. À carta-denúncia das injustiças sociais, Salazar respondeu, um ano depois, com o exílio do bispo do Porto.


Depois das eleições de 1958, cujo vencedor foi Américo Tomás, o célebre bispo do Porto remeteu a Salazar a missiva que referenciou como «pró-memória» para um seu eventual encontro com o presidente do Conselho. “Cumpre-me, antes do mais, agradecer a V. Exª o ter manifestado a boa disposição de me ouvir” – início do documento de D. António Ferreira Gomes ao Presidente do Conselho.


Depois de explicar as razões da sua vinda a Portugal para votar – estava “legitimamente ausente em Barcelona” -, D. António Ferreira Gomes considera que o pedido que lhe foi feito, “por forma tão extraordinária e pública, não poderia deixar de considerar-se propaganda da Situação” – realça o «Pró-Memória». A «história» dessa carta começou, no exacto momento, em que o bispo do Porto se recusou a servir de bandeira do regime nas eleições para a Presidência da República no mês transacto. “Em tais condições e forçado a ser, diametralmente ao contrário do meu desejo, uma bandeira, eu não podia deixar de fazer uma declaração de voto. Como a não deveria fazer ao público, requeri fazê-la a V. Exª” – escreveu no documento.


Após as explicações iniciais, o prelado natural de Milhundos mostrou-se preocupado pelo facto da Igreja em Portugal, como a “campanha eleitoral revelou de forma irrefragável e escandalosa”, estar “perdendo a confiança dos seus melhores” – sublinha. Com o intuito de esclarecer a sua afirmação, D. António Ferreira Gomes apresenta dois casos ao Presidente do Conselho. No Minho - “coração católico de Portugal” – “mal os padres começavam a falar de eleições, os homens, sem se importarem como sentido que seria dado ao ensino, retiravam-se afrontosamente da igreja”. Nas juventudes da Acção Católica, os dirigentes “mais responsáveis saltam fora dos quadros e da disciplina, para manifestarem a sua inconformidade e desespero, fugindo ao conhecimento dos assistentes (que, apesar de tudo, lhes aconselhariam paciência)”.


Estes dois factos causam preocupação ao bispo do Porto. “Está-se perdendo a causa da Igreja na alma do povo, dos operários e da juventude; se esta se perde, que poderemos esperar da sorte da nação?” – lê-se no «Pró-Memória.


A missiva recorda também alguns pontos caricatos da imagem que Portugal tinha no estrangeiro. “Há trinta anos estava eu, em Roma, sob o esplendor do sol ascendente do fascismo”, e um jornal humorístico mostrava Portugal “mendigando à porta da S. D. N. e obtinha esta resposta: - aqui não se entra «a la portoghesa»”. Como a imagem da Pátria no exterior não era muito abonatória, D. António confessa: “lembro bem a comoção e o entusiasmo, o sobressalto de esperança com que acompanhámos os inícios da carreira” de António Oliveira Salazar. E acrescenta: “mais do que para todos, era para nós, afastados da Pátria, uma espécie de resgate e reabilitação perante o estrangeiro desprezador”.

Crise nacional


Nos primórdios do Estado Novo, D. António Ferreira Gomes guardava “religiosamente” as palavras ou as referências que eram feitas ao Presidente do Conselho. Reconhecia-lhe “competência profissional” e as “actividades no campo católico”. Passados os anos, o Bispo do Porto frisou que “não diminuiu a minha estima e respeito pela personalidade de V. Exª nem a admiração pela sua inteligência”.


A “tremenda crise nacional” que a campanha eleitoral “pôs a nu” merecia umas palavras de António Oliveira Salazar. Depois de ouvir e ler o discurso do Presidente do Conselho, a 31 de Maio de 1958, o bispo do Porto lembra no documento: “enquanto trata das políticas externa e ultramarina e do problema económico, salvas pequenas diferenças, não pude senão admirar a lucidez do raciocínio e o bem fundamentado das posições”. Não deixou, porém, de discordar das suas doutrinas relativamente ao problema social. “Tudo começou a ser difícil” – lê-se na carta.


Após fazer um exercício lógico – “o qual depois segui conscientemente” -, D. António Ferreira Gomes procurou “a exacta contraditória das posições expressas” pelo Presidente do Conselho. Após analisar o discurso de António Oliveira Salazar, o bispo do Porto escreve que crê “bem-estar com a doutrina da Igreja ao discordar de doutrinas que, sendo de V. Exª, são da situação”.


Como gosta de explicar as suas posições e fundamentá-las, D. António Ferreira Gomes alinha algumas dessas oposições “com um mínimo de aclarações”.


Depois de António Salazar referir que “a greve é entre nós um crime”, o bispo do Porto lamenta tal posição do Chefe de Estado. Fazendo referência às reivindicações da campanha de Humberto Delgado – “a reclamação de ser reconhecido o direito à greve” -, o prelado do Douro afirma: “eles estão com a doutrina da Igreja”.

Pulsar da sociedade


D. António sentia o pulsar da sociedade portuguesa e reflecte-o no «pró-memória». Apesar da sua formação filosófica, o «celebre bispo do Porto» olha para os problemas sociais com preocupação. “Não poderei dizer quanto me aflige o já hoje exclusivo privilégio português do mendigo, do pé-descalço, do maltrapilho, do farrapão; nem sequer o nosso triste apanágio das mais altas médias de subalimentados, de crianças enxovalhadas e exangues e de rostos pálidos” – sublinha na missiva.


Um documento que analisa a sociedade da época. As tensões sociais e políticas não paravam de subir. Antes de D. António Ferreira Gomes colocar o dedo nesta ferida social, já o Pe. Abel Varzim, Joaquim Alves Correia e outros tomavam posições críticas em relação ao regime.


O próprio bispo do Porto só avançou com a «carta» ao Presidente do Conselho porque a Conferência Episcopal Portuguesa não publicou, três anos antes, um texto sobre a situação dos trabalhadores no nosso país e, nomeadamente a situação do corporativismo. Como os seus colegas do episcopado não deram o passo fundamental para denunciar os casos, D. António Ferreira Gomes viu-se «obrigado», mas em consciência a escrever o que lhe ia na alma. Com este documento exerceu o seu múnus de pastor.


A missiva dá a conhecer as misérias da época e aponta soluções fundamentadas nos documentos pontifícios.

O exílio


A conversa entre os dois Antónios não chegou a realizar-se devido a vários factores, mas o bispo condensou em quatro questões aquilo que desejaria perguntar a António de Oliveira Salazar. “Tem o Estado qualquer objecção a que a Igreja ensine livremente e por todos os meios, principalmente através das organizações e serviços da Acção Católica e da Imprensa, a sua doutrina Social?”; “Tem o Estado qualquer objecção a que a Igreja autorize, aconselhe e estimule os católicos a que façam a sua formação cívico-política, de forma a tomarem plena consciência dos problemas da comunidade portuguesa, na concreta conjuntura presente, e estarem aptos a assumir as responsabilidades que lhes podem e devem caber, como cidadãos católicos?”; “Tem o Estado qualquer objecção a que os católicos definam, publiquem e propaguem o seu programa ou programas, politicamente situados, em concreto hic et nunc, o que evidentemente não pode ir sem o despertar de esperanças de mutações ousadas e substanciais e do seu clima emocional?” e “Tem o Estado qualquer objecção a que os católicos, se assim o entenderem e quando entenderem, iniciem o mínimo de organização e acção políticas, a fim de estarem aptos, nas próximas eleições legislativas ou quando julgarem oportuno, a concorrer ao sufrágio, com programa definido e com os candidatos que preferirem?”.


As questões chegaram aos nossos dias. Como resposta teve um exílio de dez anos.»




Foi há 53 anos, (no Sábado 10.05.1958): Humberto Delgado proferiu a histórica frase que o celebrizaria: “obviamente, demito-o”.

A quatro semanas da retumbante fraude que viriam a ser as presidenciais do Domingo 8 de Junho seguinte, numa conferência de imprensa no Café Chave d’Ouro, ali mesmo no coração de Lisboa, o “general sem medo” (afinal um conservador que teve um momento de lucidez, nada mais que isso), candidato pela Oposição Democrática à Presidência da República, profere - em resposta a uma pergunta (absolutamente impensável) sobre qual seria o destino do ditador, caso – como tudo fazia garantidamente prever – ganhasse as eleições - a não menos retumbante frase que abanou (um ligeiro abalo, é óbvio) o regime, qual inexplicável, impossível, inacreditável, imperdoável, despudorada, ímpia, sacrílega, inexorável e absurda heresia.  


(Alguns pensarão que estou a carregar nas cores:
enganam-se!
Para os bonzos do salazarismo,
estes eram apenas alguns dos inumeráveis adjectivos com que
- incrédulos, pasmados –
classificariam a ousadia do “traidor” general.

O regime
até às vozes “de dentro”
- raríssimas –
era surdo.
Absolutamente.
E insensível).


Delgado na conferência de imprensa

A pergunta não foi feita – podia lá sê-lo? E as consequências de tal acto suicida? – por nenhum representante de agência ou órgão de informação nacional… “Estavam todos nas encolhas”, comentou a esse respeito o herói que se afoitou, o jornalista da France Press, Lindorfe Pinto Basto, que muito simplesmente quis saber que faria o general a Salazar, caso – como tudo indicava – ganhasse as eleições… Decidida, enérgica e sem a mínima hesitação, a resposta não se fez esperar: a célebre “obviamente, demito-o” ecoou como uma bomba na sala apinhada do Chave d’Ouro, inscrevendo imediatamente na História perguntador e perguntado.

Humberto Delgado entrara no golpe de (Sexta-feira) 28 de Maio de 26 e fora uma destacada figura da situação, mas um dia um lampejo (durante os cinco anos que viveu nos EEUU) fá-lo-ia mudar o sentido do “trajecto” que o traria, nessa data, aqui: em 1958, acedendo a um “desafio” da oposição democrática candidatou-se, como independente, às presidenciais desse ano.
uma imagem da vaga que se seguiu à candidatura do general 
 
 


A enorme vaga que se seguiu possibilitou uma dinâmica nunca antes experimentada de unidade da oposição contra o regime do Estado Novo e o seu condutor.
Mas… E a ousadia do general não pagou por isso nenhum preço?

Claro que sim, e aqui foi o preço máximo: atraído a uma cilada em Badajoz, a pretexto de uma eventual reunião com militares portugueses da oposição, foi morto às mãos da PIDE, cujo grupo de agentes era liderado por Rosa Casaco, próximo da fronteira, em Villanueva del Fresno, no Sábado 13 de Fevereiro de 1965.

quarta-feira, maio 04, 2011

MEMÓRIA DO TEMPO QUE PASSA


Este é o espaço em que,
habitualmente,
faço algumas incursões pelo mundo da História.
Recordo factos, revejo acontecimentos,
visito ou revisito lugares,
encontro ou reencontro personalidades.
Datas que são de boa recordação, umas;
outras, de má memória.
Mas é de todos estes eventos e personagens que a História é feita.
Aqui,
as datas são o pretexto para este mergulho no passado.
Que, por vezes,
ajudam a melhor entender o presente
e a prevenir o futuro.

ESTAMOS NA QUARTA-FEIRA DIA 04 DE MAIO DE 2011 (MMXI) DO CALENDÁRIO GREGORIANO



Que corresponde ao
Ano de 2764 Ab Urbe Condita (da fundação de Roma)
Ano 4707 a 4708 do calendário chinês
Ano 5771 a 5772 do calendário hebraico
Ano 1432 a 1433 do calendário islâmico

Mais:

DE ACORDO COM A TRADIÇÃO, COM O CALENDÁRIO DA ONU OU COM A AGENDA DA UNESCO:

De 2003 a 2012 - Década da Alfabetização: Educação para Todos.
de 2005 a 2014 - Década das Nações Unidas para a Educação do Desenvolvimento Sustentável.
de 2005 a 2015 - Década Internacional "Água para a Vida".

Por outro lado

2011 é o ANO EUROPEU DO VOLUNTARIADO
e
é, também, o ANO INTERNACIONAL DA QUÍMICA

Além disso
hoje é DIA INTERNACIONAL DO BOMBEIRO



Foi no DM 04 de Maio de 1460, completam-se hoje 551 anos: Diogo Gomes “descobre” (já vamos ver o porquê das aspas) o arquipélago de Cabo Verde.Reinava D. Afonso V (12º). Decorria o curto pontificado de Pio II (210º).

Pouco se conhece da vida do explorador e navegador. Mas sabe-se que fora lançado no projecto das descobertas pelo infante D. Henrique (por sinal falecido nesse ano), como fora Almoxarife (colector de receitas das alfândegas reais) em Sintra e aí exerceu, também, funções de magistrado (juiz das cousas e feitorias contadas de Sintra). E a surpresa, para muitos, é que foi também escritor: “escreveu, especialmente para Martin Behaim, “uma crónica em latim de grande valor”, tratando da vida e das descobertas do infante D. Henrique, dividida em três partes: De prima inventione Guineae, De insulis primo inventis in mare Occidentis e De inventione insularum de Acores.”

Martin Behaim, que também dava por Martinho da Boémia
– já que casou e viveu alguns anos na ilha do Faial e morreu em Lisboa, em 1507 –,
nasceu em Nuremberga em 1459 e foi, além de explorador,
um conhecido cosmógrafo, cartógrafo e astrónomo.

Já em idade avançada, Diogo Gomes terá ditado verbalmente as suas memórias Martin Behaim durante a última estada em Portugal, o que terá ocorrido em data incerta entre 1484 (chegada Behaim ao nosso reino) e 1502 (quando é confirmada a morte de Gomes).

Claro que quando se diz que – neste caso – Diogo Gomes (ao serviço de Portugal), ou - noutros casos - Cristóvão Colombo (ao serviço dos reis católicos) e Pedro Álvares Cabral (ao serviço da coroa portuguesa), descobriram, respectivamente Cabo Verde, a América ou o Brasil… Quando se afirma que outros navegadores e exploradores medievais, portugueses, holandeses, britânicos ou espanhóis descobriram continentes, ilhas, arquipélagos, percursos, territórios e comunidades… Efectivamente tudo isso estava mais que descoberto. Só que aqui no Ocidente (e, então, o Ocidente restringia-se à Europa) se desconhecia a sua existência, porque não havia registos de viagens, muito menos mapas; e atlas, então, menos ainda.

“No séc.XV iniciaram-se as grandes navegações marítimas e as “descobertas”. Naquela época, era muito grande a disputa por terras, pois o país que encontrasse novos territórios poderia transformá-los em colónias e explorar suas riquezas Por isso, os europeus, especialmente portugueses e espanhóis, lançaram suas embarcações ao mar em busca de conquistas.

Nesse tempo, Portugal e Espanha eram países muito ricos e influentes Ambos dominavam as técnicas de navegação e possuíam muitas caravelas e naus.”

O que os navegadores europeus fizeram foi, de facto, “descobri-los” mas para o nosso mundo ocidental, ao serviço dos respectivos monarcas, que iniciaram a sua colonização nos moldes da nossa cultura.

(Em muitos casos – muitos? Só? – foi uma monstruosa vileza. Inqualificável violência. Não é possível sossegarmo-nos, com o habitual encolher d’ombros: costumes da época!...)

A América, por exemplo – todo o continente – havia sido descoberto, povoado e colonizado há cerca de 62 mil anos pelos ameríndios que, vindos da Ásia, pelo Norte do continente, numa altura em que o estreito de Bering (de 85 km), por efeito da glaciação ocorrida nessa altura, se transformou no seu negativo, um istmo, ligando as duas enormes massas de terra que eram os dois continentes, e o atravessaram a pé.

Nessa altura,
de estreito que era
– ligando dois oceanos, o Árctico e o Pacífico
(ou mares, respectivamente, Chukchi, no Norte, e Mar de Bering, a Sul), e separando duas massas de terra, Ásia e Américas – passou a istmo,
separando, ao invés, aqueles dois corpos de água
e unindo os dois continentes.

É por demais evidente que o termo mais usual, índios, só pode resultar da confusão – da ignorância, melhor dito, perante os conhecimentos que já havia na época - de Cristóvão Colombo, que supunha ter chegado à Índia quando aportou às Américas.

(Acerca dos dados biobibliográficos – inclusive a referência a Martin Behaim – do navegador-escritor, a fonte foi a WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre)




imagem da wikipédia
Tratado de Tordesilhas


Completam-se, hoje, 518 anos, já que o evento aconteceu no SB 04 de MAIO de 1493: o Novo Mundo é dividido entre Portugal (D. João II) e Castela (Isabel, a católica), através da bula “Inter Caetera”, de Alexandre VI (214º).


O documento do papa – o valenciano Rodrigo Bórgia (pai dos célebres e dissolutos César e Lucrécia Bórgia) – conforme a tradição tomava a designação de certos documentos oficiais da igreja de Roma: Bula.

Ora a bula de Alexandre VI – dividiu o mundo a descobrir em dois hemisférios: o oriental [ou do nascente] para os portugueses e o ocidental [ou do poente] para os espanhóis [aliás, castelhanos]. Pelo Tratado de Tordesilhas [07.06.1494], ficou ajustado entre os dois países que a linha divisória seria um meridiano traçado a 370 léguas [1 850 km] para Oeste da ilha mais ocidental [por sinal também mais setentrional, do grupo do Barlavento, Santo Antão (a 2ª maior ilha do arquipélago, sendo a maior a de Santiago, do Sotavento) do arquipélago de Cabo Verde – o actual meridiano 47º W Gr (cfr Padre Miguel de Oliveira, História Eclesiástica de Portugal, pg 200).

De notar que outras bulas – “bulas alexandrinas” – versaram esta matéria da divisão das possessões portuguesas e espanholas no mundo, como as bulas Eximiae Devotionis e Dudum Siquidem.

O Tratado de Tordesilhas, assinado na povoação castelhana de Tordesilhas (um município da Espanha na província de Valladolid, comunidade autónoma de Castela e Leão) em 7 de Junho de 1494, foi um tratado celebrado entre o Reino de Portugal e o recém-formado Reino da Espanha (formado pelas Coroas de Aragão e Castela) para dividir as terras "descobertas e por descobrir" por ambas as Coroas fora da Europa. Em princípio, o tratado resolvia os conflitos que seguiram à descoberta do Novo Mundo por Cristóvão Colombo, em 1492, mas, atendendo às coordenadas geográficas fornecidas por Cristóvão Colombo, os cosmógrafos portugueses argumentaram que a descoberta, efectivamente, se encontrava em terras portuguesas.

Aliás, sabe-se que a oferta de serviços de Colombo
foi recusada por D. João II porque os cartógrafos da sua corte
tinham diferentes e melhores informações na matéria.

Já antes, na sequência do contorno do cabo da Boa Esperança e descoberta da Costa da Mina, com o consequente comércio de ouro, marfim e escravos, Portugal, buscando proteger o seu investimento, posto em causa por Castela, negociou com este reino o Tratado de Alcáçovas (1479), obtendo em 1481, do Papa Sisto IV, a bula Æterni regis, que dividia as terras descobertas e a descobrir por um paralelo na altura das Canárias, dividindo o mundo em dois hemisférios: a norte, para a Coroa de Castela; e a sul, para a Coroa de Portugal. Somando-se a duas outras bulas anteriores de 1452 (Dum Diversas) e 1455 (Romanus Pontifex), do Papa Nicolau V, Portugal e a Ordem de Cristo haviam recebido todas as terras conquistadas e a conquistar ao sul do cabo Bojador e da Gran Canária.

A assinatura do tratado de Tordesilhas é, pois, o culminar de um longo processo negocial entre Portugal e Castela pela posse das terras descobertas. Este processo, repito, vem já do século XIV, com a disputa pela posse das Canárias, e origina o Tratado de Alcáçovas de 1479. Nele, e explicando melhor, Portugal renunciava às Canárias, enquanto Castela deixava para Portugal todas as outras ilhas atlânticas e o comércio da costa africana.

Em suma, o tratado definia como linha de demarcação o meridiano que passava a 370 léguas a oeste da ilha de Santo Antão no arquipélago de Cabo Verde. Esta linha estava situada a meio-caminho entre estas ilhas (então portuguesas) e as ilhas das Caraíbas descobertas por Colombo, no tratado referidas como "Cipango"( Colombo tomara-as pelo Japão! Tais os conhecimentos de Geografia de Colombo!) e Antília (Cuba e Ilha de São Domingos). Os territórios a leste deste meridiano pertenceriam a Portugal e os territórios a oeste, à Espanha. O tratado foi ratificado pela Espanha a 2 de Julho e por Portugal a 5 de Setembro de 1494.

Algumas décadas mais tarde, na sequência da chamada "questão das Molucas", o outro lado da Terra seria dividido, assumindo como linha de demarcação, a leste, o antimeridiano (na zona das Ilhas Molucas. Sabe-se pela cartografia de hoje, que esse meridiano das Molucas é o 129°32' L, cujo antimeridiano, a 50°28'O, corta o território brasileiro.) correspondente ao meridiano de Tordesilhas, pelo Tratado de Saragoça, a 22 de Abril de 1529.

O papa foi durante todas estas questões que envolviam a atribuição da titularidade das terras descobertas o moderador e o juiz, perante os interessados.
Esta aparente imiscuição ou manifesta intromissão dos papas nestas matérias, não o eram, porém. No que aos recentes tratados sobre a partição do Mundo essa intervenção emerge do contexto das Relações Internacionais, a sua assinatura ocorreu num momento de transição entre a hegemonia do Papado, poder até então universalista, e a afirmação do poder singular e secular dos monarcas nacionais - uma das muitas facetas da transição da Idade Média para a Idade Moderna. Realmente, "(...) subsistia ainda a tradição medieval da supremacia política da Santa Sé, que reconhecia a Roma o direito de dispor das terras e dos povos: Adriano IV, papa inglês (1154-59), havia dado a Irlanda ao rei da Inglaterra e Sisto IV as Canárias ao rei de Castela (1471-84). Baseava-se isso, em parte, sobre o facto de um Édito de Constantino ter conferido ao papa Silvestre a soberania sobre todas as ilhas do globo; ora, isso porque as terras a descobrir eram todas, então, supostas serem exclusivamente ilhas (cfr LIMA, Oliveira. Descobrimento do Brasil. Livro do Centenário (v. III), Rio de Janeiro: 1900 apud: Carvalho, Delgado. História Diplomática do Brasil. Apud Wikipédia)

Os originais de ambos os tratados estão conservados no Archivo General de Indias na Espanha e no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Portugal.



Vejamos como nasceu o Tratado de Tordesilhas.
Entretanto já havia regras estabelecidas entre as duas partes acerca da matéria. Mas assentava em disposições que não agradavam (ou deixaram de interessar) aos Reis Católicos.

Contudo, a diplomacia castelhana apressou-se a obter junto ao Papa Alexandre VI, o célebre valenciano, pai de César e Lucrécia Bórgia, uma nova partição de terras. Assim, em 3 de Maio de 1493, a Bula Inter Coetera estabelecia uma nova linha de marcação, um meridiano que separaria as terras de Portugal e de Castela. O meridiano passava a cem léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde. As novas terras descobertas, situadas a Oeste do meridiano a 100 léguas de Cabo Verde, pertenceriam a Castela. As terras a leste, pertenceriam a Portugal. A bula excluía todas as terras conhecidas já sob controle de um estado cristão.

Os termos da bula não agradaram a João II de Portugal, que julgava ter direitos adquiridos que a Bula vinha omitir e pôr em causa. Além disso os seus termos causavam confusão, pois um meridiano vinha a anular o que um paralelo tinha estabelecido. Complementarmente, a execução prática da Bula era impossibilitada por sua imprecisão e pela imperfeição dos meios científicos disponíveis à época para a fixação do meridiano escolhido. Assim sendo, D. João II abriu negociações directas com os Reis Católicos, Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela, para mover a linha mais para oeste, argumentando que o meridiano em questão se estendia por todo o globo, limitando assim as pretensões castelhanas na Ásia. D. João II propôs, por uma missão diplomática aos reis católicos, estabelecer um paralelo das Ilhas Canárias como substituto ao meridiano papal. Os castelhanos recusaram a proposta, mas prestaram-se a discutir o caso. Reuniram-se então, os diplomatas, em Tordesilhas.

O Tratado estabelecia a divisão das áreas de influência dos países ibéricos, cabendo a Portugal as terras "descobertas e por descobrir" situadas antes da linha imaginária que demarcava 370 léguas (1 850 Km) a oeste das ilhas de Cabo Verde, e à Espanha as terras que ficassem além dessa linha.

Textualmente: "(...) que se trace e assinale pelo dito mar Oceano uma raia ou linha directa de pólo a pólo; convém a saber, do pólo Árctico ao pólo Antárctico, que é de norte a sul, a qual raia ou linha e sinal se tenha de dar e dê direita, como dito é, a trezentas e setenta léguas das ilhas de Cabo Verde em direcção à parte do poente, por graus ou por outra maneira, que melhor e mais rapidamente se possa efectuar contanto que não seja dado mais. E que tudo o que até aqui tenha achado e descoberto, e daqui em diante se achar e descobrir pelo dito senhor rei de Portugal e por seus navios, tanto ilhas como terra firme desde a dita raia e linha dada na forma supracitada indo pela dita parte do levante dentro da dita raia para a parte do levante ou do norte ou do sul dele, contanto que não seja atravessando a dita raia, que tudo seja, e fique e pertença ao dito senhor rei de Portugal e aos seus sucessores, para sempre. E que todo o mais, assim ilhas como terra firme, conhecidas e por conhecer, descobertas e por descobrir, que estão ou forem encontrados pelos ditos senhores rei e rainha de Castela, de Aragão etc., e por seus navios, desde a dita raia dada na forma supra indicada indo pela dita parte de poente, depois de passada a dita raia em direcção ao poente ou ao norte-sul dela, que tudo seja e fique, e pertença, aos ditos senhores rei e rainha de Castela, de Leão etc. e aos seus sucessores, para sempre."

Como resultado das negociações, os termos do tratado foram ratificados por Castela a 2 de Julho e, por Portugal, a 5 de Setembro do mesmo ano. Contrariando a bula anterior de Alexandre VI, Inter Coetera (1493), que atribuía à Espanha a posse das terras localizadas a partir de uma linha demarcada a 100 léguas de Cabo Verde, o novo tratado foi aprovado pelo Papa Júlio II em 1506.

As dúvidas, porém, acerca da geografia, mostraram-se o grande problema. Difícil de vencer porque qualquer das partes defendia a sua tese – diferente da do outro.

Ou seja, o meridiano foi fixado, mas persistiam as dificuldades de execução de sua demarcação. Os cosmógrafos divergiam sobre as dimensões da Terra, sobre o ponto de partida para a contagem das léguas e sobre a própria extensão das léguas, que diferia entre os reinos de Castela e de Portugal. Já se afirmou ainda que os castelhanos cederam porque esperavam, por meio de sua política de casamentos, estabelecer algum dia a união ibérica, incorporando Portugal. O que é mais provável é que os negociadores portugueses, na expressão de Frei Bartolomé de las Casas, tenham tido "mais perícia e mais experiência" do que os castelhanos.


Entretanto uma certeza se impunha: os termos do tratado nunca foi cumprido. Muito pouco se sabia das novas terras, que passaram a ser exploradas por Castela. De imediato, o tratado garantia a Portugal o domínio das águas do Atlântico Sul, essencial para a manobra náutica então conhecida como volta do mar, empregada para evitar as correntes marítimas que empurravam para o norte as embarcações que navegassem junto à costa sudoeste africana, e permitindo a ultrapassagem do cabo da Boa Esperança. Nos anos que se seguiram Portugal prosseguiu no seu projecto de alcançar a Índia, o que foi finalmente alcançado pela frota de Vasco da Gama, na sua primeira viagem de 1497-1499.


Com a expedição de Pedro Álvares Cabral à Índia (vogando, intencionalmente e não por ignorância como sucedera a Colombo) a costa do Brasil foi atingida (Abril de 1500) pelos Portugueses, o que séculos mais tarde viria a abrir uma polémica historiográfica acerca do "acaso" ou da "intencionalidade" da descoberta. Observe-se que uma das testemunhas que assinaram o Tratado de Tordesilhas, por Portugal, foi Duarte Pacheco Pereira, um dos nomes ligados a um suposto descobrimento a exploração americana (o ouro castelhano e o pau-brasil português), outras potências marítimas europeias (França, Inglaterra, Países Baixos) passaram a questionar a exclusividade da partilha do mundo entre as nações ibéricas. Esse questionamento foi muito apropriadamente expresso por Francisco I de França, que ironicamente pediu para ver a cláusula no testamento de Adão que legitimava essa divisão de terras.

Por essa razão, desde cedo apareceram na costa do Brasil embarcações que promoviam o comércio clandestino, procediam ao saque das naus e promoveram a pirataria.

Posteriormente, durante a Dinastia Filipina (União Ibérica), os portugueses expandiram-se de tal forma na América do Sul que, em 1680, visando o comércio com a bacia do rio da Prata e a região andina, fundaram um estabelecimento à margem esquerda do Prata, em frente a Buenos Aires: a Colónia do Sacramento (já falada nestas páginas: “Colónia do Santíssimo Sacramento”). A fixação portuguesa em território oficialmente espanhol gerou um longo período de conflitos armados, conduzindo à negociação do Tratado de Madrid (1750).


Voltando à posterior (em relação a Tordesilhas) questão das Molucas, João III de Portugal e o imperador Carlos I de Espanha acordaram então não enviar mais ninguém buscar cravo ou outras especiarias às Molucas enquanto não se esclarecesse em que hemisfério elas se encontravam.

Para a realização dos cálculos da posição, cada Coroa nomeou três astrónomos, três pilotos e três matemáticos, que se reuniram entre Badajoz e Elvas. Estes profissionais, entretanto, não chegaram a acordo, uma vez que, devido à insuficiência dos meios da época no tocante ao cálculo da longitude, cada grupo atribuía as ilhas aos respectivos soberanos.

O Tratado de Tordesilhas serviu como base para as negociações da Junta de Badajoz-Elvas (1524), quando Portugal e Espanha negociaram sobre as Molucas e as Filipinas, originalmente situadas na órbita portuguesa, consideradas castelhanas, em troca das pretensões portuguesas sobre a bacia do rio da Prata, no Brasil.

Para solucionar esta nova disputa, celebrou-se o Tratado de Saragoça a 22 de abril de 1529. Este definiu a continuação do meridiano de Tordesilhas no hemisfério oposto, a 297,5 léguas do leste das ilhas Molucas, cedidas pela Espanha mediante o pagamento, por Portugal, de 350.000 ducados de ouro. Ressalvava-se que em todo o seu tempo se o imperador ou sucessores quisessem restituir aquela avultada quantia, ficaria desfeita a venda e cada um "ficará com o direito e a acção que agora tem".

Tal nunca sucedeu, entre outras razões, porque o imperador necessitava do dinheiro português para financiar a luta contra Francisco I de França e a Liga de Cognac, que o suportava.

(fontes: diversas, na Internet, designadamente na Wikipédia. Mas trago notas várias colhidas noutros locais)



 

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